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Itaóca reúne lepra, miséria e multinacionais

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Fotos: Assessoria da Deputada Janira Rocha

Os moradores de Itaóca, em São Gonçalo, sofrem há anos com a hanseníase, a miséria e a sede. No ano passado, perderam boa parte de seus empregos com o fechamento do lixão na localidade. Desta vez, a agrura é outra: eles afirmam não ter recebido contrapartidas sociais e econômicas pelas obras relacionadas ao Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). Por isso, cerca de 250 pessoas ocupam, desde segunda-feira, as construções de uma estrada, um porto e um oleoduto que farão parte de um dos maiores empreendimentos da história da Petrobras. A ocupação, que já teve visita do Caveirão, tem prazo indeterminado.

A manifestação é capitaneada pela Cooperativa de Recolhimento de Óleo Pelo Meio Ambiente (Coopema), que afirma ser a última construção a resistir ao traçado das obras da estatal. De acordo com o presidente da cooperativa, Adeir Albino da Silva, conhecido como Nem, muitas pessoas já tiveram que deixar suas casas e receberam indenizações irrisórias. Ele afirma ainda que não houve nenhum diálogo com a população local. O líder comunitário já foi ameaçado diversas vezes e teve o muro da sua casa atingido por balas – a Comissão de Direitos Humanos da OAB denunciou a associação informal de milicianos, contratados para a segurança de grandes empreendimentos na Baía de Guanabara.

Elaine Cristina, esposa de Nem, chama a atenção para a situação da Coopema. “Não pude fechar um serviço com uma empresa estrangeira, pois não sei o que vai ser da nossa cooperativa”, diz. Ela reforça ainda que, com o fechamento do lixão de Itaoca em 2012, em cumprimento à Política Nacional de Resíduos Sólidos, de 2010, a cooperativa se tornou basicamente a única fonte de renda para a população da localidade – fonte esta limitada já que, segundo Nem, os ex-catadores e seus familiares somam cerca de 2 mil pessoas.

Não fosse a miséria e a baixa escolaridade destas pessoas, o próprio Comperj poderia ser uma solução para o problema da empregabilidade. Apesar de atrasos e alterações nas atividades a serem realizadas ali, o Comperj é uma obra de enorme porte (faz parte do Programa de Aceleração do Crescimento do Governo Federal) e, segundo a Petrobras, deve gerar 200 mil empregos diretos e indiretos, durante a fase de obras e operação.

A Petrobras não é, no entanto, o único alvo de reclamações dos ex-catadores de Itaóca. A Haztec Tecnologia e Planejamento Ambiental S.A. administrou por oito anos o lixão de Itaóca e não cumpriu, segundo os catadores, as responsabilidades sociais previstas na Política Nacional da Resíduos Sólidos. Eles reivindicam indenizações semelhantes às concedidas em Jardim Gramacho que, para eles, foram mais beneficiados por terem maior visibilidade. De acordo com o ambientalista Sérgio Ricardo, assessor da Comissão Especial dos Lixões da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), a Haztec também cometeu crimes ambientais na localidade.

Moradores vivem na pobreza extrema

“O governo federal fala de um Brasil sem miséria. Desde quando a miséria acabou? As condições aqui são piores que na África”, comenta Nem, reforçando que em julho, seis pessoas teriam morrido de lepra e inanição na comunidade. Itaóca também sofre com a violência, muito forte na região. Sem água encanada, o chorume muitas vezes é usado como substituto. Sérgio Ricardo salienta a extrema carência do lugar. “Não existe no estado do Rio de Janeiro lugar tão miserável quanto este”, afirmou. O ambientalista reforça ainda que existem diversas alternativas para dar assistência aos catadores de lixões desativados, como o pagamento por serviços ambientais, a concessão de aposentadorias e a criação de empregos na coleta seletiva municipal.

A Comissão Especial dos Lixões, presidida pela deputada Janira Rocha (PSOL), foi criada após manifestação de centenas de catadores na porta da Alerj, no ano passado. Após visita técnica, alguns deputados até propuseram declarar a situação de Itaóca como de calamidade pública – o que não foi levado adiante. Audiências públicas foram feitas com a participação da Haztec e da Prefeitura de São Gonçalo. Foram prometidas, por parte da antiga administradora do lixão, moradias e uma creche e, por parte da prefeitura, habitações do programa Minha Casa Minha Vida – ainda não entregues. Apesar da demora, Nem afirma que a gestão municipal tem dialogado bem com os moradores de Itaóca.

A Prefeitura declarou, através de sua assessoria de imprensa, que a previsão de construção de cerca de duas mil casas no bairro Fazenda dos Mineiros é um dos exemplos da preocupação e disponibilidade do órgão com a população do local. A Haztec, por sua vez, destaca que aguarda a cessão de terrenos por parte da Prefeitura de São Gonçalo para construir as 40 casas e a creche prometidas. Ela acrescenta que investiu cerca de R$3 milhões em projetos sociais no local, como cursos profissionalizantes e atividades educativas e recreativas para crianças. A Petrobras não forneceu uma resposta até o fechamento da reportagem.

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