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Museu da Maré abre com nova exposição

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Fotos: Rosilene Miliotti

A exposição permanente “Os tempos da Maré”, que completou sete anos em maio, reabriu no último sábado, 30, após uma reformulação. Com a nova roupagem, o foco tornou-se mais visual, dando espaço aos objetos trazidos pelos moradores: imagens, documentos, brinquedos e até álbuns de fotos compõem grande parte do acervo. A originalidade do museu está nesta abordagem participativa, que transforma em patrimônio as memórias e as tradições dos habitantes da Maré. 

“Época boa”, diz com saudade Walter Cidre Ribeiro, morador do Morro do Timbau, ao se deparar com um carrinho de rolimã. “Meu filho não ia conseguir viver nessa época, sem energia, computador. Ver essas fotos e objetos da Maré da minha infância, me fez reviver esse tempo e é bom para mostrar aos meus filhos como era nossa vida aqui”, opina Walter. O visitante revela que ajudou nas obras do aterro da região, construiu casas e carregou rola-rolas, os tonéis cheios d’água que os moradores usavam para se abastecer. Para Walter, antes a vida era melhor. A violência, que já existia, não era a mesma de hoje. Crianças ficavam na rua o dia todo, enquanto hoje os pais têm que levá-las consigo em suas atividades ou deixá-las trancadas dentro de casa.
Para a paraibana Eliane Cidre Ribeiro, esposa de Walter, tudo neste tempo lembra a sua terra. “Tenho saudade da inocência daquela época. Hoje, com todo o acesso à tecnologia, nossos filhos não têm a mesma qualidade de vida que nós tínhamos quando crianças”, conclui.
Um museu de memórias 
Claudia Rose Ribeiro da Silva, coordenadora geral do Museu da Maré e ex-moradora da Baixa do Sapateiro, explica que a ideia continua a mesma. “Recebemos muitas doações, mas mesmo assim não colocamos tudo que recebemos na exposição. Muitos moradores cobram ‘cadê aquele objeto que eu dei? Cadê a foto da minha família? ’ Vamos colocar aos poucos” explica a coordenadora. Através este trabalho, o que está em jogo é a patrimonialização do cotidiano e dos conhecimentos da comunidade. “Estamos trabalhando na perspectiva de objeto como referência dessa comunidade. O que a comunidade tem de bem material que está na família, que tem um valor afetivo e que pode estar em um museu? Por que só pode estar no museu a pena que a Princesa Isabel usou para assinar a Lei Áurea ou a coroa de D. Pedro II?” questiona a profissional.
O alfaiate Atanásio Amorim, 83 anos, também da Baixa do Sapateiro, doou fotos de seu dia a dia de trabalho. Mas Atanásio, que exerce sua profissão há 70 anos, não sente saudades de nada. “A única coisa que tenho é constrangimento de viver em um lugar que as pessoas de fora da Maré olham com preconceito. Eu entendo todas elas e não tiro a razão deles. Mas eu que necessito do trabalho, vou até os clientes. Há cerca de 15 dias, um cliente veio na minha casa pela primeira vez. Foi quando uns homens passaram armados. Aí ele disse ‘se você quiser continuar me tendo como cliente, você vai na minha casa ou na minha repartição, mas aqui eu não venho nunca mais’. Esse é o único desgosto que tenho de morar na favela, mas eu gosto daqui e não vou sair por causa disso”, conta o alfaiate, morador da Maré há 59 anos.
Claudia diz que a equipe do museu faz um trabalho com os moradores a partir de reuniões, atividades e oficinas sobre memória, incentivando a doação de objetos. “Temos dois tipo de abordagem. Numa a gente fala sobre a doação e o projeto e as pessoas vêem doar. Na segunda a gente tem que seduzir. Temos que explicar, trazer a pessoa conhecer a exposição. Aí sim ela desapegar do objeto”, brinca.
Tradições resgatadas
Um exemplo de tradição e memória que o museu ajudou a conservar é o da família Jaqueta, do Morro do Timbau. Esta antiga família de pescadores promovia todos os anos, junto com outros pescadores da comunidade, a procissão marítima de São Pedro. Com o passar do tempo e as mudanças sócio-econômicas na Maré, a procissão acabou e a festa ficou reduzida a um sopão, distribuído na comunidade todo dia 29 de junho.
Com o falecimento dos ex-pescadores a tradição do sopão também acabou… mas entrou no museu. Um dos filhos da família, Sergio Jaqueta, construiu um barco para o museu e sua irmã, Eliana Jaqueta, doou a imagem de São Pedro que era carregada nas procissões e estava na família há muito tempo. “Lembro que no dia que ela ia entregar, ela ficou abraçada com a imagem e na dúvida se dava ao não. ‘Não sei se dou, mas eu acho que o melhor lugar para ela estar é no Museu’, e acabou doando”, recorda Claudia. Mas a imagem de São Pedro atualmente na exposição não é a original – a peça, que está no acervo desde o início, está sendo restaurada.
Este resgate de tradições é realizado em conjunto com a comunidade. “Aqui a comunidade participa de tudo. O barraco, por exemplo, só foi possível porque um grupo de moradores, que na época das palafitas participavam dos mutirões para construir os barracos, sabia como fazer. E quando viram o lugar disseram ‘aqui é fácil construir, não tem que colocar madeira na lama’. E na hora de decorar o barraco, vieram mulheres que moravam nas palafitas e iam indicando o que e como colocar”.
Para a coordenadora, o diferencial da exposição permanente é que ela comunica esta afetividade para pessoas de todos os lugares, não só para o morador da Maré. “Todos que visitam a exposição reconhecem coisas, situações que têm a ver com o cotidiano seja de onde for. Os objetos são simples, mas universais e afetivos”.
A visita à exposição pode ser feita de segunda a sábado, das 9h às 18h. Para agendar visitas guiadas para grupos ligue para 3868-6748

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