Single Blog Title

This is a single blog caption

Márcia, 75, militante por opção e natureza

Share on Facebook0Tweet about this on Twitter

Se há algo que não falta à goianiense Márcia Vera Vasconcelos é militância. Para isso já percorreu meio Brasil em seus 75 anos de vida, mas nos tempos mais recentes escolheu o Rio de Janeiro como seu lugar de moradia e luta política. Atual presidente da Federação das Associações de Moradores do Município do Rio de Janeiro (FAM-Rio) e da Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro (Famerj), Márcia mora na Cruzada, conjunto habitacional na divisa entre Leblon e Ipanema idealizado por Dom Hélder Câmara. Ali, tendo como moldura o metro quadrado mais caro da cidade, fundou uma associação de moradores – forma de organização que considera fundamental para o bom funcionamento da cidade.

Em entrevista na sede da Famerj, Márcia contou ao Viva Favela um pouco da vida pessoal (é mãe de dois filhos e avó de dois netos), opinou sobre o lugar das periferias na cidade e defendeu a necessidade de os movimentos estabelecidos participarem da onda de mobilização popular iniciada em junho, com o Movimento Passe Livre.

 

Foto: Mariana AlvimViva Favela: Como começou a sua militância?

Márcia Vera Vasconcelos: Sou de uma família católica e comecei, desde criança, a militar na própria Igreja. Participava de todas as atividades paroquiais. Na Universidade Católica de Goiânia, atual PUC, me envolvi com o movimento estudantil em 1964, mais ou menos. Eu era estudante de Serviço Social, dirigente do Centro Acadêmico e entrei para o Grupo de Ação Popular. Porém, com a ditadura, minha atuação em Goiás foi interrompida e eu tive que fugir para outro lugar do país. A repressão era dura e havia processo contra mim.

Para onde você foi?

Inicialmente para São Paulo e posteriormente para Pernambuco e Ceará. No Nordeste, trabalhei articulando os operários e tive que mudar de nome. Lá, fui Maria Cristina.

Quando e por que veio para o Rio de Janeiro?

Me desliguei do Ação Popular por discordar dos rumos. Não podia voltar para Goiânia pois ainda não estava anistiada. Como  tinha uma irmã aqui, vim em 1974. Durante três anos, fiquei no Morro da Formiga e depois fui para a Cruzada, no Leblon.

Morar em comunidades foi opção ou necessidade financeira?

Foi uma opção. Eu achava interessante estar perto da população para participar, e não só falar dela.

Para você, qual é o lugar das favelas hoje na cidade?

Apesar de algumas mudanças, as favelas continuam mais ou menos na situação em que sempre estiveram. Os grandes problemas continuam, como o esgoto a céu aberto e a falta de segurança. Antes de alguns programas governamentais, as favelas nem apareciam no mapa, era como se não existissem. Com o “Favela Bairro”, na década de 90, começaram a ganhar endereço, o que continuou com projetos como as UPPs. Em 1981, a prefeitura organizou o simpósio “Favela: problema ou solução?”. Chegamos à conclusão de que é uma solução, porque é quem dá vida à cidade e a faz se mover. A massa trabalhadora precisou encontrar um lugar para viver, e a solução foram as favelas.

O que você pensa de projetos oficiais de habitação e urbanização?

No caso do “Favela Bairro”, era uma transformação muito paliativa – pintava-se a entrada da comunidade e isso era basicamente tudo. O “Minha Casa, Minha Vida”, enfrenta o grande problema de não ser democrático, pois as construtoras não têm interesse em fazer prédios para famílias que ganhem até três salários mínimos. Até quando conquista um programa de habitação o povo sofre, pois as construtoras querem lucrar,  fazem casas pequenas e com material de má qualidade. Já as UPPs têm o problema de entrarem nas favelas com policiais truculentos, com a força do estado. No fundo os grandes problemas continuam. O que está acontecendo agora com o projeto “Porto Maravilha” é o que acontecia décadas atrás com as remoções no Centro do Rio. Havia muitas ocupações na região portuária, pois ali há muitos prédios públicos, da época em que o Rio era capital do país. Se a prefeitura quisesse, poderia reformar esses prédios e mantê-los como moradia das pessoas que já estão lá. Mas eles estão mais interessados em construir espigão.

Quais são as maiores carências desses lugares?

Atrás de toda política paliativa, deve ter políticas públicas. O Rio continua sendo uma cidade partida no que diz respeito a direitos básicos, como mobilidade, saúde e educação. Quando sento numa praça em Copacabana, olho para todos aqueles ônibus e penso: “Que cidade maravilhosa! Daqui você tem transporte para qualquer lugar da cidade”. Mas, quando faço o mesmo em Vila Valqueire ou Jacarepaguá, fico esperando duas horas pelo ônibus.

É possível traçar um perfil dos líderes comunitários, que tocam as associações de moradores da FAM-Rio ou da FAMERJ?

A maioria desses líderes trabalha de forma voluntária mas, infelizmente, acontecem esquemas de pagamento entre alguns deles e políticos que desejam manter a influência na área. Nos anos 90, aconteceu uma certa “feudalização” na cidade: vereadores e deputados estabeleceram influência em áreas específicas e passaram a dominá-las politicamente. Existem, porém, muitos líderes que têm atuação legítima, que querem realmente ajudar e organizar a comunidade, além de prezarem por processos democráticos em seus locais de atuação.

Quais é o principal desafio das associações de moradores atualmente?

Cativar os moradores, mantendo-os próximos, interessados e crédulos no trabalho comunitário. As associações têm que se organizar, se abrir às pessoas e conversar bastante para dar certo. Se derem certo, toda a cidade flui, pois as associações são células importantíssimas da cidade. Elas têm a capacidade de monitorar o entorno de uma localidade. E se você ensina o povo a se organizar, as coisas mudam, pois o poder público tem ojeriza às reivindicações populares. Se eu não acreditasse nisso, não estaria aqui.

Estaria em casa descansando?

Eu acho muito melhor estar aqui! Aqui eu conheço um monte de gente e vou para vários lugares. Estar com as pessoas e andar é o que me dá prazer. E eu acho que estou fazendo uma coisa boa né? A minha tarefa é organizar o povo e, por isso, estamos trabalhando para ter uma melhor inserção nessas mobilizações que começaram em junho. Nós somos um movimento popular, então por que estamos no rabo, e não na frente das manifestações?

Você foi às manifestações?

Sim, a todas. Sempre fui a manifestações. Sou militante por opção.

Deixe uma resposta

Parceiros