Maré reclama por saneamento básico
Há décadas, 132 mil moradores do conjunto de favelas da Maré, Zona Norte do Rio, convivem com mau cheiro, ruas sujas e o risco de contrair doenças por conta do acúmulo do lixo exposto e desordenado nos becos e vielas das 16 comunidades da região. O problema da falta de saneamento básico afeta todas elas. Uma pesquisa do Instituto Pereira Passos (IPP), divulgada em junho, alertou que, diariamente, são produzidas 205 toneladas de lixo domiciliar, público e resíduos de construção civil na Maré.
Fotos: Thais Cavalcante |
Por ser uma comunidade de grande porte, foi a primeira a receber os testes dos novos serviços de limpeza, inaugurados há pouco mais de três meses pela Prefeitura e o governo do Estado. O novo sistema de Gestão de Resíduos da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), o Comunidade Limpa, deve ser instalado em outras regiões, mas ainda sem data prevista.
Para facilitar o descarte correto do lixo a qualquer hora do dia, foram instalados contêineres metálicos automatizados que suportam até 900 quilos, os chamados laranjões. Segundo a assessoria de imprensa da Comlurb, “já estão instalados 200 laranjões em diversos pontos e, diariamente, outros estão sendo colocados no Complexo para otimizar o acondicionamento e a remoção dos resíduos no local. A escolha dos pontos de instalação é realizada em parceria com a associação de moradores”. Os moradores, no entanto, afirmam que há 70 laranjões em funcionamento na comunidade.
Neste novo modelo, estava previsto, também, para o mês de agosto, a implantação de uma usina de processamento de resíduos que, quando começasse a funcionar, além de reutilizar materiais que seriam destinados a aterros sanitários, usaria mão de obra da comunidade. A promessa ainda não se concretizou: “O projeto para instalar uma usina na Maré ainda está em fase de estudo, definição e desembaraço de local entre outras etapas que antecederão a sua implantação”, justifica a Comlurb.
Queixas e histórias de vida recicladas
Uns já percebem melhorias, enquanto outros acham que o que tem sido feito ainda não é suficiente. Alguns se queixam de que há muitos becos e vielas estreitas, onde o caminhão de lixo não passa e o entupimento de bueiros é constante. Por isso, os pontos escolhidos para receberem os laranjões não atendem à maioria dos moradores.
A contribuição dos catadores para diminuir o lixo das ruas é importante e tem o reconhecimento da Comlurb, que oferece botas e luvas para aqueles que trabalham no local. Muitos deles, no entanto, relatam que sentem dificuldade para recolher o material no contêiner, que tem o fechamento automático.
São trabalhadores como Antônio Amaury, 42 anos, catador de lixo na favela Nova Holanda que, há mais de 20 anos, obtém o sustento de sua família com esta tarefa. “Separo os objetos e revendo. Trabalho seis dias por semana e até em feriados. Minha esposa trabalha há quatro anos e, assim, a gente também ajuda a nossa favela a estar limpa. Às vezes, no lixo, encontro roupas, brinquedos, alimentos fechados e até joias.”, conta. Por dia, ele ganha, com a atividade, até R$ 60,00.
Morador da Nova Holanda, Roberto Fortunato é dono de um ferro velho há 31 anos. Sem opção, iniciou o trabalho para complementar sua renda e ajudar o meio ambiente. Começou sozinho, depois o negócio cresceu. Atualmente, tem quatro funcionários contratados para ajudar na organização de todo o material recebido diariamente. “Agora a reciclagem é uma forma de melhorar a natureza e de sobreviver. A mão de obra é cara, mas vale a pena”, conta, explicando em alguns ferros velhos da Maré, os trabalhadores cercam córregos e valões para pegar materiais e vender. “Se isso não é feito, os objetos vão diretamente para a Baía da Guanabara”, conclui.
Aline Gonçalves, 18 anos, acha importante a implantação de novos projetos, mas pensa que isso não é suficiente para combater os problemas mais graves: “O acúmulo de lixo nas ruas gera alagamentos, doenças e dificuldade de circulação. Num dia em que choveu na antiga rua onde eu morava, próxima à Rua Principal, o valão encheu tanto que alagou tudo. Não pude ir à escola e nem ao trabalho”, conta Aline, moradora do Parque União.
Em Novo Pinheiro, mais conhecida como Salsa e Merengue, o problema é pior. Morador da comunidade, Lucas Pessoa, 22 anos, diz que só agora a coleta de lixo vem melhorando por lá: “Como estamos na época de eleição, os deputados estão limpando as ruas para ganhar votos. Por isso dá pra ver a diferença. A coleta não era diária, mas feita três vezes na semana. Antes, não tinha caçambas para colocar o lixo, por isso a única opção era jogar nas encostas. O lixo acumulava e caía nos valões que dividem a favela. Isso ainda acontece. Com o entupimento e sem o tratamento de esgoto, quando chove, a água suja fica por todo lado. Deixa um cheiro ruim próximo às nossas casas e as crianças, acabam brincando no meio da sujeira”, lamenta.
Informação reduz riscos
As pessoas que moram em locais próximos aos lixões e terrenos não urbanizados sofrem mais com problemas respiratórios e infecciosos como leptospirose, malária, e febre amarela, alertam os agendes comunitários de saúde do posto Samora Machel. Eles circulam pela comunidade visitando residências e auxiliando na prevenção de doenças, principalmente as causadas por descuido dos moradores, como é o caso da dengue.
Marco Araújo, 42 anos, não é morador da Maré, mas vai lá diariamente para trabalhar como radialista no Morro do Timbau. Ele conta que as caçambas não são suficientes para a coleta, pois o lixo sempre transborda: “Acho que fazer uma campanha através de veículos de comunicação, como rádio e jornais locais, poderia ajudar”, conclui.
Para contribuir com a propagação da informação, a Rádio Maré FM volta a apresentar, em outubro, programa “Eco Ar – Ecologia nas Ondas do Rádio”, com conteúdo sobre sustentabilidade e dicas para viver o dia-a-dia sem gastar muito nem poluir o ambiente. O programa será ao vivo e apresentado pelos próprios moradores.
Outras iniciativas também buscam a conscientização de moradores. O projeto Eco Rede, por exemplo, desenvolve ações de educação ambiental e geração de trabalho e renda em torno de “eco espaços” – pontos de coleta para separação de objetos recicláveis. A intenção é estimular o reaproveitamento e a conscientização para que as pessoas deixem de culpar o Estado por todos os problemas e mostrem que podem agir.
Durante o primeiro semestre de 2014, oficinas sobre criação de pontos de coleta seletiva e campanhas educativas sobre a questão do lixo, com crianças e jovens de 8 a 15 anos, foram realizadas na Lona Cultural Herbert Vianna. As aulas, promovidas pelo Muda Maré, projeto de extensão da UFRJ focado na educação ambiental e agricultura urbana, existe há três anos. O interesse visível de moradores para aprender sobre temas ambientais dentro da favela aumenta.