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A incansável luta das mulheres negras

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No dia 20 de novembro é celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra no Brasil. Nessa mesma data, em 1695, Zumbi dos Palmares, último líder do Quilombo dos Palmares (um dos mais importantes do período colonial), foi morto. 125 anos após a abolição da escravatura, a inserção do povo negro e, mais especificamente, da mulher negra na sociedade brasileira, continua dificultada pelos resquícios desta desigualdade histórica, sobre a qual a data comemorativa convida a refletir.

Os índices do IBGE de agosto de 2013, referentes à taxa de desemprego em percentual da população economicamente ativa, refletem esta desigualdade no mercado de trabalho. Os desempregados representam 6,4% da população negra, contra 4,3% da população branca. No recorte por gênero, o desemprego atinge 8% das mulheres negras, contra 5% das mulheres brancas, 5% dos homens negros e 3,7% dos homens brancos.
Foto: arquivo pessoalPara a professora de Direito da PUC-Rio Thula Pires, 33 anos, os indicadores mostram que o lugar social da mulher negra ainda é um lugar subalterno. “As mulheres negras representam a mais alta taxa de analfabetismo e desemprego e o mais baixo índice de empregos formais (públicos ou privados) não domésticos”, alerta Thula, que teve “uma trajetória que não espelha, nem de longe, a trajetória da mulher negra brasileira.” Thula estudou em escolas particulares e fez graduação na PUC-Rio, universidade também privada.
Tia Gaúcha, 72 anos, presidente do Conselho de Mulheres da Zona Oeste (COMZO), tem uma trajetória mais próxima da realidade da maioria das mulheres negras brasileiras. Ela veio do Rio Grande do Sul, com o marido, para “tentar a vida” no Rio. Logo de cara, engravidou e teve oito filhos, embora apenas seis tenham sobrevivido. Durante o primeiro ano no Rio, chegou a passar noites na rua, mesmo grávida, por não ter onde dormir, até conseguir seu primeiro emprego como doméstica.
A presidente do COMZO estudou até a 8ª série e gosta muito de ler, para se informar. Junto com o marido, já moraram na Cidade de Deus, em Realengo, em Bangu e em Santa Cruz, onde se estabaleceram há 22 anos. O marido de tia Gaúcha faleceu quando o filho mais velho do casal tinha 16 anos. Sozinha, teve que trabalhar duro para criar e sustentar os seis filhos, acumulando os afazeres da casa com a jornada de trabalho em casas de família, profissão que ocupou quase a vida inteira.
Foto: Thathiana GurgelA “Gaúcha de Atitude”, como é conhecida nas redes sociais “porque quando tem que falar, falo mesmo”, lutou a vida inteira e passou por cima de muita afronta racial. Quando adolescente, seu sonho era ser cantora. Ao participar do concurso de uma rádio, ouviu sem querer o júri falando: “essa negrinha canta bem, mas é muito feia para representar o Rio Grande do Sul”. Tia Gaúcha conta que esse foi um dos maiores traumas de sua vida, mas que só serviu para estimulá-la a provar o seu valor. Hoje, sua luta é pelo fim da violência contra a mulher e pela autonomia das mulheres.“Isolamento racial” em universidades e categorias profissionais

Quando a formação acadêmica é um empecilho, a qualificação profissional também se torna um. Thula aponta para uma das graves discriminações da sociedade brasileira: “o funil representado pelo ensino superior demonstra seu elitismo e caráter excludente”. A professora atenta, citando o Fichário das Desigualdades Raciais do LAESER/UFRJ, que a taxa de escolaridade dos jovens brasileiros segundo grupos de raça ou cor em 2008, para a assimetria que surge entre negros e brancos escolarizados: ela é de menos de 1 % no ensino fundamental, de 19% no ensino médio e passa para 23% no ensino superior. “Na última década, porém, tivemos um salto quantitativo no ensino superior que pode ser creditado aos programas de ação afirmativa de corte sócio-racial implementados em maior escala tanto em instituições de ensino públicas quanto nas privadas.” Mesmo com esses programas, todavia, esse ano a USP não teve calouro negro nas três carreiras mais concorridas da faculdade: publicidade e propaganda, engenharia civil e medicina.
Estas desigualdades criam, dentro de algumas profissões, uma situação de isolamento racial. Thula contou que ouve com certa regularidade comentários como: “você não tem o perfil de professora de Direito!”. Para a professora, no seu caso, este isolamento não aparece apenas na carreira acadêmica, mas nas profissões jurídicas de modo geral. Apenas a título de exemplo, nos TRT (Tribunais Regionais do Trabalho) existem 487 juízes ao todo, sendo que 202 são mulheres, e destas apenas cinco são negras. Nos TRF (Tribunais Regionais Federais), são 145 juízes ao todo, sendo que 38 são mulheres, e destas apenas duas são negras. Nos Tribunais Superiores, existem 82 ministros ao todo, sendo que 14 são mulheres e não há nenhuma ministra negra.
Foto: arquivo pessoalFernanda Martins, 22 anos, está no 8° período de Serviço Social na PUC-Rio. Também moradora de Santa Cruz, ela diz que escolheu o curso porque “admira o papel do profissional perante a sociedade e o indivíduo, trabalhando na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, além de contribuir para que o indivíduo saiba seus direitos e deveres e tenha autonomia para ser sujeito de sua história.” Um caminho para combater a opressão? Fernanda acredita que a educação seja o caminho básico para essa transformação, e é essa área que sonha seguir.

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