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A vida tragicômica da Favela

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Fotos: Sabença Fotografias
Tudo partiu de um relato de dona Conceição, enquanto aguardava a neta na saída de uma aula de teatro. Ao contar para Márcio Vieira o triste fim de seu filho, vítima do tráfico, ela contribuiu a dar forma a um projeto que o diretor já tinha em mente: a realização de uma peça de teatro ambientada numa favela. O trágico destino dos moradores de comunidades envolvidos com o tráfico de drogas é, certamente, um enredo previsível. Mas, para dona Conceição, a vida nas favelas daria uma peça, não necessariamente trágica. “Eu acabo de enterrar um filho bandido, mas ainda tomo minha cervejinha”, disse na época a senhora.

Conceição, já falecida, inspirou a personagem Jurema, que serve mais ou menos como fio condutor da comédia musical “Favela”, escrita por Rômulo Rodrigues e dirigida por Márcio Vieira. Com mais de vinte artistas em cena, o espetáculo expõe o cotidiano de uma comunidade através de diversas tramas que se misturam: o casal apaixonado desde a infância, a mãe solteira que não para de ter filhos, a família evangélica que reprime a relação amorosa de sua filha e, também, os primos que optam por futuros diferentes, um no tráfico e outro nos estudos. Tudo comentado por Jurema, que passa o espetáculo inteiro bisbilhotando da sua janela o que se passa na comunidade.
“Favela” está na sua última semana em cartaz no João Caetano, onde fica de quinta a domingo. Seus produtores esperam a confirmação de um novo espaço para prorrogar a temporada carioca. As dificuldades que enfrentam lembram às vezes as que vivem seus personagens. “Somos uma peça de sucesso, mas sem dinheiro”, conta Vieira, que diz ainda que a produção de cada temporada é uma luta, já que não há patrocínios. No entanto, a comédia musical conquistou outros tipos de aprovação: em 2012, ganhou o Troféu Ítalo Rossi, na Categoria Especial, da Festa Internacional de Teatro de Angra (FITA). No mesmo evento, Rômulo Rodrigues foi um dos indicados como melhor autor.
Tramas humanas

 

De acordo com os produtores da peça, foram 15 mil espectadores somente nos primeiros quatro meses. Depois de estrear na FITA, o espetáculo passou pelos teatros Fashion Mall e Leblon, além de outras apresentações pontuais. Questionado sobre a razão de a peça ser apresentada, no início, em espaços freqüentados em grande parte pela elite, Rodrigues diz que esses foram os primeiros a aceitar a peça. De acordo com ele, a aprovação pelo público é grande, tanto entre os mais abonados quanto entre os mais pobres. “As situações que acontecem aqui são humanas, não precisariam acontecer necessariamente na favela”, conta Rodrigues, para quem o principal motor do espetáculo é o boca-a-boca do público. Ele não vive em favelas, mas diz que os dois anos de pesquisa o deixam confortável para escrever sobre o tema.
O autor acredita que a aceitação do público se deve em parte ao fato de a favela ser retratada de maneira positiva. Vieira admite: alguns de seus ex-alunos da Central Única das Favelas (CUFA) gostaram da peça, mas outros não se sentiram representados. “Meu papel não é fazer um retrato fiel da realidade, mas um recorte dela”, diz. A operadora de caixa Joana Fernandes, 32, mora na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, assistiu à peça e aprovou. “Gostei muito do espetáculo. É o retrato mais fiel da favela que eu já vi”, afirmou Joana, ao sair de uma sessão no João Caetano.

 

No palco, os atores, de origens e trajetórias variadas, cantam músicas originais e versões. O cenário, de Derô Martin, foi feito em grande parte com sucatas – material que atende tanto à temática quanto às necessidades econômicas e práticas do espetáculo. Martin, assim como Rodrigues e Vieira, recorreu à própria vivência em subúrbios, no caso em Santa Cruz, para preparar seu trabalho. “Neste caso, não dá muito para recorrer aos livros”, contou o cenógrafo.  Se depender de seus realizadores, “Favela” continuará percorrendo a cidade, inclusive o território de seu cenário inspirador: as favelas.

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