MAC: um museu revolucionário em Niterói
Por Beatriz Cruz
Numa segunda-feira, dia 2 de setembro, nascia um novo símbolo para a cidade: o Museu de Arte Contemporânea (MAC), inaugurado no Mirante da Boa Viagem. Hoje, 18 anos após sua chegada, os niteroienses têm novamente mais um grande motivo para comemorar: o MAC, obra do renomado arquiteto Oscar Niemeyer, será tombado como patrimônio histórico e artístico pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). A notícia é uma conquista histórica para Niterói, que já ostentava o orgulho de abrigar uma das sete maravilhas arquitetônicas do mundo contemporâneo. Ano que vem, o museu comemora 20 anos. E para festejar em grande estilo, o presente foi antecipado: uma super reforma, que vai deixá-lo ainda mais bonito e acolhedor.
“O MAC colocou Niterói em outro patamar. Isso é indescutível. Antes era apenas conhecida como cidade-sorriso. Com a construção do MAC, Niterói passa a ter um símbolo, que transcende a cidade e o país. A sua chegada elevou a autoestima do niteroiense e nos deu uma grande responsabilidade, de apropriá-lo segundo as demandas da atualidade. Antigamente não havia preocupação com acessibilidade, com o nível de qualidade de uma reserva técnica, com a sustentabilidade. Então, esta reforma é uma conquista, um momento único para a cidade. E a proximidade do aniversário de 20 anos do museu está sendo considerado pelo Iphan. A ideia é que até lá a gente já tenha o tombamento permanente. Mas o tombamento provisório já é um passo a para conseguir maiores investimentos. Fica mais fácil, por exemplo, angariar recursos do Fundo Nacional de Cultura”, explica o presidente da Fundação de Arte de Niterói, André Diniz.
Segundo o presidente da FAN, a primeira grande reforma da história do MAC trará uma série de mudanças que fará com que o local esteja em consonância com os padrões internacionais dos espaços dedicados à arte.
“As intervenções serão feitas para que o MAC venha receber o turista e o amante de artes plásticas da melhor maneira possível. Vamos melhorar a acessibilidade no subsolo e nos banheiros. Modernizar o sistema de ar-condicionado. Haverá reparos na rampa, pintura das paredes, reforma no teto para economizar água da chuva. Teremos uma nova iluminação de led assinada pelo design Peter Gasper, que vai nos proporcionar uma economia de mais de 60% de energia ao ano. Essa linha sustentável está muito presente neste planejamento e é importamte dizer que estamos contando com o apoio da visão técnica e qualificada do Iphan neste processo. Com os técnicos, estamos estudando também a possibilidade de trocar as grades de ferro por uma fachada de vidro no portão de entrada. E o nosso prazo de entrega é de três meses. Essa é a nossa meta.”
Fechado desde o dia 13 do mês passado para as obras, o MAC passa por uma reestruturação que vai bem mais além de uma repaginada no visual. Segundo o diretor do museu, Luiz Guilherme Vergara, não é só o monumento que está sendo restaurado, mas sua missão e sua função. Para ele, há o desafio de redesenhar as relações de afeto do museu com a cidade, considerando as interações sociais e ambientais ao redor.
“Além das obras do monumento, há um dever de casa que é reconstituir os elos do museu com a cidade, resignificando o espaço de participação da sociedade. Redesenhar o museu é redesenhar as suas relações de afeto com a cidade. E não só com a cidade, mas também com o Brasil e o mundo A reforma do monumento é apenas uma parte do processo. A outra é a resignificação da sua função enquanto museu de arte contemporânea, com os seus nortes de engajamento ambiental, social, com práticas educativas revolucionárias, a construção de uma reserva técnica ativa e acolhimento de novas coleções.”
Enquanto falava com a equipe de reportagem, uma turma de mestrado em Arte, Teoria e Prática do Ensino da Arte da Universidade Estadual de Santa Catarina (UESC) aguardava o retorno do professor Vergara para uma conferência via skype. Ao lembrar que estava sendo aguardado para uma aula à distância, fez uma observação:
“Sempre lembro a todos o enorme potencial deste museu. Recebemos apoio da Alemanha, da Rússia e de diversos outros lugares do mundo. Isso aqui é um verdadeiro laboratório de futuro. O lado de fora inspirou a arquitetura. Quando Oscar Niemeyer projeta um espaço com uma rampa que te obriga a ter uma visão de um ângulo de 360° graus, sabe qual é o significado disso? É que é necessário olhar para fora antes de olhar para dentro. Fora, você percebe as belezas, a linda paisagem, mas também as mazelas: a poluição, as favelas. O “olhar para fora” de um comunista, da geração dos anos 30, é um olhar para a realidade brasileira. Essa essência de futuro é o norte das resignificações das quais eu pontuo. Este é um museu onde o dentro e o fora estão completamente atravessados e contaminados um pelo outro. Sem dúvida, é um museu revolucionário”,
De acordo com Vergara, a paisagem inspirou a forma, a função e a missão do MAC. Ele conta que o Mirante da Boa Viagem, com sua vista panorâmica para a Baía de Guanabara, inspirou Niemeyer, que não teve dúvidas quanto a escolha do espaço. Vendo a paisagem, em 1991, já mentalizou o prédio circular, em formato de cálice. Ao chegar num restaurante, em Charitas, desenhou no guardanapo o primeiro esboço do projeto. Foi assim, decisivo e certeiro, como se o lugar e o monumento já estivessem pré-determinados, que o arquiteto lançou mão de toda a sua liberdade plástica para criá-lo. Quatro anos depois, foi erguido o Museu.
O livro de ouro do Museu, coletou ao longo dessas décadas, milhares de registros, alguns inusitados, de convidados ilustres que expressaram em suas páginas compridas e largas o encantamento pelo lugar. O multinstrumentista brasileiro Hermeto Paschoal desenhou um singelo jogo de partituras, uma composição musical inédita especialmente para o MAC. O escritor português José Saramago, falecido em 2010, destacou em sua mensagem: “poucas vezes tinha visto um edifício respirar”. Elke Maravilha carimbou o livro com um beijo de batom vermelho. David Bowie, Caetano Veloso, Gilberto Gil, embaixadores da Rússia, da China, da França e a filha do guerrilheiro argentino Ernesto Che Guevara, Aleida Guevara, estão entre os nomes de peso que agregam um valor inestimável à obra.
“A inauguração foi um acontecimento para marcar a história da cidade. Na época, atuava como repórter e pude ver de perto o entusiasmo das pessoas com a obra. Lembro de um cônsul da China que ficou fascinado. O Museu de Arte Contemporânea consolidou Niterói como destinoi turístico no Brasil e no mundo. Quando se fala em Rio de Janeiro lá fora, as referências são o Cristo, o Pão-de-Acúcar e o Museu. Numa pesquisa feita recentemente pela Neltur, 93% dos turistas afirmaram que indicariam para familiares e amigos a visita ao MAC”, afirma o presidente da Niterói Empresa de Lazer e Turismo (Neltur), Paulo Freitas.
Antes da chegada do MAC, o comerciante Valdecir Oliveira, de 54 anos, já tirava daquela região, a renda para o sustento da sua família com a venda de água-de-coco. Mas foi depois da inauguração do museu, que ele viu a vida prosperar de verdade. Ao tomar conhecimento sobre a possibilidade de tombamento, a reação foi um sorriso largo no rosto, com uma pausa para uma reflexão:
“Quer dizer que os meus bisnetos e tataranetos vão poder olhar para o museu dessa mesma forma que eu vejo hoje e pensar que o vovô Valdecir garantiu as panelas cheias atendendo milhares de turistas? Que legal! Isso é muito bom! Tenho muito orgulho de ter criado quatro netos e cinco bisnetos com o meu trabalho nesse ponto. Tem gente que fica impressionado pelo fato de o museu estar em cima de um abismo. Vem gente do mundo todo conhecê-lo. Em um final de semana chego a vender 600 cocos. Devo minha sobrevivência a este museu, a este lugar que faz parte da minha história. Aqui ganhei gorjeta até em dólar e euro. E o que é mais importante: fiz muitos amigos”, declarou.
Enquanto Seu Valdecir vendia mais um coco numa segunda-feira de calor no Rio, um casal de turistas argentinos apreciava o monumento, fotografando a paisagem. Em visita pela primeira vez ao Rio de Janeiro, Veronica Sincosky e Eduardo Ruffa incluíram o MAC no roteiro da viagem, mas lamentaram o fato de o mesmo estar fechado.
“Sou arquiteta e fiquei fascinada ao conhecer de perto o Museu. Uma pena estar fechado. Admiro as obras do aqruiteto Oscar Niemeyer, mas só conhecia o MAC através de livros e revistas. A construção realmente é surpreendente”, afirma Veronica.
Apesar de a parte interna do museu permanecer fechado por três meses para a reforma, a parte externa segue aberta, com a realização de atividades culturais no pátio. A loja de suvenires, o BistrôMac e o centro de atendimento ao turista (CAT), no subsolo, também seguem funcionando normalmente.