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O programa desacelerado do Alemão

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No Parque Everest, barracos e prédios do PAC. (Foto: Rodrigues Moura)

No Parque Everest, barracos e prédios do PAC. (Foto: Rodrigues Moura)

O Programa de Aceleração do Crescimento desembarcou em 2008 carregado de promessas no Complexo do Alemão, Zona Norte do Rio. Projetos para novas unidades de moradia, linhas de teleférico, rede de esgoto sanitário e iluminação encheram os olhos e renovaram as esperanças dos moradores. Cinco anos depois dessa miragem, moradores e organizações locais tentam descobrir o que mantém as obras paradas e cobram a conclusão prometida pelos governos federal e estadual.

Em recente novela no horário nobre da TV, o Alemão foi retratado bem longe da realidade.  O conjunto de favelas vai muito além das estações de teleférico e Unidade de Polícia Pacificadora. As obras paralisadas do PAC refletem um Alemão real, que só é visto pelos locais e está a léguas da ideia segundo a qual o “mundo moderno” chegou à comunidade. De acordo com o relatório do Plano de Desenvolvimento Sustentável, os governos federal e estadual investiram R$ 764 milhões em obras que iriam atingir área de 1.813.300 m² e beneficiando – de forma direta e indireta – 22 mil domicílios.

Alan Brum, o diretor do Instituto Raízes em Movimento, organização local que busca promover o desenvolvimento humano, social e cultural na comunidade, diz que, na prática, isso não aconteceu e que muitas dessas obras estão inacabadas, como o alargamento da avenida Central (Morro do Alemão) e da rua Nova (Morro da Alvorada). David Amen, responsável pela área de comunicação social do Raízes, acrescenta que a construção de um Parque Ecológico – previsto no projeto oficial do PAC Alemão – sequer foi iniciado e nada foi feito em relação às melhorias habitacionais.

Ficou faltando

PAC não chegou a todas as comunidades do Alemão. (Foto: Rodrigues Moura)

PAC não chegou a todas as comunidades do Alemão. (Foto: Rodrigues Moura)

Segundo a Secretaria de Estado de Obras, foi melhorada a infraestrutura em oito das 14 favelas do Alemão: Entorno 1, Entorno 2, Joaquim Queiroz, Novo Alemão, Palmeiras, Mineiros-Matinhas, Alvorada Cruzeiro, Praça Vila Paloma e Serra da Misericórdia). Brum, no entanto, diz que algumas obras não chegaram a ser feitas. “A comunidade do Mineiros-Matinha é uma das que foram esquecidas pelo PAC”.

Em áreas mais pobres do complexo, ele diz, ainda existem casas de madeira e pau-a-pique, o que acentua a disparidade em relação às áreas onde houve ação efetiva do poder público. Dados do Censo Domiciliar e Empresarial de 2008 – ano em que Alemão recebeu o PAC – mostram que os piores indicadores de renda per capita mensal estão nas comunidades de Palmeiras (R$ 192), Fazendinha (R$ 241), Mineiros-Matinha (R$ 222) e Itararé (R$ 234). Em 2013, essas favelas ainda mostram sinais de miséria e um cenário de obras abandonadas.

O Parque Everest é outro exemplo. Às margens do Rio Faria Timbó – assoreado pela poluição -, a região sofre com as fortes chuvas de verão. O nível do rio sobe e, não raro, entra nas casas.

Manoel Rodrigues Moura, 58 anos, mais conhecido como Seu Rodrigues, diz que a situação do Parque Everest não é de hoje. Ele é fotógrafo e, há 32 anos no Alemão, registra o cenário que há mais de dez se agrava na comunidade. Diz que os apelos dos moradores por melhorias são frequentes. “Quando a gente fotografa a comunidade, os moradores reclamam, choram e contam suas histórias”. A demora por ações que melhorem a região fere a esperança de quem mora no Parque Everest. “O povo é refém dos políticos. Ele espera uma solução que não vem”, diz o fotógrafo.

Lixo e erosão são comuns nas áreas mais pobres. (Foto: Rodrigues Moura)

Lixo e erosão são comuns nas áreas mais pobres. (Foto: Rodrigues Moura)

Além de paralisadas as obras, os locais onde elas foram iniciadas sofreram o inevitável efeito colateral do abandono, com acúmulo de lixo e dejetos. Hoje formam uma sucessão de lixões que pontilham o Complexo do Alemão. Desse abandono são visíveis também o esgoto a céu aberto e o seu resultado inevitável na multiplicação de doenças e na proliferação de vetores, como mosquitos e ratos.

Alan Brum acrescenta que as decisões em relação ao PAC não levaram em conta a participação comunitária. “O governo acabou agindo a partir do seu ponto de vista e não do ponto de vista da comunidade”, diz Alan. Os planos elaborados, em sua maioria, não refletem as necessidades dos moradores, como o saneamento básico. O PAC contemplava obras neste sentindo, mas, segundo Alan, nem 1/3 foi feito. Para os moradores, o teleférico, considerado “símbolo social” do PAC no Alemão, não é uma necessidade da comunidade. David Amen concorda: “a gente aqui no Alemão não queria teleférico, mas saneamento básico e um sistema de saúde que funcionasse”.

Vista grossa

O Programa de Aceleração do Crescimento instalou equipamentos públicos – como colégio, creche, Clínica da Família e estação de teleférico – e houve avanços na urbanização, mas essa revolução só alcançou a parte visível da comunidade. A maioria das obras está na Estrada Itararé, via principal do Complexo do Alemão. Porém, em ruas internas e becos das favelas, a realidade é muito diferente. “Uma pessoa que não mora no Alemão e passa na Itararé pensa ‘aqui mudou’, mas quando vai para dentro, vê que não é isso tudo”, diz David.

A passagem em algumas localidades só é possível com pontes improvisadas com tábuas de madeira. (Foto: Rodrigues Moura)

A passagem em algumas localidades só é possível com pontes improvisadas com tábuas de madeira. (Foto: Rodrigues Moura)

Para Brum, o Alemão vive um paradoxo, em que muitos recursos estão chegando na comunidade, mas sem planejamento. “Política pública é pensar, de uma forma sistemática, o desenvolvimento do território. Discutir educação não é construir prédios e escolas. Discutir saúde não é construir uma Clínica de Família, mas analisar todas as etapas de atendimento do sistema de saúde integrado”, diz.

Nos últimos anos, o Instituto Raízes em Movimento participou de duas audiências públicas sobre as obras do Programa de Aceleração do Crescimento. A primeira aconteceu em março de 2012 no Colégio Estadual Jornalista Tim Lopes, com representantes do poder público. A segunda audiência foi um mês depois, na Alerj, e teve representantes da Empresa de Obras Públicas do Estado (Emop), da Casa Civil do governo do estado, do consórcio Rio Melhor, que toca as obras, e líderes comunitários do Alemão.

Ícaro Moreno, presidente da Emop, e Ruth Jurberg, coordenadora do Projeto Social do PAC, bateram o martelo sobre a retomada das obras e o atendimento das demandas da comunidade. Isso aconteceu há um ano e, até agora, ninguém voltou a mover um único tijolo nas obras, nem deu qualquer explicação. “Pior que o abandono das obras é a falta de comunicação”, desabafa Alan. De acordo com a secretaria, porém, até o fim do ano serão investidos no Alemão R$ 45 milhões em infraestrutura, recuperação de becos, escadarias, ruas e vielas, entre outras intervenções. A Emop aguarda a conclusão dos trâmites legais para licitar as obras.

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