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Documentário resgata caso Amarildo

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Divulgação/Festival do RioNo último sábado, dia 27, Marcus Vinícius Soares Heleno, de 17 anos, foi assassinado por policiais em mais uma ação no Complexo do Alemão. Dois dias depois o filme “O Estopim” foi lançado no Festival do Rio. O documentário apresenta justamente esta faceta da violência policial que assola principalmente a população das favelas, tendo como pano de fundo a história do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, que também foi assassinado no ano passado e até hoje não teve seu corpo encontrado.

Dirigido por Rodrigo Mc Niven e realizado de forma totalmente colaborativa, sem recursos públicos ou de editais, o documentário mostra depoimentos da família e amigos de Amarildo, capitaneados por Carlos Eduardo da Silva, conhecido como Duda, que foi um dos primeiros moradores a denunciar as práticas abusivas cometidas pelos policiais da UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) da Rocinha. A coragem de expor o fato colocou o caso Amarildo no centro do debate sobre o papel da polícia, que já vinha sendo discutido por conta de atuação exacerbada durante as manifestações de junho de 2013.

Também partiu de Duda a iniciativa de pegar carona nos protestos que já vinham acontecendo e convocar os moradores da Rocinha para fechar o túnel Zuzu Angel em um dia de semana, em pleno horário do rush. Foi a partir daí que o caso ganhou a atenção da mídia. “A gente queria mesmo chamar a atenção, a gente não podia mais ficar calado, tínhamos que começar a botar a cara”. A ação resultou em uma reunião no dia seguinte com a alta cúpula da segurança pública, que juntou na mesma sala o Secretário José Mariano Beltrame, representantes da comissão dos Direitos Humanos, a família de Amarildo, o Major Edson, principal acusado pela morte e pelo desaparecimento do corpo e Duda. Ele conta que na ocasião expôs para o Secretário todos os problemas que a Rocinha vinha enfrentando desde a ocupação da UPP. “Eu não aguentei. Falei que o Major Edson era um corrupto, falei de todo o esquema que acontecia na Rocinha diretamente para o Beltrame, coloquei o dedo na cara dele”, explica.

Foto: Debora PioMc Leonardo, um dos personagens do documentário, reconhece que a história do Amarildo vir à tona na conjuntura dos protestos contribuiu para que o caso tivesse destaque. “Durante os protestos foi que a playboyzada percebeu como a polícia atuava, mas isso o pessoal da favela sempre soube”. Ele também atenta para o fato de que as práticas atuais da Polícia Militar têm herança na ditadura. “Antes eram os estudantes, os intelectuais que eles matavam. Há anos a história vem se repetindo na favela, só que não tem a mesma visibilidade. Diariamente dezesseis pessoas desaparecem nas favelas, o caso do Amarildo infelizmente está longe de ser o único”, garante.

Mudança no sistema é urgente
O filme procura retratar a urgência de uma mudança estrutural na política de segurança pública do Estado, que instala UPPs sem oferecer outros serviços como cultura, esporte, lazer e educação à população. Leonardo reitera que este tipo de política não tem a menor chance de funcionar em lugar nenhum do mundo. “O favelado só conhece o IML (Instituto Médico Legal), o hospital, a delegacia e o Batalhão de Polícia. Isso precisa mudar. Se UPP significasse Unidade de Políticas Públicas, tudo bem, mas não é o que acontece. Militarizar a favela não melhora a vida de ninguém”, argumenta.
Mc Niven diz que o documentário também quis mostrar o “lado de dentro” da história, contada pelos afetados pelo caso, sem a versão “oficial” da polícia, que costuma ser veiculada pela imprensa. “Os veículos de comunicação tradicionais são empresas, que servem a determinados clientes. No andamento deste caso ficaram claras estas contradições: enquanto na Internet as filmagens feitas com celulares mostravam uma coisa, a imprensa falava outra. Acho que cada vez mais o monopólio está saindo da mão da grande mídia”, observa.

Foto: Luiza AndradeOutro personagem do documentário, Orlando Zaccone, à época delegado titular da 15º DP (Gávea) e encarregado da investigação do caso, também fala sobre o papel que a mídia desempenhou durante a cobertura. “O Amarildo não tinha nenhuma ligação com o tráfico, mas houve um grande esforço em associar a morte dele aos traficantes. Havia um desejo da imprensa de que isso fosse verdade”, afirma.

Duda, que sofreu diversas ameaças ao denunciar os policiais, diz que depois de assistir ao filme pronto ficou com a sensação de dever cumprido: “O documentário mostrou a verdadeira história, eu cumpri com meu papel. Se eu tiver que pagar com a minha própria vida, que pelo menos sirva de exemplo. Eu virei uma espécie de ‘prefeito’ da Rocinha. Agora as pessoas me procuram para fazer todo tipo de reclamações”, diz ele com orgulho.

A estreia oficial de “O Estopim” ainda não está marcada, mas Mc Niven garante que sessão de estreia sem dúvida será na Rocinha e que a expectativa da equipe é grande. “Lá temos que promover uma sessão de gala”, brinca. Depois, o filme fará um circuito nas favelas e a ideia é sempre procurar promover debates sobre a questão da segurança nas comunidades.

 

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