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Favela inspira artistas e empresários

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Foto: divulgaçãoEla já é nome de restaurante badalado em Paris, de cadeira ícone do design e de jogo de computador. Empresta sua imagem a marcas de roupa, atrações noturnas ou ainda sandálias. Seja no Brasil, seja no exterior, tem sido crescenteo o uso da palavra e do conceito de “favela” nos mais diversos produtos, sem que suas propostas, públicos-alvo ou inventores tenham, de fato, algum vínculo com esse universo.

Para a socióloga Bianca Freire-Medeiros, que entre outros temas estuda o turismo em comunidades, o fenômeno acompanha uma tendência de utilizar a favela como símbolo de uma realidde. “A favela pertence a uma cadeia semântica que envolve o Brasil, a pobreza, o carnaval e o futebol. A favela é a novidade desta cadeia”, opina Bianca, para quem a criatividade, a resiliência e a utilização do reciclável são alguns dos atributos comerciáveis das favelas.

A estilista Kananda Soares confirma a percepção de Bianca: para ela, a favela está na moda. Desta vez, literalmente. Ela criou, em 2001, a marca de roupas Favela Hype, hoje vendida pela internet. De acordo com a estilista, a palavra empresta a suas criações uma identidade carioca, que absorveu das comunidades o espírito democrático, criativo e gingado. “Além disso, a ideia de favela tem a ver com a desconstrução que fazemos na Favela Hype, misturando elementos de diversos mundos”, conta a estilista, que frequenta favelas profissionalmente e socialmente, e planeja integrar-se com um projeto social do Vidigal.

Kananda ainda acredita que, para pessoas mais liberais, a palavra “favela” é um atrativo. Mas, para pessoas “de cabeça fechada”, como diz, a situação fica mais difícil. Segundo a estilista, o Barra Shopping negou a presença de sua marca no centro comercial justamente por causa desta palavra no nome.

No mercado do design internacional, a favela parece ser mais uma atração que um elemento repulsivo. A cadeira Favela, criada pelos irmãos Campana, é vendida a um preço médio de € 2.500,00 (aproximadamente R$7.500,00) e é um sucesso da fabricante italiana Edra. Isto é o que garante Mônica Mazzei, vice-presidente da companhia, para quem a cadeira é uma peça única por sua beleza e por seu aspecto artesanal.

Foto: divulgaçãoOs irmãos Campana são conhecidos por aliar métodos artesanais à tecnologia, recorrendo muitas vezes a sucatas. É o caso da cadeira Favela, criada em 1991 com caixotes de feira usados e inspirada nas favelas de São Paulo – os designers frequentemente dizem ter o Brasil e São Paulo como fonte de ideias. Fernando e Humberto Campana também criaram exemplares de sandálias Melissa inspiradas na cadeira Favela.

Mas nem todos recorrem ao nome “favela” pelas associações de ideias positivas. Dan Eisenberg, sócio da Nano Studio, é um dos criadores do jogo online Favela Wars. Foi ao presenciar um tiroteio no Rio de Janeiro que ele encontrou o ambiente que queria para produzir um jogo que tivesse a cidade como plano de fundo. Criado no começo deste ano, o site do game chama os usuários com frases como “torne-se o rei do morro ou acorde na vala!” e convida: “Favela do Borel: prepare-se para uma missão noturna!”.

Para Eisenberg, a favela ainda assim é homenageada no game. “Fazemos arte em cima de um lugar ignorado. A imagem da violência corresponde à realidade, ela está nos jornais há muito tempo”, pondera o especialista em desenvolvimento de softwares, que contou receber mensagens de usuários felizes em verem uma realidade familiar explorada em um game. Segundo o diretor do Nano Studio, existem mais de 150 mil usuários inscritos. As fontes de inspiração para o desenho do jogo foram o Morro do Cruz, o Vidigal e o Santa Marta. “A favela tem características ótimas para os jogos; é como um labirinto, que permite táticas, cenários em ruas, pequenas, grandes, completamente diferentes entre si”, afirma.

Foto: divulgaçãoDiferentemente do Favela Wars, o australiano Nicholas Broughton retrata em suas obras favelas pintadas de cores alegres. O artista, que viveu no Brasil na década de 70, diz que suas idas, quando criança, à casa da empregada em uma comunidade são a maior fonte de inspiração para sua série de quadros intitulados “Favela”. Broughton conta que estes quadros fazem muito sucesso lá fora. “As pessoas fora do Brasil acham a favela intrigante. Ao ver estes quadros, acho que os clientes se sentem abençoados pela sua posição na vida, o que os torna talvez mais generosos”, opina o australiano, que diz considerar a favela “uma cidade dentro de outra”.

Também na França, as favelas fazem sucesso – e dinheiro. De acordo com a designer Joana Joubert, a sua estampa “Favela” faz sucesso nas vendas da marca Deny Designs. São roupas de cama, cortinas de banho, relógios e quadros, entre outros produtos que compõem a linha. “Eu desejava desenhar um ambiente urbano colorido, com uma arquitetura original e única. Acabei encontrando as favelas em um outro projeto de design e hoje estou satisfeita, porque as favelas têm uma arquitetura heterogênea, o que dá um ritmo e uma vivacidade à composição”, conta Joana, para quem as cores são o que mais atrai os clientes. Para ela, mesmo que a favela remeta algumas vezes às questões da pobreza e da violência, todo lugar pode ser fonte de criação e inspiração.

Estereótipos positivos e negativos

Na análise da socióloga Bianca Medeiros, produtos como os mostrados nesta reportagem fazem parte de um segmento de mercado que vende, por meio deles, a experiência da alteridade. Segundo ela, este segmento pode reforçar um estereótipo específico, para o bem ou para o mal, mas certamente é uma apreensão filtrada da favela – não existe o ônus dos problemas sociais, por exemplo. “As milhares de libras gastas em uma cadeira não são gastas pelo material ali usado, mas pela experiência e pelos conceitos ali materializados”, ressalta Bianca, referindo-se à cadeira dos Irmãos Campana.

Foto: Roberta MachadoYan, 18, morador da comunidade de Cascatinha, no Rio de Janeiro, a quem foram mostrados os produtos desta reportagem, gostou de todos eles. “A favela é vista de diferentes formas pelas diversas pessoas”, avalia o estudante, que gostou da roupa de cama idealizada por Joana Joubert. Angélica, 35, fiscal de loja, também gostou de todos os produtos, com exceção do Favela Wars. “A minha comunidade não é tão suja assim, está exagerado aí. Não é porque a gente mora em favela que ela é maltratada”, afirmou a moradora da comunidade de Nhoíba, também no Rio de Janeiro.

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