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Vozes do Alemão pedem o fim da UPP

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Raull Santiago (de boné) falou sobre a ocupação dos espaços culturais pela polícia. (Fotos: Viviane Ribeiro)

Raull Santiago (de boné) falou sobre a ocupação dos espaços culturais pela polícia. (Fotos: Viviane Ribeiro)

“O diálogo entre a minha ideia e a sua não pode ter uma arma no meio”. Frases como essa deram o tom do fórum “Alemão: Saídas para a Crise”, que aconteceu no dia 9 de abril, na sede do Iser, na Glória. A frase, proferida por Raull Santiago, cinegrafista e integrante do coletivo Papo Reto, foi apenas um dos muitos outros desabafos que moradores, representantes de associações, coletivos, ONGs, governo e instituições soltaram ao longo da noite. 

É consenso que o processo de cessar fogo no Complexo do Alemão precisa começar urgentemente. A morte de Eduardo de Jesus, de 10 anos, com uma bala de fuzil na cabeça há duas semanas, foi o estopim de uma crise que já dura mais de cem dias. Desde o início do ano uma série de encontros e discussões têm sido realizadas para que se tente encontrar uma saída para um problema tão grave. 

Encabeçada pelo Iser (Instituto de Estudos da Religião) e pelo CESeC (Centro de Estudos em Segurança e Cidadania), em parceria com o Jornal O Dia, o Fórum procurou abrir o diálogo entre a polícia militar e moradores para ajudar no encaminhamento de soluções práticas para o Complexo. Junior Perim, diretor do Circo Crescer e Viver, que alia arte circense a transformação social, começou sua fala com uma provocação: “O Pezão deveria despachar de dentro do Alemão, viver lá dentro, estar com as pessoas lá”, propôs. 

Mesmo não estando presentes na reunião, o governador do Estado Luiz Fernando Pezão e o Secretário de Segurança Pública José Mariano Beltrame foram os principais citados ao longo da reunião. Athila Roque, da Anistia Internacional, cobrou um pedido formal de desculpas para as famílias das vítimas. “É vergonhoso que o governador não tenha pedido perdão às famílias. A declaração da Dilma sobre o Eduardo foi pífia, uma vergonha também. Até hoje não vi o Pezão se desculpando por tudo o que aconteceu. Eu gostaria de ver o Estado chamando mais responsabilidade pra si”, cobrou. 

Retomada

O Complexo do Alemão foi “retomado” pelas forças de Segurança Pública em 2010, não por uma demanda espontânea, mas como uma resposta para a guerra entre facções que ganhou grandes proporções naquele ano. Se a proposta era  trazer a paz, principalmente para aqueles que sempre ficaram no meio do fogo cruzado, está claro que é necessário repensar a maneira como o projeto está sendo conduzido no Alemão.  

Ignácio Cano, do Laboratório de Análises da Violência, da UERJ, garante que o projeto de pacificação está fadado à falência. “As UPPs perderam a oportunidade de deixar para trás a lógica da guerra. Não houve até agora um diálogo real e institucionalizado entre polícia e moradores. Nessa situação, é melhor ela se retirar, recuar, voltar e pensar tudo de novo. Mas isso seria admitir uma derrota para a guerra.”

Daiene Mendes, moradora do Alemão e repórter do Jornal Voz da Comunidade, um dos mais atuantes e ativos canais de comunicação comunitária da favela, falou dos problemas que a juventude têm enfrentado após a chegada da UPP. “A pacificação prometia trazer esperança, mas só tem sido frustração. Como vamos confiar em uma polícia que a gente sente medo? Como acreditar nessa polícia que mata os nossos? É possível melhorar?”, indagou. 

Ao invés de projetos sociais, a polícia

Raull atentou que todos os espaços culturais da comunidade estão sendo sistematicamente ocupados pela polícia. “A Quadra da Canitar, o Largo do Bulufa, o campo do Inferno Verde, o campo do Sargento e até as escolas estão sendo ocupados pela polícia. As pessoas pedem ‘paz’ e o governador entende ‘polícia’. A loucura é tanta que ele está arrancando cabines blindadas das ruas para colocar no Alemão”, revolta-se. Ele ainda falou, dirigindo-se ao Coronel Robson, sobre a péssima estrutura disponível para os policiais. “A gente passa na rua e vê os policiais no escuro, dentro daqueles containeres. Suas leis que não permitem que vocês se rebelem, isso precisa ser revisto. O primeiro a se revoltar com essa situação deveria ser o policial, mas ele não tem que canalizar o ódio dele na gente!”. 

O chefe do Estado Maior da Polícia Militar, Coronel Robson Rodrigues, endossou os problemas de estrutura, mas argumentou que a polícia também precisa de tranquilidade para desenvolver seu trabalho. “A diretriz da PM é pelo diálogo e transparência. Eu concordo com a maior parte das reivindicações postas aqui, mas os policiais também precisam de tranquilidade. Se a polícia não está tranquila, não tem como fazer uma polícia de proximidade”, destacou. Ele reclamou ainda da dificuldade em mudar a cultura já enraizada na instituição. “A polícia aceitou há 40 anos o convite para fazer a guerra. Há uma forma de pensamento que a polícia precisa ser bélica, mas existem radicais de todos os lugares e eu peço ajuda da sociedade para construirmos uma sociedade melhor”, apelou.

Moradores disseram que não aguentam mais dialogar e não ter respostas

Moradores disseram que não aguentam mais dialogar e não ter respostas

Os presentes discordaram e disseram que não aguentam mais dialogar com as forças de segurança. O presidente da Associação das Palmeiras, Marcos Aurélio Alves, afirmou que já teve oito reuniões com o secretário de Segurnaça, mas que até hoje nada foi resolvido.

“Eu não aguento mais ter reunião que não resolve nada. Quantas reuniões precisam até termos algo concreto? O que precisa ter é uma limpeza ética, tirar os policiais corruptos. Hoje, onde funcionava um projeto social que atendia a 1200 crianças é um depósito de máquinas de caça níquel. No Alemão os policiais não têm comprometimento com a vida”, denunciou.

Fora UPP

O Major Leonardo Nogueira, assessor da coordenadoria da UPP, defendeu que a população deveria se insurgir também contra o tráfico de drogas, mas seu discurso foi imediatamente atropelado por Leonardo Souza, do coletivo Ocupa Alemão. “O tráfico que você sugere cinicamente que está lá, não está. Na favela não tem traficante, na favela tem varejista. O traficante está no estado. Seu discurso é uma piada”. Ele seguiu dizendo que a solução imediata deve ser a retirada da UPP do Alemão. “Eu quero que a UPP  saia sim de lá. Quem está pagando sou eu, são meus amigos. Eu não vou esperar a polícia se desmilitarizar, eu não vou ficar assistindo polícia continuar a fazer o que ela está fazendo na favela. Vocês arrumem a bagunça de vocês e quando arrumar a gente volta a conversar. Mas até lá eu quero sim que a UPP saia da favela”, exigiu.

Propostas 

Adilson Pires (de azul) se comprometeu a ser interlocutor com a Prefeitura

Adilson Pires (de azul) se comprometeu a ser interlocutor com a Prefeitura

A reunião, que pretendia encontrar um caminho possível para a questão do Alemão terminou sem que os representantes do governo, apesar das muitas indagações, oferecessem respostas concretas para os problemas. A maioria deles se esquivou das perguntas diretas dos participantes e ofereceu discursos genéricos sobre diálogo e acordos.

Adilson Pires, vice-prefeito do Rio, que várias vezes foi interpelado a tomar um partido sobre a situação, se comprometeu a intermediar o diálogo entre os moradores e o prefeito Eduardo Paes, nas demandas competentes à prefeitura. “É necessário que se transforme essa energia de revolta para construir propostas concretas. Eu me comprometo a ser o porta voz dessas demandas”, prometeu.

A secretária de Assistência Social e Direitos Humanos, Teresa Consentino, também se propôs a marcar uma agenda conjunta com as secretarias de saúde e educação para um novo debate propositivo com os moradores do Complexo do Alemão.

O sub-secretário de Educação, Valorização e Prevenção, Pehkx Jones, que foi representando José Mariano Beltrame, optou por não firmar nenhum acordo. “Não podemos resolver questões de segurança pública no calor das emoções”.

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