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Supervia segue fora dos trilhos

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Fotos: Deborah Athila

Apesar de um investimento de R$600 milhões nos últimos três anos, com a compra de novos trens e sistema de sinalização, problemas antigos continuam atrapalhando o cotidiano dos usuários de trens na região metropolitana do Rio de Janeiro. Os atrasos ainda são frequentes, os vagões lotados e a comunicação precária. Todo este contexto frequentemente leva a incidentes como descarrilamentos – só em 2014, a agência reguladora estadual Agetransp documentou 86 incidentes no sistema operacional da Supervia, concessioária do sistema.

Em nota, a empresa destaca que o número de falhas teria sido reduzido de 1.611, em 2011, para 600, em 2013. No entanto, esses incidentes continuam colocando à prova o sistema de trens e a segurança dos usuários. Em 10 de março, a empregada doméstica Jussara de Souza presenciou o descarrilamento de um trem no ramal Japeri. “O trem quase virou. Tivemos que saltar e andar até Deodoro. Ninguém nos falou o que deveríamos fazer no momento, e a passagem não foi ressarcida. Para mim, o serviço prestado é nota zero”, afirma, lembrando de atrasos quase diários.

Onze dias depois, a coordenadora de equipes Paula Paura voltou para casa, em Santa Cruz, com oito pontos no dedo e uma fissura no tendão. O trem estava cheio e, ao ser empurrada, tentou se segurar na porta do vagão, que fechou. Ela caiu no vão entre o trem e a plataforma da Central do Brasil, mas seus dedos continuaram presos.

A partir daí, Paula relata muita lentidão no atendimento. “Demorou muito para que a porta fosse liberada. Só para aparecer uma cadeira de rodas levou 30 minutos. Depois de me levarem para uma sala e fazerem perguntas, disseram que a ambulância demoraria de 25 a 45 minutos. Acabei indo para o hospital por conta própria”, conta. Ela ainda voltou para a Central para fazer uma ocorrência, mas o delegado informou que não havia crime no episódio. De acordo com a assessoria de imprensa da Supervia, os agentes de segurança estão capacitados para prestar os primeiros socorros aos passageiros.

Controle da qualidade do serviço também é parte do problema 

A peregrinação de Paula para registrar sua insatisfação é resultado da falta de comunicação entre usuários, concessionários e órgãos públicos. A Agetransp declarou, em nota, que estão sendo feitos estudos para aumentar a atuação da ouvidoria nos diversos sistemas de transporte que a empresa regula e fiscaliza. A agência afirmou que, entre os projetos em análise, está a criação de um perfil nas redes sociais, o desenvolvimento de aplicativos para smartphones e a criação de uma ouvidoria móvel.

Por enquanto, a vistoria da Agetransp é “muito falha”, na opinião do jornalista Fernando Borges. “Muitas vezes o trem apresenta problemas visíveis, ou as pessoas reclamam do atraso, mas eles não anotam nenhuma ocorrência”, diz ele, usuário do ramal Saracuruna. Em seu dia-a-dia, os atrasos são constantes. “Às vezes, um trem que está marcado para sair às 14h sai às 15h, o que me faz ter que chegar na estação muito antes, para evitar me atrasar. Nos finais de semana, os atrasos são ainda maiores. Eu já cheguei a ficar 2h esperando o trem, já perdi uma entrevista de emprego por não conseguir chegar a tempo e já fiquei parado no trem por causa de chuva, sem ter informação de como proceder. É revoltante”, resume.

Atrasos constantes também alteram a rotina de Roseni Teófilo, empregada doméstica que, como Jussara de Souza, presenciou  o descarrilamento de 10 de março. “Eu vou em pé no trem todo dia de Japeri até a Central, durante 1h. Se eu tenho que chegar ao meu trabalho às 7h, eu saio de casa às 4h, já contando as margens do atraso”, reclama.

Paulo Tarso Ferreira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores das Empresas Ferroviárias do Rio de Janeiro, espera que o tempo de intervalo entre um trem e outro diminua com a chegada de novos trens – o que é prometido pela empresa. Ele diz que os investimentos no sistema ferroviário devem ser realizados com urgência. “É preciso que haja mais interesse do governo com os transportes de passageiros no Rio de Janeiro”, afirma Ferreira.

Comunicação falha, falta de educação dos usuários e acessibilidade problemática 

Além dos atrasos, as falhas na comunicação da Supervia são evidentes até para um passageiro de primeira viagem. As plataformas de embarque mudam constantemente, o que muitas vezes é informado no boca-a-boca pelos próprios passageiros, e as estações são mal sinalizadas. Patrícia Tonassi lembra, além deste problema, da falta de colaboração dos usuários. “Nos vagões, vejo muita falta de educação. Muitos homens se aproveitam das mulheres e muitas pessoas não cedem o lugar aos mais velhos”, conta a funcionária da Aeronáutica.

Em sua estação de destino, Madureira, as escadas rolantes não estavam funcionando, o que obrigou idosos e pessoas com dificuldade física a subirem em escadas normais. Para cadeirantes, não havia elevador. De acordo com Patrícia, no ramal de Deodoro (local que vai receber um complexo esportivo nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016), apenas a estação do Méier possui acesso para cadeirante.

Em nota, a Supervia afirmou que as estações foram, em sua maioria, construídas há mais de um século, e por isso não contam com acessibilidade plena. A empresa prevê investir R$ 376 milhões em reformas para adaptar tornar os vagões e as plataformas acessíveis para pessoas com deficiência física até 2020.

Um histórico de problemas

Para Alexandre Rojas, especialista em Engenharia de Transportes, o número de incidentes nos trens tem relação com a falta de investimentos significativos durante décadas no sistema de transporte ferroviário do Rio de Janeiro. Segundo ele, os investimentos do atual governo são uma tentativa de recuperar em pouco tempo o descaso de muitos governos. “Atualmente, o sistema começa a melhorar, mas ainda apresenta aspectos de um passado onde o conforto e atendimento ao passageiro eram colocados em segundo plano”, afirmou.

Rojas afirma que os investimentos estão sendo direcionados corretamente, priorizando a segurança operacional da via.  De acordo com o especialista, o mais importante é haver, por parte da empresa gestora, o desejo de atender melhor a população. “Falta informação ao passageiro e o relacionamento dos agentes com a população não pode ser considerado bom”, lembra o engenheiro.

O sistema ferroviário no Rio de Janeiro foi privatizado em 1998 e, desde então, é administrado pela Supervia. Desde 2011, a concessionária é administrada, por sua vez, pela Odebrecht Transport. Inicialmente, a concessão duraria até 2023, mas em 2010, a Agetransp estendeu o contrato para o ano de 2048.

 

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