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#17 Mobilidade Urbana

A caixa preta do transporte público carioca

Foto: Rosilene MiliottiO que acontece nos bastidores da criação de novas linhas, quem controla as empresas de ônibus? Como são definidos as tarifas e o itinerário dos ônibus na cidade do Rio de Janeiro? Essas são algumas das questões que a sociedade, e até mesmo alguns representante do poder público,querem entender. Para isso, é preciso abrir a “caixa preta” das empresas de ônibus.

O vereador Eliomar Coelho (PSOL) identificou, a partir das manifestações populares iniciadas em junho, uma possibilidade de instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para essa investigação. Assim surgiu a “CPI dos ônibus”, apoiada, em seu requerimento, por outros vereadores como Renato Cinco (PSOL), Paulo Pinheiro (PSOL), Rosa Fernandes (PMDB), Jefferson Moura (PSOL), Júnior da Lucinha (PSDB), Leonel Brizola Neto (PDT), Cesar Maia (DEM), e Carlos Bolsonaro (PP). O objetivo seria justamente buscar respostas para as questões acima, entre outras.

“Os processos devem ser mais transparentes. Toda vez que tivesse um aumento na tarifa de ônibus, por exemplo, isso deveria ser no mínimo objeto de uma audiência pública para ouvir os usuários, saber mais sobre a qualidade da prestação dos serviços, saber se há pontualidade. Só o usuário pode dar a informação sobre a pontualidade, o conforto, a qualidade e, acima de tudo, se o valor é acessível ou não”, defende Eliomar.

O valor da tarifa é fixado a partir de  informações que as empresas de ônibus passam para a Fundação Getulio Vargas (FGV). Em seguida, a FGV, em cima dos elementos fornecidos pelas empresas de ônibus, define a fixação da tarifa. Mas aparentemente essas informações não são reguladas pelo poder público. A falta de transparência neste procedimento, além do fato de que há suspeitas da formação de um cartel (grupo de empresas que estabelecem acordos para eliminar a concorrência e estipular preços que garantam lucros mais altos) no controle dos transportes cariocas, levou a imprensa a tratar o assunto como “a caixa preta dos transportes do Rio”.

A instalação da CPI, cuja composição privilegiou vereadores que não haviam assinado o requerimento que pedia sua criação, provocou grande confusão, tendo sido inclusive o motivo de uma ocupação do prédio da Câmara dos Vereadores por manifestantes; e resultou na criação do movimento “Ocupe Ônibus” e também da página “O Rio quer: CPI dos ônibus” no Facebook. Um dos ativistas das manifestações pelo transporte público de qualidade, Fabio Campos, do Movimento Passe Livre (MPL-Rio), confirma que o cidadão tem diversas perguntas que precisam ser respondidas pelas empresas. “É importante pensar nos porquês que a qualidade do transporte público no Rio de Janeiro é tão baixa. Será que as altas tarifas e os subsídios do Governo não são suficientes para disponibilizar à população linhas de ônibus suficientes e um sistema de transporte que realmente atenda à demanda dos trabalhadores? Acreditamos que a causa de o transporte público ser tão precarizado é culpa do alto lucro que os grandes empresários do transporte têm”, afirma.

Além da falta de informação, Eliomar reclama que a Procuradoria Geral da Câmara, que deveria defender os usuários e investigar estas denúncias, não está cumprindo a missão. “Um dia, comunicamos que iríamos fazer uma diligência na Secretaria Municipal de Transportes para verificar uma série de documentos, e para isso há uma lei que diz que é obrigado a conceder a diligencia, e não foi concedido para a gente. Temos uma Procuradoria Geral da Câmara, que é para defender, e não está defendendo nada. Fazemos o requerimento de informação e ninguém responde, ou respondem o que você não perguntou. Nós já convocamos o Ministério Publico, reclamamos constantemente e não temos conseguido nada, essa é que é a verdade, mas vamos continuar lutando”, promete o vereador.

Se um membro de legislativo municipal reconhece que o processo parece “engarrafado” na esfera pública, o representante do MPL-Rio acredita que o cidadão pode fazer a diferença ocupando as ruas para movimentar a questão. “Acreditamos que o melhor meio de pressionar o Governo e a Prefeitura é através do poder das ruas. Acreditamos que os meios jurídicos e oficiais são importantes, porém limitados e a história nos mostra com fatos que quando o povo vai às ruas por uma pauta específica, há grandes chances de atingirmos nossos objetivos. As manifestações de junho, por exemplo, comprovaram isso mais uma vez quando muitas cidades conseguiram revogar o aumento da passagem. E não foi a primeira vez que isso ocorreu: a Revolta da Catraca em Florianópolis, em 2004, também conseguiu barrar o aumento; diversas cidades, após muitos protestos, conseguiram o Passe Livre estudantil, alguns anos atrás; e diversos outros casos, apenas na área de transportes”, pontua Campos.

Quanto à suspeita de formação de cartel, o vereador do PSOL diz que ainda carece de elementos para comprová-la. “ ‘Eles’ dizem que não tem como provar, mas a gente sabe que tem. Se você pega uma pessoa que tem participação em várias empresas, e todas essas empresas participam de um processo licitatório, como esse processo se deu? Esses processos não passam pela Câmara de Vereadores. Fizeram duas ou três audiências públicas apenas, e porque pressionamos. Aí perguntamos: tem cartel ou não tem? Aí eles dizem que não tem. O secretário de transportes, recentemente, declarou que o executivo não tem controle sobre o que é aprovado. Mas como assim, não tem controle?”, questiona.

Desde o dia 2 de outubro de 2013 a CPI dos Ônibus permanece suspensa por determinação da justiça e o vereador Eliomar Coelho, seu proponente, deixou a investigação por não reconhecer a legitimidade na composição da comissão.

Parkour: locomova-se com arte


 
Deslocar-se de um lugar para outro dentro da cidade pode ser um grande desafio para alguns, mas há quem tenha mais habilidade para ultrapassar os obstáculos sem tantas intercorrências. Os praticantes de Parkour, modalidade que se popularizou na França e chegou ao Brasil no início do século XXI, treinam movimentos onde a prioridade é encontrar formas eficientes de se locomover pelos espaços. O Parkour, cuja tradução livre é “arte do deslocamento”, utiliza, além do corpo, o próprio mobiliário urbano como ferramenta. 
 
Nele, corrimãos se tornam degraus, muros funcionam como escada e rampas de acesso são utilizadas para dar impulso. Nada no espaço é desperdiçado e todos os objetos são ressignificados. “A gente aprende a enxergar a cidade em outra dimensão”, diz Julio José Pinto, um dos criadores do grupo Omnis Pro Parkour junto com seu irmão Julio César Pinto.
 
O Omnis, fundado em 2006, tinha como objetivo reunir todos os praticantes (chamados de tracers) da modalidade para fazerem viagens e treinos juntos. Quando o grupo começou a ganhar corpo, eles perceberam que o Rio de Janeiro tinha um grande potencial para a prática. “O Rio de Janeiro é referência nacional no Parkour, tem vários picos muito legais na cidade toda, da Zona Sul à Zona Oeste. É bom que todo mundo circula”, afirma Julio José. 
 
O operador de turismo Paulo Gomes, que chegou da Paraíba há sete anos reconhece que, além de condicionamento físico, o Parkour também lhe possibilitou explorar mais espaços da cidade que fogem do roteiro turístico tradicional. “Já treinei em Bento Ribeiro, Irajá, Santa Cruz, São Gonçalo. Rapidamente eu aprendi a me deslocar, tanto usando o transporte público, como a pé. Hoje posso dizer que conheço bem aqui, tudo isso graças ao Parkour”, conta. 
 
Não é esporte

 
Apesar de proporcionar condicionamento físico, o Parkour não pode ser considerado uma atividade desportiva, já que não há competições estabelecidas para a modalidade. Ele pode ser encarado como uma filosofia de vida, já que, mais do que treinar o corpo, os princípios são baseados em concentração, determinação e esforço. “Eu treino há três anos e isso me ajuda mentalmente, me ajudou nas relações interpessoais, hoje eu me comunico muito melhor”, diz o tracer Denis Braga. Ele garante que aprender a observar melhor os espaços contribuiu para sua vida. 
 
Já Gomes enxerga também como uma possibilidade de fugir mais depressa de uma situação de perigo. “Eu já passei por situações que eu consegui me safar mais rápido por causa do Parkour”. 
 
Mas para aderir à prática e incorporá-la como forma de locomoção para o trabalho é preciso tomar algumas medidas de precaução: uma orientação com um profissional qualificado para avaliar se o praticante possui condicionamento físico adequado, já que o Parkour exige bastante dos músculos e articulações; e também verificar se o local de trabalho do praticante é compatível, permitindo um banho e troca de roupas, que, segundo os adeptos,é essencial. Afinal, como dizem os “veteranos”, o Parkour pode ajudar a driblar engarrafamentos e apertos em ônibus, mas os muros e grades que serão driblados pelo caminho também deixam suas marcas.

O treino mais regular do grupo Omnis Pro Parkour  acontece às terças e quintas, a partir das 19h, na passagem subterrânea de Botafogo (em frente ao cinema Espaço Itaú). Qualquer um pode participar, basta utilizar roupas leves e tênis. Mais informações sobre viagens e treinos em outros lugares no grupo "Parkour Rio – Treinos e Viagens", no Facebook. Para conhecer melhor o Ominis Pro Parkours, assista ao vídeo:
   
 

Teleférico ainda é alvo de polêmica

Mais de dois anos após a inauguração do teleférico do Complexo do Alemão, inspirado no modelo da Colômbia, o meio de transporte ainda gera polêmica. O morro da Providência, também no Rio de Janeiro, será a segunda favela brasileira a receber o sistema de transporte de massa por cabo. Sua inauguração está prestes a acontecer, embora a central de atendimento da prefeitura não saiba informar o que falta para isso. Na Rocinha, próxima favela cotada pela prefeitura para receber o teleférico, grande parte dos moradores luta para que isso não aconteça. Eles são a favor da continuação das obras inacabadas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 1 e de uma rede de saneamento básico que atenda toda a comunidade.

Instantâneos da mobilidade

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A dramática e conflituosa mobilidade dentro da cidade do Rio de Janeiro, que conta com aproximadamente 5.266 habitantes por km², já carrega em si uma motivação para um registro – seja ele da natureza que for. No caso deste ensaio, o meio escolhido foi a fotografia. Talvez ela seja a melhor ferramenta para congelar momentos que, de tão comuns, não são percebidos de forma integral e singular.

A dura realidade do transporte público na capital fluminense é velha conhecida de sua população: veículos desconfortáveis, ônibus que demoram a chegar no ponto de partida e também no destino final, integração intermodal ineficaz, entre outros. Todo este descompasso se mostra, de forma gritante e ao mesmo tempo calada, na expressão corporal dos usuários. São braços cruzados, um olhar para baixo ou para fora, ou um rosto franzido. Tudo indica que estas pessoas anseiam por não estarem ali e, já que estão, que esta passagem seja a mais rápida possível.

A fotografia também consegue captar a transformação dos indivíduos em um fluxo único, impessoal e homogêneo. Centrado em um único objetivo – a chegada mais rápida ao destino final – este fluxo caminha subjugado a meios que claramente deixam em suspenso a individualidade e o prazer destes usuários.

O Bilhete Único Carioca e a falta de unificação

Foto: Daiana PereiraA falta de integração do Bilhete Único Carioca parece não fazer jus a tantos projetos de mobilidade urbana anunciados para a cidade. O programa foi apresentado como uma linda promessa de campanha, feita em 2008, pelo então candidato e atual prefeito Eduardo Paes. Em suas constantes aparições, Paes dizia ser esta a solução para o problema do carioca em pagar duas passagens para chegar ao trabalho. Fato este que, por diversas vezes, foi motivo para a não contratação de profissionais que utilizavam dois transportes, devido ao alto custo no bolso dos patrões.

Segundo a promessa, o bilhete seria aceito em todos os transportes coletivos, incluindo o alternativo (que hoje é denominado “complementar”), como as vans. Este foi um dos motivos pelo qual grande parte da população, sobretudo motoristas cooperativados, deram seu voto de confiança a Paes. Pois bem, cinco anos se passaram desde sua posse junto à prefeitura. O programa foi implantado em fevereiro de 2010 e muito bem recebido, contudo, ainda falta a tão esperada integração com o metrô e com as vans. O resultado é uma grande parcela da população frustrada diante de uma problemática que parece ser tão simples de resolver. Aparentemente, basta que a prefeitura entre em acordo, tanto com o Metrô Rio quanto com as cooperativas, para que o passageiro que utiliza um ônibus municipal possa ser beneficiado ao utilizar um dos dois transportes no espaço de até duas horas, recebendo assim o desconto no valor das passagens.

“Eu pego dois transportes para chegar ao meu trabalho, primeiro um ônibus municipal de Anchieta para a Pavuna e depois pego o metrô até Copacabana”. O trajeto que a jovem Charlene Monteiro, 24, faz de segunda a sexta  leva em média 1h20. Os 20 primeiros minutos, Charlene credita ao primeiro trecho, de sua casa até a estação terminal Pavuna. O restante é o tempo que leva no segundo trecho até a zona sul. Porém, ela reclama não do tempo e sim do mesmo problema que muitos trabalhadores enfrentam. “No começo, minha chefe falava que seria ótimo se o Bilhete Único fosse aceito no metrô após passar o cartão no ônibus que eu pego. Isso representaria uma economia enorme no bolso dela”, diz. a assistente de consultório dentário. Ao passar no primeiro ônibus, lhe são descontados os R$2,75, e ao passar no metrô, são descontados mais R$3,20.

Recentemente, numa pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), comprovou-se que o Rio de Janeiro é o campeão quando o assunto é o tempo que o trabalhador leva para chegar ao seu local de trabalho. Antes, tal posto era remetido à “Terra da Garoa”, mas a tão agitada São Paulo perdeu a liderança para a “Cidade Maravilhosa” e agora ocupa a segunda colocação num ranking que cidade alguma quer encabeçar. A pesquisa mostrou que, em média, o tempo que nós cariocas levamos para chegar ao nosso trabalho é de quarenta e sete minutos, contra quarenta e cinco de São Paulo. O tempo de deslocamento aumentou 12% nos últimos dez anos no Rio. Uma parcela de culpa pode estar aliada à falta de malha do metrô em relação a São Paulo.

Aliás, por lá, é possível se deslocar por diversos pontos da capital utilizando até quatro transportes ao custo de uma passagem no valor de R$4,65 durante o período de até três horas com o Bilhete Comum, mesmo que seja trem, metrô ou ônibus municipal. Vale ressaltar ainda que, no último dia 21 de novembro, a prefeitura de São Paulo anunciou que o Bilhete Único Mensal Integrado custará R$ 230 por mês. Assim, além de atender e beneficiar o trabalhador, o programa acaba sendo um incentivo ao turismo, cultura e até mesmo ao comércio, já que para quem vai realizar mais de cinquenta viagens por mês a utilização representa uma boa economia.

Por telefone, um representante do Metrô Rio diz caber à Prefeitura tal medida para que seja feita a integração. O que se pode notar é que precisa partir dela (Prefeitura) a atitude para que seja feito um bom acordo para ambas as partes. Como foi mostrado acima, a falta de integração com as vans ainda também é crônica. “Acabei de pagar R$ 2,75 em dinheiro na van que peguei em Campo Grande que me deixa em Coelho Neto, aqui pego o metrô e pago com o bilhete que não me dá desconto algum”, reclama o vendedor ambulante Felipe Gomes, de 32 anos.

Foto: Renan SchuindtEm nota, a Fetranspor (Federação dos Sindicatos das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do RJ), diz que o benefício do Bilhete Único é regulado por legislação específica, cujo teor é ressaltado a seguir: “O Bilhete Único Carioca, pela Lei 5211/10, do Município do Rio de Janeiro, prevê integração ônibus-ônibus de linhas municipais, e ônibus-trem, quando o deslocamento por trem tiver origem e destino dentro do município do Rio de Janeiro.

O Bilhete Único RJ (intermunicipal), pela Lei 5628/09, do Estado do Rio de Janeiro, prevê integração entre um meio de transporte intermunicipal (ônibus, vans, trem e barcas) e outro intramunicipal (ônibus, vans, trem e metrô). Note que na lei estadual (artigo 3º, item IV), o metrô foi classificado pelo legislador como meio intramunicipal. Nas duas legislações não há previsão para o uso combinado de uma linha de ônibus municipal com o metrô”.

A Prefeitura do Rio, por sua vez, diz em nota que vai avançar no assunto tão logo haja “reequilíbrio tarifário”. E ressalta, ainda, que a integração tarifária entre ônibus e trens já está em vigor.

Assim sendo, é possível perceber que o “reequilíbrio” citado, nada mais é que um aumento no valor das passagens para que haja uma compensação que será repassada tanto às cooperativas quanto ao próprio Metrô Rio. Mais uma vez, quem vai assumir esta conta é quem deveria ser o maior beneficiado.

Diante desse panorama característico de falta de regulação do poder moderador do Estado e Município, só nos resta sugerir que o governo reavalie a possibilidade de reestatizar um dos modais, pelo menos, para forçar a regulação do mercado, reassumindo o controle sobre o nível módico da tarifa, conforme reza a Constituição, e restitua o interesse empresarial em adotar o bilhete único com vantagens para o usuário sobre quantidades maiores de passagens (mensal ou bimestral ou semestral), o que existe em todo o resto do mundo, menos no Rio de Janeiro.

Sinal fechado para transportes de massa na Baixada

Fotos: Juliana PortellaA Baixada Fluminense, região que compreende 12 municípios na área metropolitana do Rio de Janeiro (Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaguaí, Japeri, Magé, Mesquita, Nilópolis, Paracambi, Queimados, São João de Meriti e Seropédica) não possui atividade econômica suficiente para empregar e fixar a sua população ativa. Por isso, a maioria dos moradores se desloca diariamente para cidades próximas, principalmente a capital carioca, para, aí, exercer a sua profissão. De acordo com dados do IBGE, Belford Roxo e Nova Iguaçu, estão, respectivamente, em 4º e 14º lugar no ranking de maiores cidades-dormitório do Brasil. Esses dados evidenciam o quanto a Baixada Fluminense depende de uma política eficiente de mobilidade urbana.

Cidades-dormitórios costumam estar ligadas por meios de transporte de massa aos locais de trabalho da maioria de seus residentes. Quando o sistema de transportes não oferece as condições necessárias para atender à demanda satisfatoriamente, o resultado é sofrimento e estresse por parte dos cidadãos. Este, infelizmente, é o caso da Baixada, segundo entrevistados que revelam problemas como a dificuldade de acesso às estações e a inexistência de corredores expressos.

A estudante Ana Kellen Bull, por exemplo, gasta no transporte o mesmo tempo de sua carga horária de trabalho. Ana tem 21 anos, mora em Itaguaí, estuda em Seropédica e faz estágio na Barra da Tijuca. A jovem acorda às 5h para estar na Barra às 8h. “Passo mais tempo no deslocamento do que no estágio e na aula”, conta. No total dos trajetos, ela percorre cerca de 160 km por dia, o que equivale a 6h de viagem de ônibus.

No caminho mais barato, a jovem pega 4 conduções para chegar à Barra e, depois, mais 4 para chegar à Universidade, que fica na BR 465, Km 7, Seropédica. À noite, para retornar, mais duas. O que contabiliza o total de 10 conduções por dia.

“É totalmente desgastante. Chego a ficar desmotivada. Então prefiro pegar o ‘frescão’, pagar a passagem mais cara, mas pelo menos me sinto melhor. Pego uma Kombi até o centro de Itaguaí e lá pego esse ônibus até a Barra. Na volta, eu pego outro frescão até Itaguaí e de lá um ônibus para Seropédica. Pra ir pra casa, pego o ônibus pra Itaguaí, depois uma Kombi para o meu bairro”, relata.

Ela acredita que, se houvesse uma linha de trem ou metrô que atendesse ao seu trajeto, o percurso seria mais rápido. “Mas infelizmente o trem mais próximo é o Campo Grande x Central, e não vale a pena ir para Santa Cruz pegar o BRT”, lamenta.

O governo do Estado do Rio de Janeiro está investindo no projeto do Arco Metropolitano como solução para os problemas viários da região da Baixada Fluminense. A obra, de 145 quilômetros, passará por oito municípios, conectando o Porto de Itaguaí a Itaboraí. Segundo a Secretaria de Obras anuncia em seu site, “o Arco Metropolitano visa estruturar a região metropolitana, através da conexão das cinco grandes rodovias do país – Rio-Santos, Rio-São Paulo, Rio-Belo Horizonte-Brasília, Rio-Bahia e Rio-Vitória – com o Porto de Itaguaí”.

Além disso, o Arco Metropolitano vai permitir a circulação entre os municípios da Baixada Fluminense, a capital e o restante do estado, sem a necessidade de utilizar a Avenida Brasil, que já recebe uma quantidade enorme de veículos por dia. O governo tem divulgado que a obra está em sua etapa final, e que a previsão de conclusão é “2014”. Mas, ainda que possa trazer avanços para a situação “viária”, o projeto não soluciona a carência de transportes de massa para a população.

Aeromóvel em Nova Iguaçu: solução que não saiu do papel

Já em Nova Iguaçu, foi planejado, durante o mandato da prefeita Sheila Gama (PDT), o aeromóvel, veiculo sobre trilhos que, por não possuir motor, é cerca de quatro vezes mais leve que o metrô. Entretanto, o atual prefeito, Nelson Bornier (PMDB), não deu continuidade ao projeto, que já obteve verba do PAC para a sua execução.

“O projeto foi aprovado pelo PAC-II (Programa de Aceleração do Crescimento), que contempla cidades com mais de 700 mil habitantes, e Nova Iguaçu iria receber do governo federal investimentos para viabilizar a instalação do aeromóvel no trecho que liga Cabuçu ao Centro e o Centro a Santa Rita”,informa Fernando Mac Dowell, autor do projeto do aeromóvel, acrescentando que a construção, administração, operação, manutenção e exploração comercial do veículo ficariam a cargo da iniciativa privada.

De acordo com Mac Dowell, doutor em Engenharia de Transporte e ex-diretor do Metrô Rio, o veículo, que já foi adotado pela cidade de Porto Alegre (RS), resolveria os problemas do trânsito e ainda proporcionaria qualidade de vida para a população com as integrações com outros meios de transporte.

Mac Dowell acredita que a solução para o problema de moradores da Baixada como Kellen seria o investimento em transporte de massa, o que não tem sido priorizado pelas autoridades:

“Ônibus não é transporte de massa, graças à sua baixa capacidade de oferta de lugares e também por causa dos seus tempos de embarque e bilhetagem muito grandes”, explica o engenheiro, que defende o aeromóvel como opção para diminuir o tempo de deslocamento e fugir dos engarrafamentos.

A assessoria de imprensa da prefeitura de Nova Iguaçu foi procurada, no dia 14 de novembro, para comentar o status do projeto. Mas, apesar da insistência desta reportagem, até o fechamento da matéria não houve resposta.

Sufoco no busão



Longa espera, ônibus lotado, desrespeito, stress e confusão infelizmente são rotina na jornada diária de um trabalhador que usa transporte público para se locomover pela Zona Oeste.

Neste vídeo, que registra o meu percurso em um dia comum (pego dois ônibus para ir ao trabalho: um Vila Kennedy – Bangu, e o outro Bangu – Cascadura), fica evidente que ainda falta muito para termos um serviço de transporte digno. Circulo muito por aqui e vejo que esse problema é peculiar dessa região.

Tudo parece indicar que o lucro das empresas vem em primeiro lugar, e o conforto do cidadão, em último. O ônibus é pequeno, o que dispensa o trocador e reduz o custo para as empresas, mas aumenta o nível de tensão do motorista e provoca mais desconforto para o usuário. A frota reduzida também aumenta a lucratividade, mas faz o trajeto bem mais demorado e cansativo para quem fica no ponto aguardando o próximo ônibus. Se os ônibus, sozinhos, não dão conta, a Prefeitura deveria dividir a demanda entre outros meios, como as vans, por exemplo. Mas, em vez disso, a Secretaria de Transporte vem impedindo que vans licenciadas operem na região.

Anunciaram o novo ordenamento das empresas, agrupadas em consórcio, mas como os donos das empresas são os mesmos, é natural que se questione se o consórcio é realidade ou ficção. Além disso, permanecem as suspeitas de que há oligopólio familiar nas áreas de Cascadura e Bangu.   

Como diz a pesquisadora Mirena Silva em sua dissertação de mestrado apresentada à COPPE/UFRJ em 2011:

"Com as privatizações do funcionamento das redes ferroviárias e do Metrô, entregues pelo Estado do Rio de Janeiro para a iniciativa privada na década de 90, fato esse aliado ao oligopólio das empresas de ônibus coletivos, permitiu-se que as políticas públicas de transportes fossem, em sua maioria, direcionadas de acordo com a rentabilidade do mercado. Isso contribuiu para aprofundar a dualidade urbana, a marginalidade e a exclusão socioterritorial, aumentadas pelas diferenças de oferta, qualidade e preço das formas disponíveis de transporte coletivo".

Quem tiver interesse em se aprofundar no assunto, o trabalho completo está disponível neste link.

Ausência do poder público prejudica transporte em Paquetá

Fotos: Mariana AlvimUma ilha já é, por natureza, isolada. No entanto, os moradores da Ilha de Paquetá parecem ter ficado, nos últimos anos, ainda mais separados da cidade do Rio de Janeiro devido à ausência de alguns serviços públicos, como o transporte. Na opinião de boa parte dos moradores, o serviço da CCR Barcas, único a transportá-los ao centro do Rio, melhorou, mas ainda precisa mudar. No que diz respeito ao transporte dentro da ilha, falta uma presença mais efetiva do poder público e a regulação de tradicionais formas de locomoção.

Na área com aproximadamente 1,2km², os cerca de 4.500 moradores se locomovem a pé, de bicicleta, com eletrotáxis (uma espécie de triciclo elétrico) e com o “trenzinho” (algo como um bondinho rebocado por um trator). As charretes estão diariamente circulando pela ilha, mas são usadas, sobretudo, por turistas.

A começar pela pavimentação, ela é problemática com chuva ou sol. “Calçada aqui não existe. Quando chove, há muita lama, e quando há sol, muita poeira”, contou o morador Marcos Madeira, que carregava sua filha em um carrinho. A prefeitura, ao que parece, não tem planos para solucionar a questão, já que a Secretaria de Conservação afirma que “grande parte das calçadas são de responsabilidade dos proprietários das casas”.  

As calçadas na ilha são poucas, estreitas e mal-conservadas. De acordo com Sylvio de Oliveira, presidente da Associação de Moradores da Praia Morena, os deficientes físicos dependem dos ecotáxis, que não têm gratuidade e cobram R$4, independentemente do percurso. O veículo tem um custo inferior ao dos combustíveis tradicionais (como álcool e gasolina), mas por não haver qualquer regulamentação por parte do poder público, fica difícil avaliar se o valor cobrado é justo ou abusivo. Segundo o ecotaxista Ednard Lima Pereira, o gasto diário com bateria é de cerca de R$8-10.

A vereadora Laura Carneiro propôs um projeto de lei que regulamenta os eletrotáxis, mas este ainda não foi à votação. O prefeito Eduardo Paes, ao visitar a ilha, em julho, afirmou que iria legalizar esta forma de transporte, mas, segundo a Secretaria Municipal de Transportes, este projeto ainda está em estudo. Enquanto isso, moradores apontaram problemas como menores dirigindo, excesso de velocidade e má-conservação dos carros. Segundo um funcionário da Câmara Municipal, que preferiu não se identificar, o controle do preço dos transportes cabe ao Executivo logo, não estaria na alçada do projeto de Laura Carneiro.

Há também a opção do “trenzinho”, que acompanha os horários das barcas, mas, de acordo com o morador Marcos Madeira, este frequentemente não funciona, pela má-conservação.

As charretes, movidas por cavalos, não são utilizadas pelos moradores no dia-a-dia, mas ganham deles atenção significativa por sua polêmica. Em julho, a Secretaria de Promoção e Defesa dos Animais chegou a proibir a circulação deste meio de transporte na ilha por denúncias de maus tratos aos cavalos. Hoje, no entanto, ele permanece liberado. De acordo com a psicóloga Silvia Gonçalves, ativista pelos direitos dos animais na ilha, a cocheira onde ficam os cavalos está interditada desde 2010 por estar parcialmente destruída. Segundo ela, os animais ficam em contato direto com esgoto e passam por maus tratos como excesso de peso e chicoteamento.

Alex Araújo, 40, e Luís Fernando, 59, fazem coro àqueles que apontam as charretes como uma tradição da ilha. “É só você olhar para os cavalos e ver que eles são bem tratados. Uma ou duas pessoas não tinham cuidado com os animais, mas hoje elas não trabalham mais”, contaram os condutores das charretes. Para Silvia, no entanto, mesmo que haja fiscalização, a atividade em si já tira a liberdade dos cavalos. “A tradição não pode prevalecer sobre a vida dos animais”, afirmou a ativista. Trazendo a polêmica para o plano global, cabe lembrar que boa parte das cidades turísticas do mundo mantém ainda hoje este tipo de passeio a cavalo, como Nova York e Londres, por exemplo.

O frentista William Silva de Sousa, 49, que não gosta do mau cheiro deixado pelas charretes, afirma que já foi pior sair da ilha. Para ele, depois que a CCR Barcas aumentou o número de saídas e trocaram as embarcações, ainda neste ano, não há nada a reclamar. Ele, no entanto, trabalha à noite e, por isso, pega o fluxo contrário do resto dos moradores. Situação bem diferente de Marileide Gomes, que diz que as barcas não comportam a demanda do horário de maior procura. Ela contou que já foi parar no hospital com aumento de pressão por não conseguir embarcar e que já recebeu notificação do trabalho por chegar atrasada. “A grade de horários é suficiente, mas a capacidade e a qualidade, não”, afirma a telefonista, referindo-se à má-conservação das embarcações.

De acordo com a CCR Barcas, hoje acontecem 16 viagens por dia na linha, o que corresponde a 72% a mais do praticado anteriormente. O tempo de viagem também foi reduzido, passando de 70 para 40 minutos. Os intervalos entre cada saída da ilha variam de 1h a 1h30. Assim, o professor Leonardo Couto, que ficou de fora da embarcação que saía às 8h de uma quarta-feira, teve que esperar até 9h30 pela próxima saída. Ele conta que foi a terceira vez que isso aconteceu, em apenas duas semanas. “Com certeza eles deveriam ter um lugar pra mim, afinal eles prestam um serviço”. Os moradores afirmam que o verão, as segundas-feiras (quando os veranistas vão embora) e o início do mês (quando os moradores vão fazer compras fora da ilha) são os períodos mais críticos.

Em sua visita à ilha, o prefeito Eduardo Paes prometeu dar maior atenção à localidade. “Essa cidade é enorme e eu reconheço que Paquetá acaba saindo prejudicada, é uma ilha, o deslocamento não é täo fácil, e a gente acaba ouvindo mais o grito de outras áreas do Rio. Vou criar uma frequência de visitas e pelo menos a cada seis meses vir aqui”, afirmou a sua assessoria.

De acordo com Sylvio de Oliveira, a prefeitura tem sido receptiva quanto às demandas da associação. No entanto, projetos como a presença de guardas municipais e a regularização da velocidade das bicicletas elétricas enfrentam a lentidão e a burocracia características do poder público brasileiro.

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