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O subúrbio que tem fome

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Foto: Paloma Barreto

Entre seis e oito horas da noite, dezenas de passageiros desembarcam na estação de Marechal Hermes do trem que vem da Central do Brasil. Com pouco dinheiro e muita fome, trabalhadores de todas as partes do subúrbio encontram no centro comercial do bairro da zona norte carioca o local ideal para saciar o apetite de um dia de atividade. De hambúrguer a yakisoba, uma especialidade gastronômica parece atrair o maior número de interessados. A barraca de batata-frita aglomera mais pessoas do que qualquer outro comércio da região ou mesmo as filas de ônibus.

ADM Lanches é o nome do empreendimento que tornou famosa a “batata de Marechal”. O nome que está por trás das três letras em maiúsculo é Ademar de Barros Moreira. Há 27 anos, o comerciante apostou nas margens da estação de trem como o local ideal para estabelecer um ponto de venda de lanches. Ele começou com hambúrguer acompanhado de batata frita, até notar uma demanda diferente por parte dos clientes. “As pessoas começaram a pedir que eu vendesse a batata separada. Foi aí que tive a ideia”, conta Ademar, que hoje possui duas barracas de comida na mesma calçada.   

Foto: Paloma BarretoDividido entre o bate-papo com um amigo e o trabalho no trailer, o dono do estabelecimento revelava um olhar fundo e o rosto suado. Não era para menos. O comerciante mantém o estabelecimento funcionando de segunda a segunda, das quatro da tarde às três e meia da manhã. Junto dele, duas moças revezavam entre si o trabalho com as panelas de fritura e o embrulho dos lanches. Oito pessoas no total trabalhavam na ADM Lanches. O negócio, que já completou 14 anos, vende de 400 a 800 quilos de batata por dia, importadas da Argentina.

Para Ademar, um dos principais motivos para o sucesso do produto é o ponto. “É o melhor do Rio de Janeiro”, destacou. O centro de Marechal Hermes é um local de passagem para muitos trabalhadores da zona oeste e Baixada Fluminense. A quantidade de pessoas varia conforme o dia da semana e o tempo, mas encontrar a ADM Lanches completamente vazia é uma difícil missão.

A fartura também é um elemento crucial para os altos índices de venda. O cliente pode levar quase três quilos de batata, o suficiente para alimentar uma família de quatro pessoas famintas, por apenas R$ 20. A barraca ainda tem porções menores para compreender os mais variados apetites. Cinco, sete, oito, dez, doze, quinze e dezoito são as outras opções dos fregueses de estômago mais humilde.

 Se a abundância é motivo para atrair a clientela, também poderia ser causa de baixos lucros. Não é o caso da ADM Lanches. Ademar afirma que manter o preço popular é uma das formas de agradar e atrair fregueses. “O lucro da batata é muito menor que do hambúrguer (por unidade), mas a quantidade de vendas compensa”, explica o comerciante. O mineiro se sente realizado com o rumo de seu negócio. “Tenho casa própria, carro. Dá para viver bem com o que eu ganho hoje”, avalia.

Fritando e embrulhando

Foto: Paloma BarretoO óleo significativamente escurecido que borbulhava nas panelas recebia as batatas cortadas em tiras e os pedaços de frango descongelados. Cada alimento era colocado em uma peneira, que após algum tempo mergulhadas, eram retiradas da fritura e os ingredientes jogados na bancada do trailer. Enquanto isso, uma das atendentes abria o embrulho de alumínio, o mesmo usado nas famosas “quentinhas”, e despejava bastante comida no recipiente. A vasilha descartável era colocada destampada dentro de um saco de plástico.

“Todos os alimentos deverão ser expostos ao consumo ou venda dentro de vitrines, para evitar a ação contaminante da poeira, de insetos, perdigotos ou da mão do consumidor”. Este trecho retirado do guia do consumidor da Vigilância Sanitária da Prefeitura do Rio de Janeiro é raridade na maior parte das barraquinhas populares espalhadas pela cidade. Na ADM Lanches não é diferente. A batata-frita recém-preparada é colocada em cima do balcão aberto do trailer. O atenuante é que eles são prontamente servidos e não ficam expostos ao ambiente por muito tempo.

O excesso de calorias não é a única crítica que os especialistas em nutrição fariam ao estabelecimento. Eles também não veem com bons olhos a reutilização excessiva do óleo de cozinha. Na ADM Lanches, a coloração um pouco mais escura é um indício do reaproveitamento do óleo além do ideal. Um estudo de Márcio Antônio Mendonça, do Departamento de Nutrição da Universidade de Brasília (UnB), indicou que fritar os alimentos nestas condições produz elementos tóxicos que podem causar doenças degenerativas, cardiovasculares e envelhecimento precoce. A pesquisa também indica que a acidez do óleo aumenta conforme o uso, além do índice de gordura saturada. Mendonça realizou uma análise do óleo de fritura de quatro restaurantes do Distrito Federal.  

O mesmo mostra um estudo de Angélica dos Santos, Henrique Loregian, Jimmy Soares, Alex Brasil e Diego Nunes, do Grupo de Pesquisa em Energias Renováveis e Biocombustíveis (Enerbio). “O aquecimento prolongado leva a polimerização da molécula dos triacilgliceróis, aumentando a viscosidade do óleo e seu índice de acidez. A ingestão de óleos com elevados teores de compostos polares provocam severas irritações do trato gastrointestinal, diarreia e redução no crescimento”, aponta o artigo. Os pesquisadores verificaram a necessidade de uma política de vigilância e regulamentação a cerca do uso do óleo de fritura.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) expõe algumas sugestões para o uso correto do óleo, como  não deixar a temperatura ultrapassar  180 °C, dar preferência a fritar por longos períodos ao invés de utilizar a fritadeira por várias períodos curtos, evitar completar o óleo em uso com óleo novo, filtrar o óleo nos intervalos de uso, Para a Anvisa, o óleo deve ser descartado quando se observar formação de espuma e fumaça durante a fritura, escurecimento intenso de sua coloração e do alimento e percepção de odor e sabor não característicos”. As indicações lembram que o aspecto da fumaça é diferente do vapor naturalmente liberado.

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