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Entrevista com Paulo Storani: as UPPs em questão

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O ex-comandante do Bope, em conversa com a Redação, fala sobre as UPPs, política de drogas e estratégias integradas de segurança pública.


O ex-capitão do Bope Paulo Storani foi um dos “caveiras”  que inspiraram o personagem “capitão Nascimento”, do filme Tropa de Elite. Mestre em antropologia, consultor em segurança pública, ele é hoje professor e pesquisador do Instituto Universitário de Políticas Públicas e Ciências Políticas da universidade Cândido Mendes. Convidado a opinar sobre a política de segurança que tem sua ponta visível nas UPPs, cinco anos após sua implantação, Storani lista para o Viva Favela os principais êxitos e dificuldades do programa.

Foto: divulgaçãoViva Favela: A PM divulgou no Direcionamento Estratégico da PMERJ 2013-2018 que pretende ser referência mundial em polícia comunitária até 2018, sendo a estratégia principal a implantação das UPPs. Esse é o caminho?

Paulo Storani: O projeto, pelos seus indicadores, mostra isso. Contudo, é importante para a cidade ouvir como a sociedade e, principalmente, os moradores das favelas com UPP, estão entendendo o processo de pacificação. O objetivo das UPPs é excelente, mas é importante estar revigorando o processo de pacificação com desdobramentos além da ação da PM para resultados de longo prazo. A UPP é uma ação de curto prazo, temos que pensar em médio e longo prazo, qual a estratégia mais adequada diante dos desafios da UPP.

As UPPs estão cumprindo a meta de pacificar as comunidades?

Sim. Não se vê mais o tráfico violento com a presença das UPPs. Mas é ingenuidade achar que com a polícia os criminosos saíram das comunidades ou não há mais venda de drogas. Muitos dependem do tráfico, os traficantes e os usuários, é uma lógica de mercado. Desta forma, os traficantes tentam e tentarão preservar o espaço, usando o que eles sempre usaram: a violência. Nos casos do Alemão e da Rocinha, onde o tráfico ainda se mostra muito forte, há uma necessidade de rever a ocupação destes espaços. Mas o fundamental é a participação da comunidade, que deve denunciar os traficantes e outros delitos, usando os meios disponíveis como o Disque Denúncia. É inadmissível aceitar que os traficantes ainda andem armados no meio de crianças e jovens, nestes locais.

As UPPS promovem a aproximação entre policiais e moradores?

Sem dúvida melhorou muito. Contudo, o treinamento na formação é insuficiente para isso, precisa de atuação constante do comando das UPPs para preservar os princípios de polícia de proximidade, impedindo que eles desapareçam no meio da rotina informal policial. Em algumas favelas há aproximação, em outras não. Temos que pesquisar como a comunidade vê isso, falta ouvirmos a favela. O que me preocupa é a ausência do Estado com outras formas de atuação além da polícia militar, como em educação, saúde, esporte, cultura, etc.

Qual a sua análise do que ocorreu no Alemão (fechamento de ONGs) e na Rocinha (desaparecimento do Amarildo), apesar da pacificação?

Foi um golpe na comunidade, pois o caso do Afroreggae, que tem sua origem no resgate da cidadania dos moradores, principalmente jovens, e na ressocialização de criminosos, mostrou que os traficantes não estão preocupados com a comunidade. Sua prioridade é preservação de seu poder de controle sobre as pessoas e instituições que atuam nas favelas. No caso do Amarildo, as últimas pessoas que estiveram com ele foram os policiais da UPP, e eles têm que dar conta. Algo saiu do padrão de ação da PM, onde os policiais que levaram o Amarildo para averiguação tinham que ter ido para a delegacia, isto é protocolo para preservar os próprios policiais, se desobedeceram, que sejam responsabilizados. O Estado é corresponsável, então o Estado tem que responder por isso. Lamento, pois um caso como esse coloca em xeque todo o bom trabalho da UPP da Rocinha.

O que o senhor pensa da descriminalização das drogas como política para solucionar a violência do tráfico?

No Brasil, temos uma tendência a achar que tudo é resolvido com lei, e a história mostra que este não é o caminho. Se não temos estrutura para lidar com o abuso de drogas no Brasil, criar um novo ambiente, como uma lei de descriminalização, sem estar preparados para as conseqüências é irresponsabilidade, no mínimo. O sistema de saúde atual é insuficiente para lidar com questões básicas da população: se houver um aumento da dependência química, que seria uma hipótese plausível, como seria o tratamento para dependentes então? Esta é somente uma das questões.

Qual seria a estratégia neste caso para enfraquecer, ou desarmar, o tráfico?

Aquilo que não fazemos ou fazemos mal, fiscalizar fronteiras e portas de entrada para o território brasileiro, para começar. Mas não há investimento ou mesmo previsão para isso. Esta é a maior prova de nossa incompetência. Outra medida é valorizar a investigação policial, que também hoje é uma de nossas fraquezas. Nestes dois campos, somente, há uma grande margem para a corrupção policial. Desta forma, os policiais que trabalham para combater o tráfico também deveriam ser fiscalizados. Precisamos policiar os policiais. Mas achar que o tráfico vai acabar é utopia, pois a lógica do mercado é simples: alguém quer comprar e alguém vai vender. Descriminalizar com planejamento e preparação da sociedade com uma campanha preventiva como fizeram com o tabaco, poderia diminuir as conseqüências negativas, mas para isso precisamos planejar.

Qual o seu diagnóstico sobre as UPPs?

A UPP mudou a cara do Rio para o Brasil e para o mundo. É um projeto exitoso, mas carece de desdobramentos, as coisas não se resolvem somente com ocupação policial nas favelas. Hoje há um déficit de policias no asfalto. Todo o efetivo formado vai para as UPPs, os policiais não são mais formados para completar o efetivo dos batalhões e promover o policiamento das ruas, este fato vai ser sentido logo, e criará uma nova crise. Isto se deve pela falta de planejamento e gestão. O problema cairá no colo do próximo governador.

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