O maratonista do Alemão
Para Ronald Carlos, 32, existem três tipos de atletas: os profissionais, os amadores e os “amadores de elite”. E é nesta última categoria que o gari, morador do Complexo do Alemão, se inclui. Há nove anos, Ronald descobriu sua paixão pela corrida e coleciona títulos que trouxeram aos pouquinhos o reconhecimento de sua comunidade. Mais do que um simples hobby, esta relação ao esporte impôs ao maratonista uma rigorosa disciplina de treinos e condicionamento físico, com o objetivo de bater, competição após competição, seus próprios recordes.
“Correr é como uma caixinha de surpresas” avisa Ronald. A primeira veio aos 23 anos quando, sem nenhum preparo específico, inscreveu-se em sua primeira maratona… e ficou em 4º lugar. A vitória inesperada o incentivou a continuar. Para manter a forma, fruto de anos de prática de capoeira, futebol e academia, e desenvolver resistência, passou a correr pelas ruas do complexo de favelas.
No começo, o hábito foi visto como uma bizarrice pelos moradores do Alemão, que o chamavam de “gazela”, e gozavam do short curto usado durante os treinos. “No início eu era visto como maluco, desocupado. Quando eu comecei a ganhar títulos, e prêmios, muitos mudaram de opinião e passaram a me respeitar no que eu fazia”, revela Ronald. A primeira vitória que mudou o olhar da comunidade foi o 1º lugar conquistado na Corrida dos garis, em 2010, dois meses apenas após ter ingressado na concessionária.
A verdadeira consagração, no entanto, só veio no último ano, quando participou do 3° Desafio da Paz, organizado pelo Afroreggae. O corredor chegou na 11ª posição no quadro geral, mas foi o primeiro entre os corredores do conjunto de favelas. Graças à colocação, ganhou o reconhecimento imediato dos vizinhos. “Hoje sempre me perguntam: quando é a próxima corrida?”, brinca o maratonista. No quadro geral, Ronald se orgulha de ter ficado logo atrás do profissional José Gutembergue, o Gutão, da equipe Pé de Vento, por apenas 12 segundos de diferença. Com a vitória, cresceu a auto-estima e o sonho de, um dia, integrar uma equipe profissional.
Disciplina de ferro e treinos em pista de terra
No Alemão, Ronald tem como companheiro de treinos José Carlos Barreto, 38. José pratica o esporte desde 2003 e também é seu colega de trabalho. Juntos, os garis costumavam correr pelas ruas principais do Alemão, lidando com a má conservação das calçadas e com os motoristas que passavam por eles. “Uma vez estava correndo e tacaram uma alface em mim. ‘Sai daí, maluco!’, gritou a pessoa que jogou a verdura”, lembra José Carlos, rindo da situação.
A dupla passou em seguida a treinar no Estádio Célio de Barros, ao lado do Maracanã. Com a pacificação, em 2011, voltaram a praticar o esporte dentro da comunidade, mas lamentam a falta de estrutura para exercer corretamente a modalidade. A pista da Vila Olímpica é muito curta para desenvolver a resistência necessária. Os amigos costumam treinar no mínimo seis dias por semana no topo do Morro dos Mineiros, em um campo de terra batida que oferece quase dois quilômetros de pista.
Apesar da disciplina de ferro, a preparação física passa por alguns improvisos. “Como atleta, a nossa alimentação deveria ser mais equilibrada, mas a gente trabalha na rua, não tem tempo de parar para comer com regularidade”, reconhece José Carlos. No entanto, os dois acreditam que na competição, nem tudo se resume ao preparo físico: se dá melhor quem associa trabalho físico e psicológico. “Somos todos iguais na linha de partida. Tão importante quanto o treinamento é o respeito pelo corredor que está ao seu lado. Às vezes naquele dia o psicológico dele pode estar melhor que o de um atleta de elite, por exemplo”, garante Ronald.
No último final de semana de abril, os dois já estão de olho na próxima competição – só estão aguardando os processos de inscrição, via a Comlurb. Se tudo der certo, devem participar ou da corrida Night Run-Etapa Marte (26), na Barra da Tijuca, ou da Corrida dos Fuzileiros Navais e do Corpo de Intendentes da Marinha (27), no Aterro do Flamengo, ambas com 5km de percurso. De qualquer forma, o importante é participar: “Na corrida há espaço para todos: para os competidores, para quem está começando e para quem só quer caminhar pelo trajeto”, conclui Ronald.