Single Blog Title

This is a single blog caption

Fim da revista vexatória é aprovado na Alerj

Share on Facebook0Tweet about this on Twitter
revista-vexatoria-interna-05.jpg

Além das filas enormes, visitantes tinham que passar pela revista. Foto: (William de Oliveira)

Se a situação dos internos dos presídios do Brasil é precária, o problema também acaba se estendendo aos familiares e amigos deles. Até março deste ano, qualquer visitante era obrigado a passar por um humilhante processo de revista, que incluía tirar a roupa, se agachar três vezes e ter suas genitálias examinadas. Mas o projeto de lei 77/2015 proposto pelos deputados Marcelo Freixo (PSOL), Jorge Picciani (PMDB) e André Ceciliano (PT), que propunha o fim da revista vexatória, foi aprovado ontem, dia 20, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

O objetivo do projeto é respeitar a dignidade dos visitantes, já que a Constituição brasileira garante que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”, ou seja, ninguém além do condenado deve ser punido. A revista que era feita nos presídios acabava causando constrangimentos, além de ser uma violação aos direitos dos visitantes do preso.

Oficialmente, as revistas eram feitas para impedir a entrada de drogas, armas, celulares e chips nas prisões. Porém, segundo o Informativo Rede Justiça Criminal, realizado pela Rede Justiça Criminal e divulgado no ano passado, foi constatado que apenas 0,03% dos visitantes carregavam itens considerados proibidos. Esse número representa três visitantes a cada 10 mil. Dado que, segundo eles, é um número muito baixo para justificar o procedimento.

De acordo com este mesmo documento, nenhum caso de tentativa de entrar com armas foi registrado durante o período da pesquisa, que coletou dados nos meses de fevereiro, março e abril entre 2010 e 2013, em São Paulo. O estudo também aponta que a apreensão de objetos ilegais encontrados dentro das celas foi quatro vezes superior à quantidade apreendida com parentes, o que prova que os objetos entram por outros meios, que não a família do preso.

“As principais vítimas desta prática são mulheres de todas as idades, que são submetidas aos mais degradantes tratamentos. São as mães, as companheiras, as filhas, as irmãs e avós dos presidiários. Foi muito importante aprovação desta iniciativa”, afirma o deputado Marcelo Freixo, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj. Segundo ele, a revista vexatória não é adequada à nossa realidade tecnológica, já que existem aparelhos de raio-x, detectores de metais e outros mecanismos mais eficazes para a revista que preservam a integridade física, psicológica e moral do revistado.

Tecnologia ajuda na fiscalização

Maira garante que a família é fundamental no processo de ressocialização. (Fotos: Tamiris Barcellos)

Maira garante que a família é fundamental no processo de ressocialização. (Fotos: Tamiris Barcellos)

Segundo a advogada Maira Fernandes, Presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro e Coordenadora Geral do Fórum Nacional de Conselhos Penitenciários, o desafio agora é lutar pela permanência da aprovação da lei. Com grande experiência no sistema penal, Maira também coordena o Conselho Penitenciário Nacional e tem inspecionado presídios de outros estados. Juízes dos estados de Minas Gerais, da Paraíba, Pernambuco e Amazonas também determinaram o fim das revistas vexatórias em seus estados e até agora, garante ela, “em nenhum dos Estados houve agravamento no problema de segurança pública.”

Assim como afirma Freixo, a advogada também lembra que o Rio de Janeiro já conta com uma estrutura que possibilita o fim da revista vexatória. “Todas as unidades prisionais possuem detectores de metal e scanners. Isso já assegura que nenhuma arma ou celular entre nas unidades prisionais. São essas humilhações que levam muitos presos a recusarem a visita de seus familiares, o que dificulta ainda mais o processo de ressocialização”, afirma ela.

De acordo com o projeto aprovado, a revista manual até é admitida, mas só em casos excepcionais, como os de “fundada suspeita de que o visitante traga consigo objetos, produtos ou substâncias cuja entrada seja proibida por lei ou exponha a risco a segurança do estabelecimento prisional”.

A lei também guarda contradições

A notícia foi recebida com alegria por parte dos familiares dos presos, que antes reclamavam bastante do processo da revista. Uma visitante do Complexo do Gericinó, de 29 anos, que preferiu não se identificar, antes da lei ser aprovada, assegurava que o procedimento era degradante. “É muito humilhante e revoltante tudo isso. Só quem passou e passa sabe como é. Já não chega ter que vir nesse lugar? Ainda é preciso passar por tantos constrangimentos? Paga o preso, paga a família e a coisa só piora. Ninguém merece”, reclama.

Em compensação, os presidiários que não recebem visita saíram perdendo. Se antes a comida que era levada pelos visitantes não fosse consumida durante a visita no pátio, o preso poderia levá-la para dentro das celas e distribuí-la para os presos que não recebiam visita, por exemplo. Mas com a nova lei, esse procedimento foi proibido pelos agentes penitenciários. A partir de agora, toda a comida que não for consumida terá que ser devolvida aos visitantes e eles terão que levar para casa novamente.

A mulher de um presidiário, de 25 anos, que também não quis se identificar, acha que a medida é uma retaliação aos parentes de presos. “Todos têm direitos a ir e vir. Não é justo os presos não poderem mais levar comida para as celas e não deixar quem não tem visita ser ajudado. É muito triste. Nem uma água gelada eles têm direito de beber, já que se não pode levar mais nada para a cela”, lamenta.

O ex presidiário Edson Santos relata os cinco anos de horror que sua família foi submetida enquanto ele esteve preso. “O que eles fazem com os nossos familiares são coisas desumanas. Eles não tem respeito com as esposas, com idosas, crianças etc. Os governantes e o poder judiciário em geral teriam que passar por esse constrangimento pelo menos uma vez na vida, pois só assim saberiam que nem todas as leis que eles colocam em vigor saem como eles planejaram. Temos que dar um basta nisso. Os familiares não têm que pagar pelos erros que cometemos. Família é intocável”, conclui.

Dentro do caos, casos de sucesso

Samuel passou do regime fechado para o semi-aberto depois de passar no vestibular

Samuel passou do regime fechado para o semi-aberto depois de passar no vestibular

Para demonstrar o quanto o papel da família é fundamental no processo de ressocialização, o presidiário Samuel Lourenço, de 28 anos, contou com o apoio incondicional de toda sua família e principalmente de sua irmã, Karina Lourenço, que o visitava regularmente, para conseguir a tão sonhada vaga em uma universidade. Ele fez o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e agora cursa Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O agora estudante ainda estava em regime fechado quando foi aprovado, mas com a ajuda do diretor do presídio, dos defensores públicos e de sua família, conseguiu passar para o regime semi-aberto. Agora ele cursa a faculdade durante o dia e volta todos os dias para dormir no Instituto Penal Cândido Mendes, no Centro.

“Eu me declaro como presidiário e não tenho problema com isso. Sou presidiário hoje e serei ex-presidiário amanhã. Eu não vou permitir que isso se apague, porque preciso ser exemplo para quem precisa lutar. Eu acreditei em todo mundo que lutou comigo e vi tudo ao redor dizer que não ia dar certo. As resistências foram muitas, mas com a ajuda da minha família nós vencemos”, comemora.

"Se houvesse trabalho para o preso, reincidência cairia drasticamente"

“Se houvesse trabalho para o preso, reincidência cairia drasticamente”

O Conselheiro de Direitos Humanos e presidente do Instituto de Cultura e Consciência Negra Nelson Mandela, José Carlos Brasileiro, fala que o caso de Samuel é uma exceção, mas que se os cursos profissionalizantes e atividades laborais fossem uma realidade dentro dos presídios, as taxas de reincidência cairiam drasticamente.

“Na minha opinião, o preso deveria levantar às cinco da manhã, ir trabalhar das sete a uma da tarde; ir para a escola das duas às quatro; das quatro às seis ter seu momento de lazer; às seis e meia trancar a cadeia e às sete acabou, fechou a cadeia. Essa rotina deveria ser obrigatória, pois a educação é prioridade em qualquer lugar. Seria uma iniciativa de recuperar o ser humano”, garante.

O Secretário de Estado de Administração Penitenciária, Coronel Erir Ribeiro Costa Filho, diz que com o fim da revista vexatória, deve haver um trabalho das instituições de Direitos Humanos com as famílias dos presos. “Não adianta essas instituições só fiscalizarem e cobrar. Já pegamos mães que colocam drogas dentro das fraldas das crianças, isso é inadmissível. O sistema não é formado só da Secretaria de Administração Penitenciária (SEAP), mas também pelas famílias e os presos”, concluiu.

 

Deixe uma resposta

Parceiros