“Cordel do Alemão” homenageia nordestinos da favela
O filme “Cordel do Alemão”, produzido pelos jovens do grupo artístico cultural Gonzagueando, conta a história de cinco nordestinos, moradores do Complexo do Alemão, que vieram tentar a vida no Rio de Janeiro. A ideia do curta surgiu logo depois que o grupo assistiu ao filme “Gonzaga – de pai para filho”. Maravilhados com a história do Rei do baião, os jovens perceberam que quase todos tinham algo em comum: suas raízes nordestinas. Foi assim que resolveram produzir o “Cordel do Alemão”.
Em um primeiro momento, a equipe teve certa dificuldade para achar pessoas que topassem contar um pouco de sua trajetória para o filme. “Vimos que o povo nordestino é desconfiado” contou Karen Melo, filha de pais nordestinos. Após alguns “bolos”, eles conseguiram os personagens com um jeito “gonzaguear” de ser: “com força de vontade, criatividade e improviso”. Com o roteiro todo alterado nos dias de filmagem e sem apoio financeiro, “apenas com a união e força de vontade”, o grupo conseguiu, em duas semanas, resgatar um pouco da memória nordestina da favela.
Memórias de migrantes
Romildo, o pai de Karen, veio de Pernambuco em busca de emprego e de uma vida melhor. Em oito dias, conseguiu um trabalho no Rio. Quando pôde tirar suas primeiras férias, um ano e meio depois, Romildo voltou para sua terra para se casar, e trouxe com ele sua esposa. Rejane, a moça da tapioca pernambucana, já se adaptou à vida corrida da cidade grande, mas retorna todo ano à sua cidade de origem para visitar a família. Segundo ela, a cada viagem praticamente, ela traz parentes para morar no Rio. Dona Antônia, do Ceará, casou e migrou para acompanhar o marido. No início, não queria vir, pois ouvia dizer que “aqui não é bom para criar filho, favela é perigoso”. Mas sua mãe a convenceu argumentando que “mulher casada tem que acompanhar o marido”. Hoje, ela sente falta do calor nordestino, da liberdade de sair entrando na casa do vizinho e das festas e reuniões que se armavam por qualquer pretexto. Na mesma linha de Dona Antônia, o paraibano Guedes concorda que “aqui a vida é mais particular, mais privada…”. A paraibana Dona Maria é a única que não sente nem um pouco saudades do Nordeste: “foi difícil me acostumar com o ritmo de vida daqui, mas agora só saio de Nova Brasília para o cemitério”. Ela teve 20 filhos, criou 11, que são os que sobreviveram, e educou todos sozinha depois que o marido morreu.
Quase todos vieram para a cidade grande com o mesmo sonho de conseguir um trabalho e uma vida melhor, trazendo com eles o sotaque. Quando perguntados sobre o que mais sentem saudades do Nordeste, a resposta é unânime: da liberdade e da segurança de poder ir e vir a hora que quiserem. As comidas típicas também fazem falta: “baião de dois, tapioca, galinha do molho pardo…”.
Discutindo preconceitos
O filme não está disponível na internet porque ainda irá participar de festivais. Mas seus diretores também acham fundamental que a exibição seja seguida de debate. Todos os filmes do coletivo são projetados no quadro de palestras sobre a favela, o desenvolvimento e a trajetória do Gonzagueando. A primeira exibição do “Cordel do Alemão” foi no Cine Carioca Nova Brasília, no Complexo do Alemão. Na quinta-feira passada (8), o grupo conseguiu ultrapassar as barreiras invisíveis da comunidade e apresentou seu filme na UNIRIO.
De acordo com Karen, “esse foi um trabalho pessoal, também, de autoconhecimento. Pude conhecer muita coisa da história da minha família através da entrevista com meu pai.” Durante o debate na UNIRIO, foi levantada a questão dos estereótipos nordestinos, ainda tão marcantes. “Já perceberam que quem nasce no Ceará é nordestino, quem nasce no Rio é carioca e quem nasce em São Paulo é paulista?”, questionou o professor Armando Neto. O professor também contou como, chegando no Rio, foi perseguido pelos estereótipos habitais – todos queriam conferir o seu sotaque, ou se sabia dançar forró. “Como quebrar as resistências e os estereótipos?”
O “Cordel do Alemão” deu tão certo que o grupo já começou a filmar o “Cordel da Rocinha”. O filme, que será uma continuação do primeiro “Cordel”, irá contar a história dos nordestinos da Rocinha. O lançamento será dia 22 de setembro, quinta-feira, às 13h, na biblioteca C4, Parque da Rocinha (Estrada da Gávea, 454).