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“Quero que isso acabe”, diz mulher estuprada na Rocinha

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Tamiris Barcellos (13)

A vítima ainda tem medo de sair de casa (Fotos: Tamiris Barcellos)

A situação da Política de Segurança Pública do Rio enfrenta uma crise. Com 38 UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) instaladas pela cidade, escândalos envolvendo policiais não são raros de serem noticiados. Na Rocinha, que conta com uma Unidade há quatro anos, o mais emblemático dos casos é o do pedreiro Amarildo de Souza, torturado até a morte e cujo corpo até hoje não foi encontrado.

O último caso envolve policiais do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) na última semana de dezembro. Eles estavam na comunidade após uma confusão envolvendo policiais militares e moradores na manhã do dia 25 de dezembro. Eles estão sendo acusados de estuprar uma mulher após o conflito.  “Não acredito em justiça”, diz a vítima de 30 anos, ainda amedrontada com o que aconteceu. A violência foi tão grande que mesmo duas semanas após o ocorrido, as marcas ainda estão lá: escoriações nos braços e pernas, que continuam roxos. Ela não pode se identificar pois teme retaliações. “Quase não saio de casa, minha vida virou um caos”, lamenta.

Ela conta que estava vindo de uma festa natalina quando foi abordada pelos policiais. Um tiroteio tinha acontecido há pouco, então ela imaginou que eles apenas fossem instruí-la sobre qual caminho seguir. “Tinha um corpo no chão, do dono de um bar. Eles me chamaram e eu imaginei que eles iam me informar outro caminho para seguir, mas aí eles me arrastaram para o beco e aconteceu o que aconteceu”, diz ela ainda muito abalada.

Tamiris Barcellos (12)

Mesmo duas semanas após o episódio, ela ainda tem marcas pelo corpo

A vida dela transcorria normalmente até o dia do episódio: uma rotina de trabalho e estudos e, como qualquer jovem, também gostava de se divertir frequentando festas na Rocinha. Ela garante nunca ter tido problemas com a polícia antes, mas diz que se soubesse que o caso tomaria esta proporção não teria denunciado. “Eu não poderia deixar de denunciar, eu estava toda machucada. Precisava fazer isso, mas não esperava essa repercussão”, explica.

O vídeo que circula pela internet, feito pelos policiais, mostra ela desnorteada, ameaçando os agentes. Foi o suficiente para que a credibilidade da denúncia fosse questionada. Ela afirma que o vídeo foi feito depois do estupro, não pelos policiais que cometeram o crime, mas pelos outros que estavam fora do beco protegendo o corpo baleado. “Depois que acontece uma coisa dessas, você queria que eu ficasse como? Eu estava descontrolada, desesperada. Eu não sou daquele jeito, eu estava daquele jeito. Eles usaram essas imagens contra mim”, conta.

Dois episódios na mesma noite

Na mesma noite, no Morro da Coroa, quatro jovens foram torturados e obrigados a fazer sexo oral uns nos outros. Eles também acusam a polícia de ter praticado o crime. A Comissão de Direitos Humanos da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro) está acompanhando os dois casos e já colocou advogados à disposição.

Os policiais que cometeram o crime no Morro da Coroa estão presos, mas os que estupraram a mulher continuam nas ruas. Segundo a assessoria da Polícia Militar “a Corregedoria Interna da Polícia Militar instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) e a 1º Delegacia de Polícia Judiciária Militar (1º DPJM) está apurando com rigor o caso. Em depoimento preliminar, os policiais militares negaram o fato”, diz o comunicado.

“Quero poder viver minha vida de volta”

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O laudo emitido após exame no IML mostra que há sinais de violência

Desde a instalação da UPP, em 2011, segundo dados do ISP (Instituto de Segurança Pública), 173 crimes de estupro foram denunciados na 23º AISP (Área de Incidência de Segurança Pública), que cobrem os bairros da Rocinha, Ipanema, Leblon, Gávea, Jardim Botânico, Lagoa, São Conrado e Vidigal e as 11º, 14º e 15º DP Legal.

De acordo com moradores, episódios envolvendo agentes da lei não são tão incomuns, mas é difícil criar uma estatística porque pouca gente denuncia. “Na mesma noite que aconteceu comigo, outra menina também apanhou dos mesmos policiais, mas a família não prestou queixa”. A vítima, que agora está recebendo orientação psicológica e jurídica, não vê a hora da poeira baixar. “Eu só quero que isso acabe logo, que eu possa viver minha vida de volta”, espera.

Sequelas permanentes

Um estudo do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) divulgado em 2014, diz que aproximadamente 527 mil pessoas são estupradas por ano no Brasil, mas que apenas 10% dos casos chegam à polícia. O documento também mostra as principais consequências deste crime para mulheres “o estupro pode redundar em diversos transtornos, incluindo ‘depressão, fobias, ansiedade, uso de drogas ilícitas, tentativas de suicídio e síndrome de estresse póstraumático’. A conjunção das consequências físicas e psicológicas leva ainda à perda de produtividade para a vítima, mas também impõe uma externalidade negativa para a sociedade em geral”.

A vítima do caso da Rocinha não pretende ter sua história como bandeira, mas quer ajudar outras vítimas que tenham passado por situações semelhantes. “Eu quero me recuperar, me sentir eu mesma de novo, conseguir me olhar no espelho. Ninguém merece passar por isso, tenho muita fé que isso vai passar e quero poder ajudar outras mulheres que tenham passado por este trauma”, conclui.

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