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Forças Armadas são substituídas por UPP após um ano de ocupação

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A comunidade da Nova Holanda integra o Complexo da Maré. (Fotos: Vitor Madeira)

Depois de mais um ano da chegada das Forças Armadas no Complexo da Maré, o conjunto de favelas recebe hoje a etapa final da chegada da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) no local. Segundo dados do Diário Oficial da União, cada dia de ocupação militar custou R$1,7 milhão, incluindo gastos com os mais de dois mil militares do Exército e Marinha destacados para a operação.

No Complexo da Maré hoje vivem mais pessoas do que em 80% das cidades brasileiras. Segundo o último Censo Demográfico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), divulgado em 2010, são mais de 130 mil habitantes distribuídos em 16 comunidades, nos cerca de dez mil metros quadrados que margeiam a Avenida Brasil, principal via de acesso do Rio de Janeiro.

“Vivo na Maré há 28 anos e é a primeira vez que tenho medo de morar aqui.” O desabafo é do cineasta Cadu Barcellos, morador da favela Nova Holanda. Cadu foi criado na Vila do Pinheiro e conta, indignado, que no dia 12 de fevereiro, um grupo de cinco amigos voltava de carro de uma festa na comunidade Salsa e Merengue, por volta das quatro da manhã, quando foram surpreendidos por militares do Exército, que abriram fogo contra o automóvel. Segundo Cadu, o grupo já havia sido parado antes por outro grupo de militares e liberado para seguir caminho. Uma das vítimas, Vitor Santiago Borges, de 29 anos, foi atingido na perna e no tórax e teve a perna amputada.

“Prefiro viver a derrota que viver essa barbárie”, conta Cadu, que não avalia de forma positiva a intervenção militar do exército. Para ele, os mecanismos criados pelo Estado são imediatistas e artificiais. “Uma semana depois do episódio dos meninos que tiveram o carro fuzilado, um pedreiro foi assassinado enquanto fazia seu trabalho na Vila do João. A justificativa dada na época é a de que ele teria sido confundido com um traficante. No dia seguinte, cinco pessoas foram alvejadas dentro de uma Kombi que fazia o trajeto Maré x Bonsucesso, na Vila do Pinheiro. E no dia 23 de fevereiro de 2015 uma criança de 11 anos foi baleada nas costas por um tiro também do Exército”, conta.

A chegada da UPP

Os militares ocuparam todo o território da Maré desde abril do ano passado.

Os moradores ainda estão receosos com a mudança de poder dentro da favela, já que o Exército deixou algumas marcas no tempo em que esteve presente. Uma moradora que não quis se identificar acredita que a entrada da UPP não contribui para a diminuição da sensação de violência. “Eu não acredito que vá mudar nada, porque essa pacificação é fruto apenas da política. Se eles quisessem realmente já teriam pacificado a Maré, mas o interesse não é esse. Se mais de dois mil soldados não deram conta do problema, imagina só 600 policiais”, explica.

Ela fala ainda que tem medo que conflitos com moradores se agravem. “Espero que não comece a questão de invasão das casas, desrespeito com os moradores, como já vimos em outras comunidades com UPP. A gente fica esperando o pior para poder se surpreender com o melhor que possa vir”, afirma.

O papel das ONGS em defesa da Maré

A Redes de Desenvolvimento da Maré é uma ONG que desde 1997 atua a favor da garantia de direitos humanos dos moradores da Maré. Além de oferecer cursos e atividades artísticas, ao longo dos 18 anos de atuação, a Redes trabalha por melhorias para a comunidade.

O coordenador geral, Edson Diniz, destaca a importância do diálogo sobre segurança entre o poder público e a sociedade civil. “As pessoas têm medo de falar de segurança”, explica. “O que a gente propõe é que os moradores conheçam seus direitos, para que a polícia os reconheça e os respeite”, diz Edson.  Na sua avaliação os moradores se sentem acolhidos pela Ong e à vontade para denunciar violações e atos truculentos por parte de militares.

A campanha aconteceu antes da entrada do Exército e visava coibir o abuso policial.

A Redes da Maré também lançou no ano passado, em parceria com a Anistia Internacional e o Observatório de Favelas, a campanha “Somos da Maré e temos direitos”: uma série de folhetos e adesivos informativos sobre como os moradores deveriam lidar com os militares. Essa ação foi importante para o momento “pré-UPP” do Complexo da Maré e tinha como premissa, fundamentalmente, prevenir os moradores contra abusos e ações desrespeitosas por parte das forças policiais.

Para Átila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional Brasil, a intervenção militar do exército foi uma experiência de estado de exceção. “O morador da favela não pode ser destituído de direitos. Uma política pública de segurança eficaz não é só papel da polícia, deve estar acompanhada de outros projetos.” Para ele, a ocupação deve ser acompanhada de diversas outras iniciativas. “A favela deve ser reconhecida como parte da cidade”, explica Átila, que avalia que a população não deve ser criminalizada do jeito que é.

Para Solange Vieira, 54 anos, moradora do morro do Timbau, a situação na Maré se tornou mais violenta após a ocupação do conjunto de favelas pelos militares. Por isso, ela tem vontade de se mudar de lá. “A gente vive como se estivesse no Iraque, com tanques de guerra para cima e para baixo. Se eu tiver condições, quero comprar uma casa em outro lugar,” reclama.

Quem vive na Maré sabe que o tráfico continua. “Quando estava vindo pra cá encontrei uns três traficantes vendendo drogas. Aqui na Maré temos tudo; traficantes de diversas facções, exército, polícia e milícia”, conta um morador que preferiu não se identificar.

O lado B da ocupação

Apesar de muitas críticas por grande parte dos moradores da Maré, há os que viram na entrada do Exército uma forma de melhorar a convivência do local. Cintia Mariano é ex moradora da favela e trabalha há dez anos como gerente do Centro Municipal de Saúde Samora Machel, na Baixa do Sapateiro, e percebeu mudanças positivas com a chegada da força militar, mesmo com o cenário violento.

“Nos primeiros três meses de ocupação militar ocorreu uma queda em torno de 25% da demanda espontânea por descontrole da pressão arterial, fato que pode estar diretamente ligado à diminuição dos confrontos armados no território”, observa. Apesar disso, ela ainda percebe que as mudanças na Maré vão demorar a acontecer. “Com o processo de ocupação havia uma perspectiva de melhora em relação à contratação de médicos, porém este fato não se efetivou devido à sensação de insegurança ainda muito presente no território”, lembra.

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