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A favela põe a mão na massa e na tinta

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Fotos: Divulgação

Desde que o Rio de Janeiro foi anunciado como a cidade que irá sediar os Jogos Olímpicos em 2016, a preocupação em “arrumar a casa” para receber atletas, jornalistas e turistas se instalou.  As favelas, como parte integrante de uma cidade que precisava ficar bonita, segura e organizada mereceu o olhar especial do poder público e da iniciativa privada nacional e até de investidores internacionais. Mas para especialistas, é preciso estar atento para que o legado olímpico seja real e efetivo como todos os cariocas merecem.

O direito à moradia é tão fundamental quanto a saúde, o trabalho e a alimentação. Garantido pela Constituição Federal e em uma dezena de leis internacionais, ele é também reconhecido na Declaração Universal dos Direitos Humanos, elaborada pela ONU em 1948.  Mas um projeto de habitação para um local, seja na favela ou fora dela, prevê a instalação de equipamentos de saúde, educação, lazer e rede de esgoto. E necessita principalmente ter a simpatia e adesão dos habitantes.

A implementação do projeto de pacificação faz parte da preparação da cidade que vai receber grandes eventos.  Assim como o “muro da discórdia”, instalado em 2010 ao longo de sete quilômetros das linhas Vermelha e Amarela, e que é oficialmente chamado de Painéis de Animação Cultural e Proteção. Os teleféricos do Alemão e da Providência idem. Estes, instalados contra a vontade dos moradores:

“Foram derrubadas mais de 30 casas para a instalação do teleférico aqui”, conta um morador da Providência, apontando para a estação, que ainda está operando em testes. As remoções já são um capítulo dramático no livro de recordações dos Jogos Rio 2016. O documentário independente “Se essa Vila fosse minha”, do jornalista Felipe Pena, lançado no começo deste ano, mostra a história da comunidade cujas famílias tiveram que deixar suas casas para a construção do Parque Olímpico.

“A segregação na cidade é feita de uma forma mais subliminar, a discriminação é econômica e social, não necessariamente espacial”, alerta a professora de Direito Fundiário na UFRRJ e pesquisadora do Laboratório de Direito e Urbanismo da UFRJ, Tatiana Cotta.

Para a arquiteta Solange Araújo de Carvalho, especializada em gerenciamento de programas em favelas, é preciso rever o olhar e direcioná-lo ao morador da favela. “Estamos falando de pessoas, de desejos. Além disso, o poder público precisa enfrentar esta questão da moradia de forma conjunta, mais ampla, considerando critérios de saúde, por exemplo. É preciso que haja interesse do poder público em colocar na pauta do dia esta questão”, afirma ela.

O direito ao belo

Foto: DivulgaçãoO olhar e o comprometimento com o morador são enfatizados em projetos que estão dando certo, como o Tudo de Cor, da Coral, que coloriu a comunidade Santa Marta, em Botafogo, na Zona Sul do Rio. Diferentemente de outros estados, que receberam uma mãozinha (de tinta) em espaços com uma maior relevância histórica, cultural e arquitetônica.

“No Rio, decidimos aproveitar o bom momento da cidade, com a retomada dos territórios. O Santa Marta já tinha recebido o projeto da UPP e, por isso, escolhemos fazer ali o piloto”, explica a coordenadora do projeto Tudo de Cor para o Santa Marta, Maria Eduarda Mattar. O piloto foi feito na Praça do Cantão, em 2010 e, dois anos depois, a empresa decidiu dar continuidade. Hoje, segundo a Coral, mais de 300 casas já receberam pintura.

Foto: Divulgação

A Coral montou um escritório dentro da favela, se aproximou e engajou centenas de moradores. Junto com a empresa, eles literalmente colocam as mãos na tinta, que é cedida pela Coral.  “Quando o morador se torna agente, quando ele faz, ele conserva mais”, conta Maria Eduarda. “Ele também cobra mais, nós dialogamos e ouvimos. Todos saem ganhando”. Maria Eduarda conta que não foi da noite para o dia que o projeto foi implantado. “Fizemos um levantamento longuíssimo, urbanístico e arquitetônico da comunidade”, explica. Ainda não há previsão de outras comunidades receberem o projeto: “Queremos terminar primeiro todo o Santa Marta”, diz ela.

O objetivo não é multiplicar a proposta em outras favelas da Zona Sul ou em outras regiões do Rio. Apesar das críticas de que as favelas precisam de educação, saúde e outras demandas, Maria Eduarda é enfática em perguntar: “Além de saúde, educação e saneamento básico, o ser humano tem emoções e sensibilidade. Querer reduzi-lo às questões básicas é pouco. Por que moradores de favela não têm direito ao belo?”

Saúde integral

Embora o projeto Arquiteto de Família tenha sido pensado para realizar as melhorias em residências com foco na prevenção ou eliminação de problemas de saúde, a arquiteta Mariana Estevão também não gosta de reducionismos.

“Não desconsiderando a questão estética, priorizamos projetos que promovam saúde ou reduzem danos, físicos, mentais e emocionais. Ela explica: “O calor intenso, por exemplo, gera irritabilidade e impede a pessoa de dormir. O que a longo prazo, isso pode afetar de outras formas. A falta de privacidade não é exatamente um problema de saúde, mas muitos lares são desfeitos por conta da falta de privacidade que o casal tem por ter que dividir o cômodo com crianças e até com outros parentes”, enumera.

Após cinco anos realizando projetos no Morro Vital Brasil, em Niterói, Maria conta que hoje o projeto funciona em função da necessidade e demanda de cada morador e as intervenções feitas são pequenas, uma de cada vez: “Se a gente faz a reforma de uma vez, o custo fica alto. Com isso, você não tem como garantir a sustentabilidade do projeto. Fazendo a obra aos pouquinhos, com rodízio entre as casas, todos ganham”.

Fotos: Divulgação

Nesta comunidade onde vivem cerca de 460 famílias, com média de quatro pessoas por casa, todos se ajudam. As obras têm sempre o objetivo de requalificar as moradias, através das tecnologias sociais, unindo os conhecimentos empíricos aos científicos, com materiais de baixo custo e fácil aplicação.

O programa também estabelece parcerias com outras empresas que doam materiais de construção civil quase novos ou que estão fora de linha. “Para distribuir esse material, criamos o Trocado Social, uma “moeda” para que os moradores possam adquirir cimento, louças, entre outros produtos. Através de uma parceria com a Tetra Pak, as trocas são feitas por caixas vazias de leite ou suco”, conta Mariana. A casa de Lúcia Barreto tinha problemas de infiltrações e falta de ventilação. Sua filha tinha rinite e bronquite. Segundo ela, as reformas tornaram a casa mais ventilada e sem mofo. O novo telhado de sua casa foi confeccionado com caixas de Tetra Pak recicladas, uma tecnologia que diminui o calor e a umidade dos ambientes.

Na casa de Geraldo dos Santos foi aplicada uma solução para conter a água das encostas que contribuíam para a umidade e o calor em sua casa. Ele, os arquitetos do projeto e alguns amigos fizeram um mutirão e construíram uma caneleta para desviar a água da chuva e reforçar as encostas. “Além de promover o nosso bem estar, o projeto ainda estimula a solidariedade e a democracia entre as famílias. A troca é muito interessante e as soluções são decididas em conjunto com os engenheiros e arquitetos”, relata ele.

Mariana diz que se sente satisfeita ao perceber que a identidade do projeto já está incorporada à cultura da favela. Em 2103, a iniciativa foi premiada pela FINEP, como a melhor tecnologia social da região sudeste.

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