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Campinho faz retrospectiva de seus carnavais

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A saudade bate. São 18 anos sem o grito do gavião real, símbolo da G.R.E.S Unidos de Campinho.  A escola, fundada em 1987, na Travessa Sagrado Coração, no Campinho, na Zona Norte, já não desfila entre os blocos e as escolas do carnaval carioca. Todo ano a comunidade relembra uma época em que a azul e branco de Campinho sonhava em brilhar, ao lado da Império Serrano e da “madrinha” Portela, entre as grandes escolas do Grupo Especial. Representante da Velha Guarda, integrante da ala das baianas, a dona de casa Marly Silva, 73 anos, reconstrói a trajetória da escola que viu surgir, subir e enrolar bandeira.

Fundada em 1987, a Unidos de Campinho nasceu da união de vários blocos oriundos da região do Campinho, entre Cascadura e Madureira, (que abrange os morros do Fubá, Fazenda da Bica, Campinho e Divino) e teve uma ascensão meteórica até o Grupo A, disputando posição com a também novata Acadêmicos da Rocinha, que segue até hoje desfilando. “O curioso é que o povo todo que desfilava na Campinho, esse ano sairá em peso na ex-rival”, entrega um jovem morador: “É Carnaval…”, justifica.

A ala de palhaços em seu primeiro desfile na Marquês de Sapucaí. (Fotos: Arquivo Pessoal)

A ala de palhaços em seu primeiro desfile na Marquês de Sapucaí. (Fotos: Arquivo Pessoal)

O enredo do primeiro carnaval da escola, em 1989, foi o “Carioca da Gema” em homenagem ao estilo do carioca de levar a vida. A escola desfilou pelo Grupo de Avaliação na Estrada Intendente Magalhães, que ficava praticamente ao lado da quadra e abocanhou o segundo lugar, ficando à frente de escolas ainda atuantes, como a Boi da Ilha, a Mocidade Vicente de Carvalho e a Unidos de Vila Kennedy, e atrás da agremiação da Rocinha, que naquela época tinha Joãozinho Trinta como carnavalesco. Por quatro anos, Joãozinho foi considerado o “algoz” da escola de Cascadura. “Em seu no primeiro carnaval, a Unidos de Campinho ficou a nove pontos da grande campeã”, conta Dona Marly.

No ano seguinte a escola já contava com o amplo apoio da comunidade e participaria ainda mais da produção do carnaval da agremiação. Feliz com o vice-campeonato, Campinho tinha um desafio maior. Na Avenida Rio Branco, ela seria a sétima escola a desfilar pelo Grupo 3, que contava com agremiações mais conhecidas como a Difícil é o Nome e a Unidos de Bangu (que enrolou bandeiras em 1996, mas voltou à avenida em 2013).

Outras já se encontravam em seus últimos suspiros, como a Unidos de Nilópolis e a Império de Marangá.  Campinho enfrentava o desafio de desfilar longe de casa. As 60 baianas da escola estavam eufóricas para apresentar o morro no centro da cidade, como relembra Dona Marly: “Nosso sonho era que ela virasse uma escola como Salgueiro ou que, ao menos, chegasse a ser um Império Serrano. Mas, para isso acontecer, eles teriam primeiro que passar por sua famosa rival, a Rocinha.”

Com a marca registrada da memória  
O carnavalesco Sergio Kautzmann fora recém-contratado da Canários da Laranjeiras, para desenvolver o primeiro carnaval da escola. Outro morador da comunidade campineira, Carlos Alberto Almeida, conta que Kautzmann foi de casa em casa para desenvolver o seu enredo. “Morava na comunidade há pelo menos 12 anos e um dia fui surpreendido com um homem batendo a minha porta e falando “A Unidos de Campinho quer você” e usou histórias contadas por meu avô para ilustrar o enredo. Fiquei emocionado. A missão de cantar essa história na avenida saiu das mãos dos jovens Fio, meu sobrinho Tiago e Chiquinho”, narra Almeida.

Dona Marly em um raro registro seu quando ainda desfilava na ala das baianas

Dona Marly em um raro registro seu quando ainda desfilava na ala das baianas

Mais uma vez, a escola veio com garra e força para o carnaval de 1990. Mesmo com o “rolo compressor” chamado Rocinha, Campinho conseguiu surpreender e garantiu novamente a segunda posição no desfile, sendo promovida  ao Grupo B, em 1991. “A comunidade não acreditava que mais uma vez isso aconteceria”, relembra Dona Marly.

O carnaval de 1991 foi mais um grande desafio para a comunidade. O então presidente da agremiação, Wantuil de Oliveira, investiu em reforços para sua escola. Para contar o enredo “Os dourados sonhos de Axuí”, Campinho convidou Armando Martins para assinar o carnaval da escola com a ajuda do veterano Kautzmann. “A escola estreava na Avenida Marquês de Sapucaí.  Dessa vez seria mais difícil, pois estavam no mesmo grupo escolas conhecidas da torcida como Acadêmicos do Cubango,  Em Cima da Hora, União de Rocha Miranda e Tupy de Brás de Pina. Isso sem falar que seria o primeiro encontro com uma agremiação daqui da área”, diz Dona Marly, referindo-se à União de Jacarepaguá, cuja quadra fica na Estrada Intendente Magalhães. “Mesmo assim, conquistamos de vez o carisma dos torcedores das demais agremiações”, garante.

E mais uma vez Campinho foi vice-campeã, ficando apenas a dois pontos da primeira colocada, sua velha adversária, a Acadêmicos da Rocinha, e à frente de todas as outras, inclusive a co-irmã União de Jacarepaguá. No ano seguinte, 1992, seria a vez de estrear no Grupo A. O  último degrau para o tão sonhado Grupo Especial.

O grande momento
“A comunidade estava eufórica”, relembra Marly. Pela primeira vez em sua história, o desfile seria transmitido pela televisão. Um grande evento comemorativo foi organizado e  toda a comunidade estava feliz com a ascensão. A escola se preparou mantendo a equipe vencedora do ano anterior e contratando o reforço de um intérprete de peso. O refrão dizia:

“Sou carioca da gema/ Vivi no arco da velha/ Sonhei com Axuí (Axuí)
Campinho marque seu tempo/ Não pode haver contratempo na Sapucaí”

O enredo “Passa, passa tempo”, dos compositores Zé Roberto, Adilson Bispo e Valdir Brôa,  soou como uma profecia que não deveria ser cumprida. Um atraso de 20 minutos dos componentes da ala da bateria prejudicou a escola, que teve que interromper e recomeçar o desfile: “Por conta dessa fatalidade,  acabamos voltando para o Grupo 2 (atual Grupo de Acesso B),  ficando em último lugar, atrás da Independente do Cordovil”, conta a ex-componente. Campinho amargou dois anos no grupo B e, em 1995, quando o número de escolas por grupo foi bastante reduzido, acabou amargando uma sucessão de derrotas. Para Dona Marly, a Velha Guarda sonhava que aconteceria com a Unidos do Campinho o mesmo que aconteceu com a Rocinha, sua “carrasca” por muitos anos:  uma ascensão meteórica até a chegada ao Grupo Especial.  Ao serem rebaixados, os moradores, surpresos e decepcionados, desistiram de desfilar. Deste ano em diante, escola foi perdendo força.

Uma nova surpresa ainda esperaria por Campinho, tardiamente: em 1996, a escola foi campeã do Grupo de Acesso D. Não tendo conseguido verba para colocar o carnaval na avenida no ano seguinte, a escola foi extinta a partir de 1997. Marly admite: “As pessoas mais velhas não gostam nem de tocar nesse assunto. “É a ‘tristeza do gavião'”,  concorda o jornalista Juninho Tititi, filho de Dona Marly.  Uma foto no jornal O Globo é o nosso único troféu”, relata ele, que é comentarista de carnaval em rádio.

“O morro está triste, o pandeiro calado”

O artista Douglas de Souza até já projetou uma nova bandeira, caso a escola volte a desfilar. (Foto: Reprodução)

O artista Douglas de Souza até já projetou uma nova bandeira, caso a escola volte a desfilar. (Foto: Reprodução)

Hoje, Campinho não tem uma representante na Avenida. Em 2010, houve uma tentativa de retomar a escola, como um bloco carnavalesco chamado G.B.C. Campinho Imperial.  O bloco teve uma carreira breve: desfilou somente dois anos, enrolando bandeira em 2013. Para brincar o carnaval, os moradores do Complexo do Campinho precisam descer o morro e ir até a Estrada Intendente Magalhães, onde acontecem os desfiles dos grupos de Acesso (B, C e D) desde 2004 e os de blocos desde 1989.

Sua quadra, localizada atrás do coreto do morro, que era reduto de sambistas, hoje está abandonada, e serve apenas para abrigar bailes funk e festas promovidas por pessoas que não são da comunidade. Há uma movimentação de reestruturar antigas escolas como aconteceram com Tupy de Brás de Pina, Unidos de Bangu e União de Rocha Miranda, porém Dona Marly diz que o interesse dos jovens da comunidade pelo samba não seja o mesmo: “Os costumes daqui mudaram”, lamenta.

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