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Seminário discute criminalização da pobreza

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O seminário debateu principalmente a questão da redução da maioridade penal. (Fotos: Eli Geovane)

O seminário debateu principalmente a questão da redução da maioridade penal. (Fotos: Eli Geovane)

“A sociedade não pode homologar mais este processo de exclusão de vulneráveis”. Fazendo essa afirmação sobre o projeto de lei da redução da maioridade penal, o desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Siro Darlan, abriu sua fala no seminário “Criminalização da Pobreza sob a Perspectiva dos Direitos Humanos”, ocorrido ontem, dia 8, na PUC-Rio. O evento, organizado pelos alunos do 7º período de Serviço Social da universidade, pretendia discutir três eixos principais: a redução da maioridade penal, o genocídio da juventude negra e o impacto da UPP (Unidades de Polícia Pacificadora) na vida dos moradores das favelas.

Além de Darlan, também integraram a mesa o Doutor em Ciências Sociais e Professor da UERJ e Coronel reformado da Polícia Militar, Jorge da Silva e o morador do Complexo do Alemão e integrante do Coletivo Papo Reto, Raull Santiago.

O projeto de lei 171/93 está em tramitação na Câmara dos Deputados e pretende diminuir a maioridade penal de 18 para 16 anos. Siro Darlan considera que isso é um retrocesso nas conquistas nos campos da sociologia e justiça social, assim como a atual gestão da câmara. “Temos hoje uma sociedade que além de eleger esse congresso conservador, ainda aplaude essas atitudes. O processo de exclusão de crianças e adolescentes é histórico e nos acompanha até hoje. O Brasil tem uma responsabilidade com essas crianças, pois nós já temos um documento que garante o direito desses jovens, que é o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Se não respeitarmos isso, estaremos caminhando para a barbárie”, garantiu.

Darlan aponta ainda que a mobilização pela redução da maioridade penal se beneficia da falta de conhecimento das pessoas sobre as leis, já que ainda há quem acredite que o jovem em conflito com a lei não sofra nenhuma punição. “O adolescente já responde por atos infracionais a partir dos 12 anos. Ele pode ser apreendido pela polícia, denunciado pelo Ministério Público, processado e preso”, explica – e ainda vai além. “Se o Estado não educa e não dá as condições de vida adequadas para estes jovens, o Estado é que é o infrator”.

O Degase (Departamento Geral de Ações Socioeducativas) é o local para onde os jovens em conflito com a lei são encaminhados depois de serem apreendidos cometendo alguma infração mas, assim como as prisões comuns, o sistema também não tem condições de ressocializar estes adolescentes, já que o local é superlotado e não tem infraestrutura. “No Degase não tem nem telefone, não tem Internet, não tem instrumentos mínimos necessários para que estes adolescentes saiam de lá recuperados”.

O coronel Jorge da Silva, que fez sua fala após Darlan, começou sendo taxativo. “Nós temos que dar nome aos bois, não adianta a gente ficar falando ‘o Estado’, ‘a polícia’, ‘o congresso’. Temos que apontar os responsáveis , nomeá-los. A gente culpar ‘o Estado’ é muito abstrato. Temos que começar a responsabilizar os indivíduos”, exalta-se.

“Precisamos falar sobre o racismo”

Antes do seminário, os alunos fizeram uma enquete sobre os principais temas

Antes do seminário, os alunos fizeram uma enquete sobre os principais temas

Silva ainda lembrou não há como abordar assuntos como estes sem antes discutir a questão do racismo. Segundo ele, todos os outros temas tangentes passam pela questão racial, como os homicídios de jovens, a população carcerária, os jovens em conflito com a lei, etc.”Há no Rio de Janeiro uma série de intelectuais e estudiosos de segurança pública e violência. Eles conseguiram se reunir para escrever um livro sobre o tema que sequer toca na questão racial. Como é que pode isso?”, questiona.

Ele citou também o caso do médico Jaime Gold, morto no mês passado após levar uma facada na Lagoa Rodrigo de Freitas. “O primeiro menino foi execrado pela opinião pública antes mesmo do julgamento. Aquela imagem dele sendo carregado pela camisa é um horror. Quando o outro jovem admitiu o crime, o governador Luiz Fernando Pezão se adiantou em dizer que todos eram culpados. E ele, por acaso, é inocente?” ironizou.

Outra reflexão fundamental que acaba se perdendo em maio a tantas discussões, segundo Silva, é sobre os interesses da “bancada da bala”, em querer aprovar essas medidas rapidamente. “No Rio o atalho encontrado para reprimir a população mais pobre foi as drogas. A gente tem que pensar que as pessoas que defendem a redução da maioridade penal são as mesmas que defendem a flexibilização da posse de armas”, atenta.

Comunicação como ferramenta de luta

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Alunos e professores da universidade foram o principal público do evento

Principalmente depois das jornadas de junho, em 2013, ficou claro que as redes socias se tornaram uma ferramenta fundamental para a mobilização social. Raull Santiago garante que através delas os jovens do Complexo do Alemão conseguiram denunciar uma série de violações de direitos, trazendo mais visibilidade para os problemas que eles enfrentam na favela. Mas não é só isso. Através das redes eles também tem a possibilidade de mostrar sua potência sem a necessidade de intermediários. “Através da nossa página do Coletivo Papo Reto, a gente tem a possibilidade de divulgar histórias e de hackear as narrativas, nosso trabalho é uma contra-mídia. Eu sempre falo para as pessoas irem além da primeira página do Google”, aconselha.

Sobre os conflitos que atingiram o Alemão este ano, ele foi categórico. “O que temos hoje é a guerra do ódio pelo ódio. Aquele moleque que está com o fuzil lá no alto do morro, tem uma história, uma família, uma narrativa atrás dele. O policial armado que entra na favela e mata esse moleque, também tem uma história, uma família e uma narrativa. Precisamos falar sobre isso, sobre esse ódio pelo ódio”, reflete.

Educação é solução

Um dos motes da campanha “Amanhecer contra a Redução” é “Mais Escolas Menos Cadeias“, mas o modelo oferecido hoje pela maioria das escolas públicas não contribui para o desenvolvimento dos alunos. Jorge da Silva fala que há uma grande hipocrisia principalmente dos governantes que, quando em campanha, sempre prometem investimentos para esta área. “Todo político e empresário vai falar que é a favor da educação, vai falar que a solução é a educação. Mas na hora de fazer o investimento, eles recuam. Um modelo que nós tínhamos de educação integral para as crianças eram os Cieps (Centros Integrados de Educação Pública) mas hoje eles estão abandonados”.

Darlan falou que a tecnologia deveria ser um grande aliado no aprendizado e que sem isso dificilmente a escola será atrativa para os jovens. “Hoje temos o mundo diante das telas dos nossos smartphones, o modelo ‘cuspe e giz’, onde o professor fica de costas pra turma escrevendo no quadro não funciona mais. A educação é a solução, sem dúvidas, mas que modelo de educação estamos reproduzindo?”, perguntou.

Já Raull fechou o seminário dizendo que quando houver a compreensão de que a favela é quilombo e não senzala, talvez o cenário se torne um pouco mais favorável. “As pessoas ficam dizendo ‘no dia em que o morro descer’ vai acontecer alguma coisa. O morro já desceu! É o morro que acorda cedo todo dia e faz a cidade funcionar. Temos que parar de pensar que a favela está na cidade. A favela é a cidade. Ela não é problema, ela é solução”.

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