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Um ano sem Amarildo

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(Fotos: Tamiris Barcellos)

Após ser abordado por policiais militares da UPP da Rocinha, o pedreiro Amarildo de Souza, de 43 anos, sumiu no dia 14 de julho de 2013. Um ano depois, seu corpo não foi encontrado e 25 policiais militares estão sendo processados por suspeita de envolvimento com o caso – apropriado por movimentos sociais como símbolo da violência policial e do desrespeito aos direitos humanos, sobretudo nas periferias. 

No último domingo, por exemplo, manifestantes (entre eles moradores da Rocinha) realizaram o ato “A festa nos estádios não vale as lágrimas nas favelas”, onde o caso Amarildo foi relembrado. O protesto aconteceu nas proximidades do Maracanã, onde aconteceu a final da Copa do Mundo. 

A repercussão nacional e internacional do desaparecimento teve como catalisador a onda de manifestações que aconteceram no país a partir de junho 2013. Diversos atos foram realizados desde então, sobretudo em datas simbólicas, como o Dia dos Pais e o Dia dos Finados.  Nas redes sociais, o caso também teve grande repercussão, com o uso de hashtags como #cadeoamarildo ou #ondeestáoamarildo.  

Cronologia do caso

A família do pedreiro registrou oficialmente o sumiço de Amarildo no dia 16 de julho. Durante a investigação da Polícia Civil, foram recolhidos depoimentos, escutas telefônicas e imagens de câmeras de segurança. Alguns fatos foram pouco a pouco dificultando a situação dos policiais da UPP: em ligações telefônicas, alguns deles planejaram forjar um assassinato por parte de traficantes de drogas; moradores denunciaram casos antigos de tortura; e um GPS mostrou que a viatura que levava Amarildo saiu da Rocinha, indo para a Zona Portuária e Norte, ao contrário do que alegaram policiais inicialmente.  

No dia 4 de outubro, o Tribunal de Justiça aceitou denúncia do Ministério Público acusando 10 policiais – 18 dias depois, mais 15 policiais foram incluídos. Os réus respondem por crime de tortura, ocultação de cadáver, fraude processual e formação de quadrilha. Atualmente, dos 25 acusados, 13 estão presos. 

Durante o processo, a família de Amarildo passou por problemas financeiros, ao mesmo tempo em que ganhou visibilidade na mídia – a empresária Paula Lavigne organizou um leilão para ajudar a família e o filho do pedreiro, Anderson Dias, iniciou uma carreira como modelo. Somente em 4 de fevereiro, o Tribunal de Justiça declarou a morte presumida de Amarildo – que substitui o atestado de óbito quando não há corpo. 

A família declara ainda desejar realizar um enterro e parece estar desestabilizada de forma significativa com o acontecimento. No dia 30 de junho, a viúva Elizabeth Gomes da Silva ficou desaparecida, tendo sido encontrada 10 dias depois em Cabo Frio. Segundo familiares, Elizabeth entrou em depressão e voltou a consumir drogas depois da morte do marido. 

Amarildo representa contexto social desfavorável

Uma reportagem do Viva Favela mostrou que desaparecimentos fazem parte do cotidiano da Rocinha há anos – uma estimativa dos moradores fala de 200 desaparecimentos em 20 anos. Aliás, desaparecimentos fazem parte da rotina não só da comunidade, mas do estado do Rio de Janeiro: em 2011, o Instituto de Segurança Pública (ISP) contabilizou 5.488 desaparecidos – o equivalente a muitas cidades brasileiras. O estado é campeão do Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Desaparecidos, com 29,83% dos casos. 

Outra matéria mostrou que Amarildo pertencia a um grupo social mais exposto ao risco de desaparecimento: dados dos ISP mostram que em 2010 a maior parte dos desaparecidos tinha ensino fundamental incompleto (40,5%), pertencia ao sexo masculino (59%) e era de cor parda (42,2%). Assalariados de nível médio compõem o segundo grupo com maior número de desaparecimentos por ocupação (19,3%), atrás apenas dos estudantes (27,4%).

Na mesma reportagem, a pesquisadora da ONG Justiça Global, Alice de Marchi, afirmou que o desaparecimento de pessoas em favelas não pode ser dissociado da história e das práticas da ditadura instaurada em 1964. “As práticas que levam ao desaparecimento, em ambos momentos históricos, são semelhantes, envolvendo sequestro, tortura e muitas vezes assassinatos”, apontou.

Após meses de mobilização, as ONGs Meu Rio e Rio da Paz, em conjunto com Jovita Belfort, cuja filha desapareceu em 2004, conquistaram a criação de uma delegacia especializada na localização de pessoas desaparecidas – segundo a Polícia Civil, ela deve ser inaugurada no final deste mês, ou no começo de agosto, na Cidade da Polícia, no Jacaré. 

 

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