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#22 Favela é cidade

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A história da favela com a cidade sempre foi de negação da existência da favela como parte da cidade. Em tempos recentes, a favela é o lugar a ser civilizado com a pacificação. Estes dois momentos (negação e pacificação) fazem parte da minha história e da minha prática na cidade. O primeiro eu vivi enquanto morava na Rocinha, quanto ao segundo, acompanho e reflito sobre o desenrolar do projeto de pacificação de algumas favelas.

Quando recebi o convite para escrever o editorial da revista, fiquei feliz, mas ao mesmo tempo angustiado de falar sobre um tema que tanto mexe com minhas lembranças. Pensei sobre as diferentes práticas que criam o antagonismo entre a favela e a cidade. O discurso da comunidade carente é uma prática que forma uma imagem da favela como o lugar da necessidade. A favela é tida como um lugar que precisa ser mudado porque, da maneira como é, ela incomoda a cidade, fere a estética de cidade moderna.

Mas a questão entre favela e cidade está para além do discurso ou das diversas teses que tentam decifrar uma relação que, a meu ver, permanece a mesma desde 1897. Quando a primeira favela, Providência, surgiu no cenário da cidade (para nunca mais sair), ela estabeleceu uma marca de diversidade que é constitutiva da própria cidade. O Rio é geograficamente diverso, localizado entre mar e montanha, entre lagoa e floresta. Como poderia ser esperado de uma cidade dessa algo diferente da diversidade? É a diversidade que produz tanta beleza e cultura.

O poder da elite política tentou determinar como seria a estética padrão da cidade maravilhosa: uma Paris nos trópicos. A busca da padronização da estética moderna é uma tentativa de copiar os modelos de cidades europeias, ignorando as particularidades culturais do Rio de Janeiro. Nosso passado colonial ainda é muito presente nesta nova, porém velha forma de praticar a cidade. Parece que a Corte volta ao Rio para fincar seus princípios de nobreza e subjugar o restante do povo aos seus caprichos.

Ressalto, aqui, que praticar a cidade é viver a cidade, experimentá-la em sua totalidade, sob diversas óticas. O que acontece é que a favela parece não ser bem vinda na prática da cidade do Rio de Janeiro.

A cidade antiga já foi posta a baixo uma vez, o centro do Rio passou por uma transformação radical e a Prefeitura da época promoveu uma faxina estética, retirando as casas de aluguel, os prédios antigos e tudo mais que contaminava a ideia de Pereira Passos de construir uma cidade moderna. Os pobres foram expulsos do caminho das máquinas e do progresso. Era preciso criar um novo ambiente para impressionar os visitantes estrangeiros e satisfazer o desejo de uma elite que olhava para um espelho importado. O desenho do Rio de Janeiro excluiu da moldura tudo aquilo que não era considerado belo: as favelas, o subúrbio, as pessoas que manchavam a imagem da cidade maravilhosa.

Anos passaram e as diversas tentativas de excluir as favelas da paisagem da cidade não deram certo. A política de remoção fracassou e serviu para que as favelas se organizassem em um movimento em prol do direito de ser parte da cidade. Os moradores continuam a luta para consolidar a favela como parte da cidade do Rio. Você consegue imaginar a Rocinha sem a vizinhança de São Conrado e Gávea?

O Vidigal é a porta de entrada para o Leblon; Pavão-Pavãozinho e Cantagalo têm muitas garotas de Ipanema; Tabajaras e Cabritos, Chapéu Mangueira e Babilônia fazem de Copacabana a princesinha do mar. Cidade de Deus, Rio das Pedras, Gardênia, Muzema, Terreirão e Curicica são os pulmões da Barra da Tijuca e Recreio. Providência, São Carlos e todo o conjunto de Santa Tereza compõe a paisagem do Centro da Cidade; Mangueira, Morro dos Macacos, Turano, Borel, Formiga e Salgueiro são o celeiro cultural da Tijuca e de Vila Isabel. Alemão em Bonsucesso, e Vila Cruzeiro na Penha e marcam presença do subúrbio na cidade.

Esse lugar chamado favela tem na sua essência uma potência cultural que movimenta a metrópole do Rio. O samba nasceu nos batuques dos terreiros, no alto dos morros e se tornou a maior manifestação cultural da cidade. São os batuqueiros das favelas que dão ritmo à cidade. O Rio não seria tão alegre e acolhedor sem as suas favelas. A criatividade e ousadia do funk nasceu nos bailes das favelas.

A única batalha que deve se manter nas favelas é a da dança do passinho, entre jovens que desafiam as leis da física. As favelas são criativas pela sua gente, as favelas têm uma estética cultural e social que é sua essência, as favelas são diferentes entre si e diferentes dos bairros. As favelas são essência também da cidade. Sem as favelas o Rio de Janeiro seria chato demais!

A questão da separação social vai além da diversidade estética da cidade.

Precisamos ter uma prática diferente para eliminar o preconceito com relação às favelas. Não podemos aceitar que a vida nas favelas seja organizada por homens armados. As favelas precisam ter seu direito legal reconhecido como lugar na cidade, como parte essencial do projeto de cidade. As favelas não podem continuar sendo vistas como lugares à parte da cidade, e em processo de civilização. No meu entendimento, a Rocinha não quer ser Gávea ou São Conrado. As favelas são, de fato, lugares diferentes de outros lugares na cidade, mas devem ser tratadas com os mesmos direitos do conjunto da cidade.

Movido por um sentimento de pertencimento e de desejo de circular pela cidade, ou seja, de praticá-la, eu subverti o preconceito da cidade em relação ao meu lugar de origem e transformei-o num objeto de desejo. Passei a contar a história da favela da Rocinha, de seus personagens, passei a contar a minha história na cidade. Foi assim que comecei a praticar a favela como lugar na cidade – e convido todos vocês a fazerem o mesmo.

Por José Luiz Sousa Lima.

 

Conjuntura
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