Regularização fundiária confunde moradores
O barista Valmar de Oliveira, 48 anos, é nascido e criado no Morro do Vidigal. Já a dona de casa Anita Pereira, 60 anos, mudou-se para a comunidade da Zona Sul do Rio em 1976, logo após se casar. Suas trajetórias não poderiam ser mais distintas, entretanto interceptam-se em um ponto crucial: para o poder público, os dois não são donos das casas nas quais constituíram suas vidas.
Compreender o processo de regulação fundiária do Vidigal requer certa paciência. Cerca de 47% das terras onde a favela foi construída são públicas e encontram-se em disputa judicial desde a década de 1970. Embora a desapropriação tenha sido feita nos anos subsequentes, os antigos proprietários não receberam suas indenizações, que ultrapassam R$ 140 milhões e estão sendo pagas mediante precatórios, que são formalizações de requisições de pagamento de determinada quantia, superior a 60 salários mínimos por beneficiário, autorizadas por uma condenação judicial. Enquanto a dívida não for quitada, o máximo que os moradores poderão adquirir serão “promessas de concessão de uso”.
“A grande dificuldade, para mim, é saber a quem recorrer para saber o andamento das coisas. Falta informação e parece que prefeitura e estado não se entendem”, relata Valmar.
Após longo período de interrupção, um acordo firmado em 2003 entre o Ministério das Cidades e a Defensoria Pública marcou a retomada do trabalho de regulação fundiária no Vidigal. Os governos municipal e estadual, juntos, cuidariam do cadastro socioeconômico dos moradores e dos estudos topográficos da área. Mas não foi o que ocorreu. “O município acabou não concluindo o levantamento e nós assumimos toda a demanda”, explica o diretor de regulação fundiária do Instituto de Terras e Cartografia do Estado do Rio de Janeiro (Iterj), Luiz Cláudio Vieira.
Mais de 750 casas foram cadastradas pelo Iterj em 2014. Desse total, 380 donos mostraram-se aptos a receber a promessa de concessão de uso. Foram despachados 203 exemplares do documento. “É bom lembrar que existem regras para a entrega do título. A pessoa deve estar habitando a residência e o espaço não pode ser usado apenas para fins comerciais, por exemplo”, detalha.
Considerando os números gerais, que englobam todas as fases de regulação fundiária das terras públicas do Morro do Vidigal, já são mais de 2100 casas cadastradas e 890 promessas de concessão de uso disponibilizadas. Certificados de posse, porém, não têm previsão de serem expedidos. Dona Anita chega a brincar com o fato, dizendo que “deixa a burocracia nas mãos do marido e ‘toca’ a vida”. “Tudo está no nome dele. Recebemos a promessa em 2012, mas nem sei se vou chegar a ver os papeis definitivos”, conta.
“Minha Casa, Minha Vida” é alternativa a usucapião
O alto do Morro concentra boa parte dos 53% de terras privadas. A regularização da área vinha sendo feita por meio do longo procedimento de usucapião – direito de domínio que um indivíduo adquire sobre um bem após utilizá-lo por um determinado período de tempo.
O programa “Minha Casa, Minha Casa”, no entanto, tem encurtado os trâmites de registro de posse. “É um usucapião extraoficial, que desafoga o Judiciário na medida em que transfere a burocracia para os cartórios locais. A ideia é que, nos próximos anos, sejam instalados “cartórios sociais” para agilizar ainda mais o processo”, esclareceu Luiz Claudio.