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Favelas têm ônibus direto para o Ceará

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Fotos: Thathiana Gurgel
A imigração nordestina povoa, em particular, periferias e favelas cariocas. O fenômeno demográfico dá novos contornos culturais a alguns territórios cariocas, como também abre novas oportunidades de negócios para atender o fluxo migratório. 

Exemplo disto é a agência de viagens VRM, gerenciada pelo cearense Walter Gathy, radicado na Rocinha há 28 anos. Walter chegou na favela com seus pais, que migraram para o Rio em busca de uma vida melhor. Ao se deparar com a grande quantidade de nordestinos residentes em sua comunidade, a família teve a idéia de iniciar uma parceria, enquanto agência de viagens, com a viação Itapemirim, oferecendo conexão direta entre o Ceará e duas grandes favelas cariocas: Rio das Pedras e Rocinha.
No Rio assim como nas cidades pequenas do Nordeste, a divulgação dessa conexão rodoviária é toda feita pelo boca a boca e em carros de som. Walter não vê necessidade de estar presente na internet: tudo passa pelo contato entre familiares de lá e daqui. As passagens são vendidas apenas nas agências credenciadas pela viação.
Os ônibus saem do Rio uma vez por semana, aos sábados às 7h, passando pelas duas favelas. No outro sentido, são dois ônibus semanais, com chegada aos domingos e terças-feiras, sem horário definido por conta dos imprevistos que podem acontecer na estrada. Há períodos de alta e baixa temporada, mas na maioria das vezes os ônibus saem cheios. A viagem dura cerca de 50 horas e transporta pessoas tanto a passeio quanto de mudança.
O valor da passagem, de R$398,00 cada trecho, sai às vezes mais caro do que as promoções de companhias aéreas. Mas para quem viaja de mudança, é mais vantajoso fazer a viagem de ônibus por conta das malas. Cada passageiro do ônibus tem direito a até 30kg de bagagem, enquanto no avião são permitidos 28kg. E o excedente de bagagem é cobrado R$1,80 o quilo; no avião, essa taxa varia de R$10,00 a R$50,00 o quilo.
Dentro da mala, iguarias e saudades
Oséas Alves é cearense e mora em Rio das Pedras há 11 anos. Na última terça, dia 10, ele aguardava ansioso, no sol, a chegada de sua esposa, também cearense, que foi passar férias prolongadas de seis meses na terra natal. Além da esposa, o cearense também esperava pelos quilos de rapadura que ela trazia. Segundo Oséas, tem gente que embarca até bode dentro do ônibus, ressaltando que a vantagem da viagem rodoviária é de conservar o gostinho nordestino dos alimentos que veem na mala.
Mas é sobretudo da família que os viajantes dizem mais sentir falta. A esposa de Oséas mora em Rio das Pedras há 10 anos e ainda não se acostumou com a saudade. Valdenir Caetano, diarista, mora na Rocinha há 23 anos, e sempre faz um esforço para ir visitar a família pelo menos duas vezes por ano. Hoje com 63 anos, ela afirma que pretende voltar para a terra natal: “já estou de idade, aqui eu moro sozinha… Eu gosto muito daqui, as coisas são mais fáceis, principalmente conseguir trabalho, mas a velhice será melhor para mim perto da minha família.”
Antônio Gomes e Rosiane Rodrigues são de Guaraciaba do Norte, Ceará. Ele viveu dez anos na Rocinha e ela seis. Os dois vieram no ônibus que faz essa conexão, se conheceram na favela, se casaram, tiveram duas filhas e, no último sábado, dia 7, regressaram para a sua terra de origem. Rosiane migrou para o Rio para acompanhar os pais, que já voltaram há três anos para Guaraciaba. Antônio veio sozinho com o objetivo de juntar dinheiro para comprar uma lanchonete em sua cidade. Atingido o objetivo, casado e com filhas, voltou para tocar o próprio negócio.
Todos os entrevistados contaram que optaram por morar nas favelas porque já tinham parentes instalados lá. Oséas avalia que 90% da população de Rio das Pedras seja nordestina. Valdenir diz o mesmo da Rocinha. “Ás vezes a pessoa não é nascida no nordeste, mas suas raízes todas são de lá”, contou. A maior diferença cultural detectada pelos nordestinos é o movimento de pessoas 24 horas por dia, muito diferente de suas cidades pequenas e pacatas. “Lá as pessoas dormem e acordam cedo, a qualidade de vida é melhor… Em compensação o lado financeiro aqui é muito melhor”, afirmou Oséas. A grande maioria dos entrevistados veio em busca de emprego e pretende voltar um dia para sua cidade.

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