Mulheres tentam romper com ciclos viciosos

Na unidade do projeto Casa Viva de Jacarepaguá, as assistidas são meninas de até 18 anos. (Foto: Vitor Madeira)
A luta para garantir às mulheres um futuro melhor não deve ser lembrada apenas no mês da mulher. No contexto do constante crescimento da luta feminista para o reconhecimento e o cumprimento de seus direitos, não faltam histórias de mulheres que lutam no dia-a-dia para combater o machismo.
É o caso das adolescentes acolhidas no projeto Casa Viva de Jacarepaguá, administrado pelo Viva Rio desde 2008. Na casa, são acolhidas meninas de até 18 anos de idade que fizeram ou fazem uso abusivo de drogas. Elas estão lá para se recuperar e tentar encontrar novos caminhos.
A coordenadora da Casa, Lídia Marins, diz que a maioria delas chega mergulhada em preconceito social por viver nas ruas e usar drogas. Essas adolescentes querem ter o direito de ser jovens como quaisquer outras. Uma sonha com um futuro profissional. Algumas namoram. Outras já têm filhos. Que, como elas, estão crescendo sem a presença da figura paterna. Quase todas as meninas foram criadas por mães, avós e tias.
Dados do Conselho Nacional de Justiça, com base no Censo Escolar de 2011, apontam que das 29 milhões de crianças nascidas no Brasil, 5,5 milhões não têm o nome do pai na certidão de nascimento. O Estado do Rio lidera o ranking, com 677.676 crianças sem filiação completa. “Às vezes elas chegam aqui com tantos problemas que a droga é um dos menores. Nas ruas, elas enfrentam outras questões: de segurança, saúde e contracepção”, explica Lídia. Isso acarreta em muitos casos de gravidezes indesejadas e dúvidas com relação à paternidade dos filhos.
Esse não é o caso de Carolina*, que completou 17 anos no dia da reportagem. A adolescente contou que, quando estava grávida, gostava de tirar fotos de sua barriga e publicar no Facebook. Segundo ela, a gravidez foi programada com o pai da criança, mas o relacionamento acabou depois que o bebê nasceu e ele não assumiu a paternidade. Quando a filha completou três meses, Carolina tentou fugir com a criança do abrigo onde morava e acabou perdendo a guarda. Hoje este é seu maior motivo de tristeza.
Outra assistida pela unidade, Juliana* já perdeu a conta de quantos abrigos conheceu. Há anos não encontra sua mãe e, com o pai, ela não tem contato algum. Foi criada por uma avó, que a visita com mais regularidade. Aos nove anos de idade, começou a usar drogas e isto está longe de ser motivo de orgulho: “Se droga fosse boa, não teria esse nome”, repete. Hoje, ela já consegue pensar no futuro, o que não era possível há pouco tempo: “Trabalho de manhã e estudo à noite. Isso me faz acreditar que posso juntar dinheiro e comprar uma casa”, projeta. A jovem conta que às vezes sente vontade de fugir da Casa Viva, mas sabe que a confiança que conquistou pode ser quebrada. Ela dá muito valor aos amigos que fez lá dentro e considera a equipe e as outras meninas como sua família.
Estudo e vaidade
A Casa Viva oferece para as meninas um programa de estágio remunerado, em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social, da Prefeitura. Nas aulas, que duram em média quatro horas, elas aprendem as atividades da rotina de um auxiliar de escritório. Terminada a experiência, recebem um certificado de conclusão do estágio.
A vaidade ocupa um lugar de destaque na rotina das garotas. “Quando há eventos, elas começam a se arrumar no dia anterior. É impressionante! Nos pedidos de compras para a Casa, não faltam cremes relaxantes e descolorantes para o cabelo, esmaltes coloridos e itens de maquiagem”, diverte-se Lídia.
Como quase toda mulher, na hora de escolher uma roupa antes de um passeio, Juliana gosta de selecionar peça a peça que vai vestir, pinta o cabelo e tem seus cortes preferidos: Moicano e “Pente um e dois”. Carolina comenta que sua namorada, Jéssica*, também moradora da casa, sempre está arrumada: “Ela coloca muito creme no cabelo e usa lápis de olho durante o dia todo, até para dormir”, entrega.
A história de Jéssica teve final feliz: O pai não assumiu a paternidade. Quando sua mãe faleceu, ela e a irmã foram morar em um orfanato. Logo depois, ambas foram adotadas por uma família. Com uma diferença. A irmã, mais nova, como filha. Jéssica foi “no pacote”, com a condição de realizar os trabalhos domésticos na casa da nova “família”. Fugiu obviamente. Hoje, na Casa Viva, a namorada de Carolina trabalha, faz estágio e se sente muito querida.
Lídia Marins diz que as meninas gostam de compartilhar suas histórias, gostam de ouvir também seus conselhos e são bem sensíveis. A chegada dos 18 anos é um assunto tabu: “A partir daí elas são obrigadas a enfrentar o futuro, correr atrás de seus planos. É difícil encontrar casas de apoio que aceitam adultos entre 18 e 25 anos e isso é algo que as aflige”, diz ela.
“Todas as meninas têm questionamentos dentro delas e gostam de conversar. São mulheres, pela carga de suas histórias de vida, mas carregam o espírito de meninas, com uma intensa carência por afeto e suas brincadeiras preferidas”, finaliza.
* Os nomes são fictícios para preservar a identidade das menores.