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Lideranças questionam legado das UPPs

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Em dezembro de 2008, a primeira UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) foi instaurada na Favela Santa Marta, em Botafogo, com a promessa de que o Estado finalmente entraria nas favelas cariocas levando um projeto que, além da segurança, privilegiaria também o viés social dentro das favelas. Em 2015, 38 comunidades já contam com UPPs, mas líderes comunitários e moradores questionam o tão falado legado social prometido pelo projeto.

Mesmo com o projeto sendo expandido ano a ano, muitos moradores das favelas cariocas ainda não têm acesso a direitos básicos, como educação, saúde e cultura. Em 2011, o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, afirmou em uma entrevista que pela primeira vez sentia um temor em relação ao cenário pós-UPP. “Nada sobrevive só com segurança. Não será um policial com fuzil na entrada de uma favela que vai segurar se lá dentro das comunidades as coisas não funcionarem. É hora de investimentos sociais”, ponderou. Mesmo profetizando este cenário, pouca coisa aconteceu.

O presidente da Associação de Moradores do Morro da Caçapava, no Complexo do Andaraí, André Santana, conhecido como André Caçapava, diz que os projetos sociais que chegaram à comunidade após a chegada UPP vieram através do SESI, como a Indústria do Conhecimento e cursos profissionalizantes. Estas iniciativas, segundo ele, são insuficientes: “Não chegaram obras de infraestrutura, nem investimento na área de cultura ou esportes por parte da prefeitura ou do governo. Algumas medidas que ajudariam seria investir no comércio das favelas; aplicar mais verbas na saúde pública da comunidade; levar cursos de pré-vestibular e alfabetização; ofertar empregos para os jovens; melhorar a limpeza urbana com o tratamento de esgoto; aumentar a informação para prevenir a gravidez indesejada; e tratar dos usuários de drogas, ele enumera. Caçapava também defende o investimento no turismo no Andaraí e acredita que isso ajudaria a dar visibilidade ao que há de bom na comunidade e poderia contribuir para quebrar a barreira do preconceito e da discriminação.

Iniciativas são desenvolvidas pela própria PM

A UPP calcula que existem 160 projetos distribuídos pelas 38 unidades de Polícia Pacificadora, que atendem cerca de nove mil pessoas. Os projetos, desenvolvidos por policiais militares, incluem assistência jurídica e odontológica, aulas de dança, artes marciais e línguas, escolinhas de futebol e cursos profissionalizantes. As ações, segundo divulgado pela assessoria de imprensa, são desenvolvidas em parceria com as lideranças comunitárias.

Eles também garantem que a partir deste ano novos programas sociais estão sendo implementados. O foco será na escola e os policiais militares desenvolverão, em parceria com os professores, aulas de reforço escolar, atividades sociais e culturais em colégios das localidades atendidas pelas UPPs.

As associações de moradores questionam

Foto: Rodrigues MouraNa favela da Grota, no Complexo do Alemão, o presidente da Associação de Moradores, Marquinhos Balão, questiona este tipo de abordagem. “A polícia não foi feita para cuidar de projeto social, mas sim da segurança”. Ele classifica este tipo como uma ação de retrocesso: “Os projetos sociais não chegaram à comunidade. Os governantes fizeram muitas promessas, mas nada se concretizou. O Estado só se faz presente através da polícia militar e das cobranças abusivas de contas na favela. O serviço de distribuição de água também é deficiente, assim como o saneamento básico. Ainda pisamos em esgoto”, critica.

Balão também conta que uma novidade  após a  vinda da UPP foi a chegada do teleférico que, segundo ele, não ajuda no dia a dia dos moradores e beneficia muito mais turistas e pessoas que não vivem na comunidade. Ele acredita que o foco dos investimentos sociais deveria ser o jovem, que poderiam ser capacitados com cursos técnicos. “Só a FAETEC (Fundação de Apoio à Escola Técnica), que chegou após a pacificação, é muito pouco. O Complexo do Alemão é muito grande. Temos muitos jovens precisando se capacitar e muitas crianças sem creche e escola”. Ainda segundo ele, os contrastes presentes na favela continuam a ser gritantes. “Tem pessoas aqui dentro cozinhando com fogão a lenha e muitas passando fome, inclusive. Todo recurso e ajuda é conseguida pela luta das associações de moradores, sem qualquer apoio de governo,” reclama.

Foto: Amaury Alves

Já o presidente da Associação dos Moradores da comunidade Santa Marta, José Mário Hilário, avalia o impacto social em sua comunidade pós UPP como positivo. Ele garante que projetos e equipamentos começaram a surgir lá após a chegada da UPP. E cita como exemplos a Clínica da Família; o Centro de Educação Tecnológica e Profissionalizante (CETEP); a Firjan, além de outros projetos culturais e de educação. Ele destaca as reformas em quadras e campos de futebol e um curso de capacitação para formação de guias turísticos locais, encabeçados pela Secretaria de Esporte e Lazer e Secretaria de Turismo, respectivamente, como as ações mais significativas.

José Mário conta que as melhorias chegaram, mesmo havendo atritos e ajustes iniciais. Alguns projetos, principalmente esportivos, eram ministrados por policiais. Junto com a comunidade, ele lutou para que, ao invés disso, fossem fortalecidos os projetos locais já existentes no Santa Marta. José Mário acha que em muitas situações faltaram o diálogo entre a polícia, os moradores e as lideranças comunitárias. Atualmente, segundo ele, os principais problemas na comunidade são o bondinho sucateado; o lixo nas ruas; e as altíssimas contas de luz cobradas pela Light depois da instalação de um novo chip de cobrança.

O Rio + Social, realizado pela prefeitura do Rio e coordenado pelo Instituto Pereira Passos, que antes era chamado de UPP Social, foi idealizado para ser o braço da prefeitura por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social dentro das favelas pacificadas. Ao longo dos anos, o escopo foi mudando e hoje os integrantes do setor atuam mais como articuladores do que como agentes de melhorias dentro destes territórios. Procurados para discutir sua atuação, eles não responderam até o fechamento desta edição.

Foto: Tamiris Barcellos

Segundo o presidente da FAFERJ (Federação das Favelas do Estado do Rio de Janeiro), Rossino Diniz, os serviços prometidos pela UPP Social não existiram, abrindo espaço apenas para a militarização “A UPP chegou tratando todos os moradores de favela como suspeitos e bandidos”, ressalta Rossino.

Ele acredita que falta educação, cultura, oportunidade de emprego e melhores condições de moradia nas favelas cariocas. “As UPP’s chegaram ouvindo e trocando pouco com as associações, com projetos já prontos, implementados de fora pra dentro. A maior luta da FAFERJ hoje é levar o social para dentro da comunidade. Mas o Estado, órgão que deveria nos apoiar, é pouco aberto ao diálogo, corrupto e o primeiro a praticar a violência,” finaliza o presidente.

Em nota, a Assessoria de Imprensa da UPP afirma, baseada em levantamento do Instituto de Segurança Pública, que a atual política de segurança resultou na redução de 65,5% de homicídios dolosos e de 90% das mortes em decorrência de ações policiais em áreas pacificadas, em comparação feita entre os índices do primeiro semestre de 2014 em relação aos do primeiro semestre de 2008, ano de implantação da primeira UPP:  “Este legado para a população do Rio de Janeiro devolveu ao poder público áreas dominadas pelo narcotráfico por décadas.”

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