Single Blog Title

This is a single blog caption

Tio Lino: salvador pela arte

Share on Facebook0Tweet about this on Twitter

Fotos: Arquivo pessoal

Salvar vidas não fez parte somente da carreira que Tio Lino seguiu, durante 20 anos, nas praias do Rio de Janeiro. Por 25 anos, ele manteve um ateliê onde ensinava artes plásticas para crianças da comunidade em que morou durante toda a vida: a Rocinha. O projeto “Troque uma arma por um pincel” foi motivado pela observação de Lino, que via crianças imitando o comportamento de traficantes de drogas com armas de madeira. Assim, começou a criar kits de pintura com a intenção que elas trocassem armas de brinquedo pela arte.
 

Lino dos Santos Filho, o Tio Lino, faleceu durante a produção desta reportagem, no dia 27 de maio, em decorrência de uma diabetes. Ele tinha 63 anos. Após sua morte, a comoção foi muito grande na Rocinha, como pôde ser observado nas redes sociais, no seu enterro e na Missa de Sétimo Dia.

Além de compartilhar seu conhecimento, o artista plástico dividia também seu afeto com as crianças. “Tudo o que eu tenho eu agradeço às crianças. Muitas delas me chamam até de pai, porque dou carinho e dialogo com elas. Tudo o que uma criança precisa é de amor”, afirmou. Os voluntários do “Troque uma arma por um pincel” contam que muitas vezes Lino ia dormir tarde porque não queria pedir para as crianças pararem de brincar. Para ele, ver as crianças gargalhando e gritando era sinal de um dia produtivo.

O afeto também era compartilhado com os voluntários do projeto. “O melhor era chegar na ONG e sermos recebidos com o tio falando: que bom que vocês chegaram”, contaram os jovens. O designer Davidson Coutinho, 23 anos, que trabalhou no projeto, lembra que o “Troque uma arma por um pincel” também ajudava os pais das crianças. “Tio Lino cuidava dos filhos dos moradores que precisavam sair para trabalhar e podiam ficar mais despreocupados sabendo que eles estavam sendo bem cuidados e aprendendo”, afirmou.

Vidas salvas no mar

Na Rocinha, Lino também é lembrado pelos salvamentos que realizou no mar. Elizer Pedro de Oliveira, de 50 anos, conhecido como “Li da Cachopa”, lembra com emoção de Lino. “Devo minha vida a ele”, diz Li, que foi levado pela correnteza na praia da São Conrado. Lino também é lembrado na comunidade pelo salvamento do jogador de futebol Benedito de Assis.

Como salva-vidas, o artista viveu uma situação curiosa. Depois de salvar um americano de um afogamento em São Conrado, este lhe ofereceu, segundo seu relato, uma recompensa de US$40 mil. Lino não aceitou pois, segundo ele, uma vida não tem preço e o salvamento era seu trabalho. Posteriormente, o estrangeiro voltou à Rocinha e perguntou se o artista gostaria de sair da favela. A resposta: não. Mesmo assim, ele lhe deu de presente uma casa em Jacarepaguá, onde Lino ia frequentemente com a família.

Tio Lino fez questão de afirmar que mora na Rocinha por opção. Mesmo assim, ele lamentou a violência ali, que para ele está maior do que nunca. “Tenho medo de sair de casa, não se sabe o que pode acontecer”, afirmou. A violência já até destruiu sua arte: em 2011, uma maquete da Rocinha feita por ele foi quebrada em uma operação policial.

Atuação comunitária

Para Michel Silva, do jornal “Fala Roça”, Lino fez muito pela Rocinha. “Ele conseguiu fazer o que governo deveria ter feito na comunidade:resgatou as crianças do caminho do crime e os transformou em cidadãos. Devemos continuar os trabalhos que ele realizava na Rocinha”, diz.

Entre 2004 e 2007, Lino participou de forma direta da vida comunitária: foi vice-presidente da União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha (UPMMR), assumindo, em 2005, como presidente interino. Para ele, sua maior vitória foi levar à frente projetos de urbanização da Rocinha, realizados através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). “Hoje, me orgulho em ver todos esses equipamentos construídos na Rocinha. Eu e minha diretoria não abrimos mão de promover melhorias na qualidade de vida dos moradores”, declarou.

Para Deise Bezerra, secretária de Tio Lino na associação de moradores, defini-lo é simples. “Uma pessoa alegre, sábia, e com um coração sem tamanho”, lembra. Na entrevista, Lino afirmou que seu projeto não depende dele para continuar. “Mesmo que eu morrer, isso aqui vai ser sempre uma escola de arte. Assim eu desejo”, afirmou.
 

Leia também
Futebol de beco

Deixe uma resposta

Parceiros