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Rocinha prefere saneamento a teleférico

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Saneamento é a prioridade de manifestantes. (Fotos: William de Oliveira)

Saneamento é a prioridade de manifestantes. (Fotos: William de Oliveira)

As manifestações dos últimos dias animaram numeroso grupo de moradores da favela da Rocinha a também levar para a rua, dia 25, agora, sua insatisfação com o projeto anunciado pelo governo do Estado de construir um teleférico no morro. Cerca de mil pessoas ocuparam a avenida Niemeyer com faixas contra o equipamento, previsto no PAC 2, e a favor de obras de saneamento na favela. A prioridade dos moradores foi transmitida ao governador Sérgio Cabral e seu vice, Luiz Fernando Pezão, em reunião nesta sexta-feira, no Palácio Guanabara, quando o governo se comprometeu em realizar as obras de saneamento na favela.

A oposição ao teleférico não nasceu do dia para a noite. Nos últimos tempos, grupos como Rocinha sem Fronteiras, Rocinha SOS Saneamento e Fórum de Cultura, que reúnem antigas lideranças da comunidade, vêm mobilizando moradores contra o projeto, por considerarem o saneamento básico a prioridade Em maio, o movimento convidou o arquiteto Luis Carlos Toledo, vencedor do concurso promovido pelo governo do Estado em 2005 para desenvolver o primeiro plano urbanístico da Rocinha, para debater com a comunidade as prioridades na urbanização.

O encontro foi o primeiro ato contra a construção do teleférico. Toledo acredita que os planos inclinados são o ideal como solução de transporte para a favela. Segundo ele, além do custo muito menor, não esvaziam o comércio local, como acontece com o teleférico que transporta as pessoas pelo alto sem contato com a rua. O ideal seria construir planos inclinados em pontos diferentes da favela para facilitar a circulação da população nos locais de difícil acesso.

Moradores da Rocinha ocupam Avenida Niemeyer

Moradores da Rocinha ocupam Avenida Niemeyer

O arquiteto lembrou que o problema do saneamento básico, preocupação dos moradores, é grave na comunidade: “dos 23.399 domicílios visitados pelo Censo 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 14,5% sequer têm banheiro”. Uma das maiores favelas da América Latina, com população superior à de 92% dos municípios brasileiros, a Rocinha sempre enfrentou problemas, como queda de encostas e enchentes na parte baixa. Em consequência, afirmou Toledo, “os bairros vizinhos sofrem com a falta de canalização adequada do esgoto e drenagem pluvial, decorrente do abandono pelo poder público”.

Investimento de R$ 1,6 bilhão

“Para integrar favelas às cidades, é preciso que urbanização, saneamento básico e prestação de serviços sejam levados a sério. O desafio da pacificação é a remoção dos obstáculos urbanísticos e arquitetônicos, com abertura de ruas para acesso aos serviços públicos e redução dos índices de tuberculose, que correspondem a sete vezes a média nacional (300 casos por 100 mil habitantes). Só a vontade política descolada da realidade das nossas favelas, poderia impor a construção de teleférico na Rocinha como vem sendo dito”, definiu o arquiteto.

Em visita à favela, em maio, o vice-governador, Luiz Fernando Pezão, informou que a Rocinha deverá receber investimento de R$ 1,6 bilhão, para conclusão do PAC 1, iniciado em 2009, e desenvolvimento do PAC 2. O que falta fazer do PAC 1 custará R$ 22,5 milhões e, segundo ele, deverá estar pronto no fim do ano. Nesse pacote de obras estão a construção do plano inclinado; a reurbanização do Caminho dos Boiadeiros, com rede de esgoto e pavimentação de ruas; e a construção de um mercado popular e de uma nova creche.

Reunião define pauta de reivindicações

Reunião define pauta de reivindicações

Ruth Jurberg frisou que o PAC 2 ainda está em elaboração e será discutido com a comunidade: “a Caixa deverá analisar os projetos depois que o ministério das Cidades aprovar o valor total e o governo do Estado assinar o convênio. Teremos várias reuniões com a comunidade. A ideia do vice-governador é apresentar a proposta em uma reunião com lideranças. Depois faremos várias reuniões de debate”. A coordenadora do Trabalho Social no PAC, Ruth Jurberg, informou que a segunda fase do programa prevê investimento de cerca de R$ 1,5 bilhão. Esse dinheiro, disse ela, não vai todo para o teleférico, com seis estações, mas também para a coleta de lixo; a drenagem, esgotamento e abastecimento de água; e a construção de moradias, para realocação de famílias que vivem em áreas de risco, de creches e de novas áreas comerciais.

Não é unanimidade

Apesar da faixa “Teleférico não, saneamento sim” que abriu a manifestação da Niemayer, o assunto é polêmico e divide as opiniões na Rocinha. A agente comunitária de Saúde, Ana Paula Mendes Barbosa, 31 anos, acha que o teleférico será mais bem utilizado na Rocinha, que é mais alta, do que no morro do Alemão, onde já existe. “Aqui dará mais certo até pela movimentação que temos de turistas. Como eles andam pelas vielas, seria ótimo, pois o teleférico daria outra visão”, explicou. Ana Paula lembra os amigos que andaram no teleférico do Alemão e amaram a experiência. Lamenta não ter tido a oportunidade de visitar: “deve ser uma sensação maravilhosa passear pelo alto da comunidade e ver toda a cultura que acontece embaixo”.

Adelson Guedes, presidente da associação Força Nordestina da Rocinha, de 51 anos, diz que no princípio ele era contra o teleférico, mas, repensando, mudou de opinião. Para ele, as pessoas teriam mais facilidade de locomoção na região: “a topografia inclinada desfavorece o trânsito na comunidade. Acredito que o teleférico ajudará os obesos e deficientes físicos a circularem na Rocinha, pois isso deve incentivá-los a sair de casa”. Ele acrescenta que a população será favorável se for consultada antes.

Para muitos moradores, entretanto, a implementação do teleférico não leva em conta outras necessidades básicas da favela, como o saneamento básico. José Martins de Oliveira, agente social, acredita que será um desperdício de dinheiro investir em uma obra grandiosa que não irá beneficiar os moradores. “A Rocinha precisa de saneamento básico, de água, transporte, educação e saúde para todos”, retificou.

José diz ainda que este cenário relembra a história do PAC 1, quando estava prevista a realização de diversas obras de melhorias na comunidade, mas nem todas chegaram a ser

Comunidade quer saúde, segurança e educação

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concluídas. “Hoje, de novo, se fala no teleférico”, lamentou, acrescentando “o governo diz que vai fazer tudo junto, mas já fomos enganados uma vez. Quem garante que será feito? Se o governo quer fazer o teleférico, que o faça depois, quando não houver valas, lixos nas ruas e crianças fora da escola aqui na Rocinha. Aí sim podemos começar a pensar no teleférico”.

A falta de diálogo com as autoridades em relação à construção do teleférico é uma das reclamações de Flávio Pé, produtor cultural de 35 anos. Segundo ele, uma conferência na Câmara Comunitária da Rocinha, realizada em novembro de 2011, reuniu mais de 140 lideranças, agentes sociais e moradores da comunidade. Neste encontro foram definidas três prioridades para a favela: saneamento básico, construção de um centro para juventude e a volta da escola Abelardo Chacrinha. O governo, no entanto, insistiu em levantar a questão do teleférico.

Embora reconheça que foram realizadas melhorias na comunidade nos últimos anos, Pé condena o processo totalmente vertical da tomada de decisão. “Fiquei sabendo da construção do teleférico pela imprensa. Um jornal de grande circulação veiculou que isso seria um projeto tão sonhado pela comunidade. Não sei quem teve esse sonho”, ironizou.

Ele indica o documentário Rocinha 77, que define como os principais problemas da comunidade o saneamento básico, a coleta de lixo, as condições insalubres de moradia e a especulação imobiliária. “Essas são as reivindicações de sempre. Depois de 35 anos, as falas e os debates continuam os mesmos”.

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