Single Blog Title

This is a single blog caption

A luta do deficiente morador de favelas

Share on Facebook0Tweet about this on Twitter

Fotos: Mariana AlvimO Dia Nacional de Lutas de Pessoas com Deficiência acontece todo ano no dia 21 de setembro. Isto significa que, de acordo com dados do Instituto Pereira Passos (IPP) e do Censo 2010, 1.561.790 pessoas foram homenageadas neste sábado, o que corresponde a 24,7% da população do Rio de Janeiro. Este dado engloba diferentes níveis de deficiências mentais, motoras, auditivas e visuais.

O IPP, no relatório “Cadernos do Rio – Pessoas com Deficiência”, de junho deste ano, afirma que 22% destes cariocas com necessidades especiais vivem em favelas – ou seja, aproximadamente 343.594 pessoas. É o caso de Alan Gurgel, André Barroso, Sebastião dos Santos e Antônio, cujas histórias de vida estão retratadas abaixo.

No relatório, o IPP atenta que a distribuição de pessoas com necessidades especiais é aleatória no que diz respeito à renda, à localidade e à escolaridade. Uma exceção é a relação entre renda e deficiência mental. Enquanto 32% da população carioca vive com renda acima de dois salários mínimos, somente 28,3% dos deficientes mentais têm este poder aquisitivo. A desigualdade também aparece na escolaridade: 47,5% destas pessoas não têm instrução, enquanto que, entre outros deficientes, os sem instrução correspondem a menos de 30%.

É de se imaginar, no entanto, que a vida seja um pouco mais desafiadora para aqueles que vivem em localidades com baixo desenvolvimento social. Alan, André e Antônio afirmam que viver numa favela não torna suas condições de vida mais difíceis. Eles tiveram, todavia, que se adaptar ao planejamento urbano precário de suas comunidades.

Todos os entrevistados pelo Viva Favela são pacientes de entidades como a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR) e o Instituto Benjamin Constant. Os governos oferecem, por sua vez, ações em suas secretarias. No caso da Prefeitura, há um órgão direcionado a estas pessoas: a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência. Entre suas ações, estão os Centros de Referência da Pessoa com Deficiência, que oferece trabalho multidisciplinar em seis unidades, e o Programa de Reabilitação Social Baseada na Comunidade. Este, de acordo com a secretaria, ofereceu atendimento domiciliar e multidisciplinar a 1.359 pessoas em 2012 e já atendeu 4.832 pacientes até julho deste ano.

Conheça as histórias de vida de quatro cariocas que têm algum tipo de necessidade especial e que vivem em favelas. Os deficientes auditivos, que correspondem a 4,8% da população, não estão representados na reportagem.

André Barroso, 17 anos, estudante e morador do Fallet

O estudante do terceiro ano, quando criança, caía frequentemente, sem motivo aparente. Quando foi detectada em seu irmão mais velho uma distrofia muscular, a família e os médicos desconfiaram que a doença degenerativa também acometesse André, então com 8 anos. Ele se tratou por três anos na UniverCidade e, há um mês, está na ABBR. A fisioterapia terá que ser mantida durante toda a sua vida.

Morador do Fallet, André diz que só sairá da comunidade, em Santa Teresa, se for para morar em um lugar mais próximo do centro de tratamento. Para chegar à ABBR, no Jardim Botânico, André tem que enfrentar seis lances de escada e andar pela rua, já que as calçadas são estreitas e estão muitas vezes obstruídas por carros. Uma vez no pé do morro, ele ingressa em um carro particular, pago pela família, pois os ônibus neste horário ficam muito cheios – e André não pode viajar de pé, devido aos músculos do pé direito, atingidos pela doença, muito fracos para lhe dar sustentabilidade. Na volta, André pega um ônibus sozinho.

A fisioterapia permitiu que André adquirisse autonomia para se locomover – ele vai à escola, anda pelos arredores de sua casa, além de sair nos fins de semana para Tijuca e Copacabana. Para subir as dezenas de degraus que levam a sua casa, André levava uns 10 minutos. Agora, com o tratamento, são necessários 4 no máximo. Ele se apoia em um trecho de corrimão instalado por seu pai e nos muros de outras casas.

Sua mãe, Maria Elisabeth, autônoma de 39 anos, pretende comprar uma casa na parte mais baixa da comunidade. No entanto, segundo ela, não há imóveis disponíveis desde a chegada da UPP. André acredita que, apesar das adaptações, viver na favela não é mais difícil do que viver no asfalto.

Dificuldades motoras como as de André atingem 7,7% da população do Rio de Janeiro. Para aqueles que moram em favelas, os teleféricos são muitas vezes apresentados como solução de acessibilidade. A Supervia, que administra o teleférico do Alemão, afirma que as seis estações do teleférico contam com elevadores e piso tátil. De acordo com a empresa, para o embarque nas gôndolas, que costumam não parar, os funcionários podem solicitar a redução da velocidade do sistema e auxiliar o usuário no embarque.

Sebastião dos Santos, 59 anos, aposentado e morador do Engenho da Rainha

Onze degraus. É este lance de escada, que antes passava despercebido aos olhos de Sebastião, que hoje o separa da vida fora de casa. Desde que sua perna direita foi amputada, são necessário no mínimo duas pessoas para carregar sua cadeira de rodas, e transportá-lo até a rua.

Como durante o dia, seus vizinhos e parentes estão trabalhando, Sebastião raramente sai de casa. Basicamente, só passa de sua porta para ir ao tratamento na ABBR, duas vezes por semana. Para isso, paga R$70,00 por viagem a um motorista. Devido a este custo, R$560,00 pagos mensalmente em transporte particular, mudar-se para um lugar mais baixo está fora de cogitação. O aposentado já reduziu de três para duas o número de sessões de fisioterapia. Ele e a esposa, Maria Jorgina, esperam que depois da prometida prótese, eles possam sair dali.

Jorgina acaba ficando encarregada de todos os afazeres, inclusive esfregar com cloro e sabão o lodo que se forma nas escadas, para que Sebastião possa sair. Tudo começou com um machucado, que causou inflamação nos dedos de Sebastião, diabético. Após 7 meses de idas e vindas em hospitais públicos, seu estado piorou e sua perna precisou ser amputada. O antigo motorista diz sentir falta de sua autonomia, mas agradece por estar vivo. “Tendo esta nova realidade, vejo como existem pessoas necessitadas. Antes não tinha idéia disso”, diz.

Ele se alegra por ter a neta de 7 anos em casa e torce para que se adapte à prótese e, com isso, economize seus gastos com transporte para a ABBR. Assim, poderá se mudar dali. “Eu só sei de uma coisa: tenho que sair daqui. Se eu puder só ficar aqui pelo meu bairro, ir ao mercado e à praça, fico feliz”, afirma, emocionado.

Antônio Sérgio, 35 anos, técnico de informática e morador da Rocinha

Antônio Sérgio critica as pessoas que, por ser parcialmente cego, o tratam como “coitadinho”. Mas o técnico diz não dar abertura para isso. Assim, além de sua profissão, faz trabalhos como eletricista, professor de teclado e violão, e é músico em igrejas evangélicas. O morador da Rocinha aprendeu algumas destas habilidades no IBC, no Senac e na Escola de Música Villa Lobos.

Perguntado se aceita bem sua condição, Antônio responde pela negativa, como forma de não se acomodar. Está sempre procurando acompanhamento médico e aprender – no momento, estuda Braille e faz atividades físicas no IBC, além de se preparar para o vestibular e para um concurso público. Com respeito à sua comunidade, a Rocinha, Antônio afirma ter sorte de ter parte da visão. “Com tantos barulhos e movimento, ficaria confuso se eu fosse completamente cego”, diz. Na movimentada Via Ápia, ele se considera mais vulnerável do que os outros moradores. Por causa das calçadas irregulares, ele muitas vezes precisa andar no meio da rua.

Apesar desta dificuldade, Sebastião diz não achar sua condição mais difícil por morar em uma favela. Inclusive, ele se diz mais confortável ali que em outras partes da cidade justamente por conhecer bem o terreno. Pessoas com deficiências visuais compõem o maior grupo dentre os deficientes da cidade: 19,5% da população tem algum tipo de dificuldade para enxergar, mesmo com o auxílio de óculos e lentes.

Alan Gurgel, 23 anos, assistente administrativo e morador do Complexo da Penha

Para Alan, nada parece muito intimidador. Nem morar numa favela ou ter um tipo moderado de deficiência mental. Aluno na APAE desde 2002, ele se locomove sozinho de ônibus pela cidade e diz que, se se perder, é só abrir o Google Maps. Os coordenadores da APAE olham para ele com orgulho – e ele, para a medalha de prata conquistada com seus colegas em um campeonato de futebol organizado pelo Special Olympics.

Na APAE, Alan está participando de um programa profissionalizante da própria instituição, que oferece uma espécie de estágio não-remunerado aos seus estudantes. Alan está trabalhando na parte administrativa da APAE e deseja estender isso para a profissão de assistente administrativo. Ele diz gostar dali. “Podemos aprender tudo aqui, é só perguntar pra professora”, contou.

Por um tempo, o jovem estudou em uma escola municipal. Diz não ter gostado muito da experiência, pois seus colegas não foram receptivos – eles o chamavam de “doente”. Mas, com exceção desta experiência, Alan diz fazer amigos por onde passa, inclusive em sua comunidade, Caixa D’Água, onde joga futebol e bola de gude com os vizinhos.

A autonomia de Alan pode ser atribuída, em grande parte, à educação que recebeu. A maior incidência de deficientes mentais nas classes mais pobres está justamente ligada, segundo especialistas, à falta de desenvolvimento e estímulo nestas pessoas. Pessoas com deficiência mental correspondem a 1,2% da população da cidade.

Deixe uma resposta

Parceiros