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Operação Verão põe em debate o direito à cidade

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Foto: Divulgação/Agência Brasil

O verão acabou há duas semanas, mas além das mais altas temperaturas dos últimos dez anos que ele trouxe, outro aspecto também ficou marcado: a atuação dos policiais da Operação Verão, que começou em setembro do ano passado, três meses antes da estação.

Com 650 homens dos batalhões de Botafogo, Flamengo, Copacabana, Leblon, Ipanema, além do Batalhão de Choque, Guarda Municipal e Polícia Civil, a Operação prometia levar mais segurança aos frequentadores de toda a faixa das praias do Flamengo até a Barra, prevenindo assaltos e arrastões.

Uma das medidas adotadas foi montar blitzes para revistar passageiros de ônibus que começassem seus itinerários por favelas da Zona Norte, especialmente da área do Jacarezinho. Além disso, os policiais também permaneceriam, durante o final de semana, o dia inteiro nos pontos de ônibus, areia e imediações da orla. Mas desde 2012, quando foi implementada, a medida vem dividindo opiniões.

Um morador de Ipanema, que não quis se identificar, garantiu que neste verão houve um movimento espontâneo dos frequentadores da praia para impedir a chegada de pessoas que não eram “da área”. “Conheço gente da Zona Sul que vem para a praia todo dia e não quer ser perturbada. Por isso eles tem trazido cabo de vassoura para bater nos moleques que vêm fazer arrastão”, contou.

Durante a reunião de anúncio da Operação Verão, ocorrida em setembro do ano passado, PM, Conselheiros Tutelares e representantes do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente (CEDCA) discutiram a questão, mas não chegaram a um acordo. Um conselheiro tutelar falou sobre a atuação despreparada da PM e problematizou a falta de contigente de conselheiros para atuarem em conjunto na Operação. Ele ressaltou ainda a natureza “alegre e bagunceira” de qualquer jovem, que se comporta desta maneira sempre que está em grupo, independentemente da classe social. A afirmação foi endossada pelo vereador Reimont Santa Bárbara (PT) e foi imediatamente contestada pelo representante da polícia, que disse que as falas não passavam de ato político.

Jogando mais luz à esta questão, o artigo escrito pela jornalista e socialite Hildegard Angel em janeiro, questionava a presença de “jovens assaltantes e arruaceiros” nas praias e ainda sugeria como medida preventiva a privatização destes espaços. O texto gerou uma enorme polêmica e serviu para jogar luz sobre a questão do direito à cidade.

A juventude negra questiona

O Fórum de Juventudes do Rio, cuja função é promover debates e batalhar pela garantia de direitos da juventude, ajudou a promover uma ação de repúdio à operação. O evento chamado “Nós Vamos Invadir Sua Praia”, estava marcado para acontecer no Leme e convocava toda a juventude de favelas para fazer uma farofada na praia, com direito à roda de hip hop e funk. A ação teve que ser cancelada por causa do mau tempo, mas a mobilização continua até hoje.

Crédito: Divulgação/Fórum de Juventudes

Moradora de Campo Grande, na Zona Oeste, e integrante do Fórum, Hellen D’Araújo diz que a Operação Verão é racista e só contribui para a criminalização da pobreza.  “Acho que o que devemos nos perguntar é: quais ônibus são revistados,  qual tipo de grupo é abordado e quais são as praias que receberam policiamento? Um olhar mais crítico e atento, percebe facilmente a tentativa de criminalizar a pobreza e a tentativa de afastar cada vez mais os pobres de determinadas áreas da cidade”, problematiza.

Um jovem morador do Jacarezinho, que prefere manter sua identidade anônima, relata que chegou a desistir de ir à praia depois de sofrer uma abordagem. “Estava indo pra praia com uns 20 amigos e fomos esculachados na descida do Viaduto de Benfica por policiais que estavam parando os ônibus que iam em direção ao Centro. Ao descer nos obrigaram a arriar as calças para ver se estávamos com drogas, um esculacho só. Eles falavam que nós íamos assaltar na praia. Acabamos desistindo de ir”, revolta-se.

Dois pesos, duas medidas

Foto: Jordan HawkesUma posição colocada por Hellen é a de que quando o assunto é abastecer com mão de obra as áreas mais nobres da cidade, ninguém se incomoda ou protesta com a presença de pobres e favelados pelas ruas da Zona Sul.

“Pobre não tem direito ao lazer na Zona Sul. Uma diminuição da frota do ônibus no final de semana aqui, uma operação verão ali… E assim, nós vamos tendo nosso direito de acesso à cidade negado. Não podemos aceitar isso. Por isso, é necessário que cada vez mais ocupemos estes espaços e debatermos este assunto para que as pessoas da periferia, da Baixada e de qualquer outro lugar não ratifiquem, essa ideia de que determinadas áreas da cidade são exclusivas e o povão não tem direito de estar ali. A cidade é de todo mundo que habita nela”, protesta.

A antropóloga Patrícia Lannes fala que ações deste tipo acontecem desde os anos 90, quando os primeiros arrastões começaram a ganhar destaque na mídia. Ela mostra que a sociedade tende a apoiar a medidas coercivas quando a sensação de insegurança aumenta.

“Estamos em um momento em que setores conservadores estão se sentindo à vontade para dizer o que querem publicamente e eles têm apoio de grande parte da sociedade. Eles veem nestas operações uma solução para a violência, quando a realidade é justamente o contrário. Cada vez mais jovens são mortos sem gerar nenhum tipo de comoção porque são percebidos como ‘bandidos’. Neste cenário, discussões como o direito à cidade e o investimento em políticas públicas nunca entram na pauta”, teoriza.

A Polícia Militar ainda não divulgou o balanço da Operação Verão, por isso afirmou, através de sua assessoria, não poder dizer ainda quais foram os resultados efetivos da ação deste ano.

Em abril, o evento “Nós Vamos Invadir sua Praia” volta a acontecer, mas desta vez pretende, além de ocupar a praia, também estabelecer um diálogo com representantes do poder público sobre o racismo e o direito à cidade.

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