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Favelas são o céu e o inferno dos ciclistas

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Fotos: Roberta Machado
Menos veículos motorizados, proximidade com alguns pontos de interesse e senso de coletividade: essas são algumas das características que fariam das favelas bons lugares para o uso da bicicleta na cidade. Por outro lado, a inclinação dos morros, as ruas estreitas e a falta de pavimentação impõem dificuldades tanto para os moradores quanto para qualquer política urbanística que se proponha a estruturar as comunidades para este tipo de transporte. Mesmo com a falta de ciclovias e bicicletários, os moradores de favelas optam pelas magrelas como forma de locomoção simples e barata.

O Plano Diretor de Transporte Urbano da Região Metropolitana, de 2004, revelou que a Zona Oeste é a parte da cidade onde mais se utilizam bicicletas. Das aproximadas 3,5 milhões de viagens diárias não motorizadas (a pé ou com bicicletas) realizadas na região, a maioria, cerca de 1,3 milhões, acontecem na Zona Oeste. Da mesma forma, dos 320km de malha cicloviária na cidade, 190km estão nesta região, seguidos de 89km na Zona Sul e no Centro e 41km na Zona Norte.

Quem anda por comunidades em Jacarepaguá ou Santa Cruz, por exemplo, se surpreende com a quantidade de magrelas circulando. De acordo com Zé Lobo, fundador da ONG Transporte Ativo, os deslocamentos nesta região têm como motivação o transporte para o trabalho. Na Zona Sul, no Centro e na Zona Norte, o uso é mais local. A atendente Erlanda Castro, de 26 anos, pedala diariamente de casa, em Gardênia Azul, até o trabalho, na Barra. A viagem dura vinte minutos. “Uso porque é mais barato, mas também porque é menos estressante que o ônibus”, diz.

Erlanda afirma sentir falta de uma ciclovia no bairro. Paulinho da Bicicleta, que trabalha em uma das oficinas da comunidade, que fica em Jacarepaguá, também gostaria que a malha cicloviária não existisse somente nas limitações de Gardênia Azul. “Me sinto inseguro em andar aqui dentro. Já aconteceram muitos acidentes”, conta Paulinho, que garante não faltar gente querendo comprar e consertar bicicletas.

As ciclovias que existem nos arredores da comunidade estão esburacadas. Durante o dia, é comum encontrar carros sobre elas, já que ali estão localizadas muitas oficinas mecânicas, além de pessoas caminhando onde deveria haver somente ciclistas. Outro problema é a falta de espaço para guardar bicicletas: elas ficam amarradas às grades das passarelas e aos postes.

Projetos que não sairam do papel

Participantes do programa municipal Morar Carioca garantem que a criação de uma infraestrutura cicloviária faz parte dos projetos de urbanização das comunidades beneficiadas. “Tentamos estimular o uso da bicicleta em toda a cidade, e sendo a favela parte desta, a ideia é a mesma. Os escritórios que participam do Morar Carioca são incitados a incluir o uso da bicicleta em seus projetos”, conta Pedro da Luz Moreira, arquiteto do Instituto de Arquitetos do Brasil do Rio de Janeiro (IAB-RJ) que faz parte da equipe do programa habitacional.

No entanto, nenhum planejamento deste tipo saiu do papel. Em conjunto com empresas do ramo, a Secretaria Municipal de Habitação está confeccionando um manual para implantação do uso de bicicletas em favelas. A ideia da secretaria é que, em favelas planas, seja implantada uma malha cicloviária, e em favelas inclinadas, apenas bicicletários.
Enquanto isso, as magrelas se amontoam ao redor de algumas estações de metrô e trem. As concessionárias destes equipamentos criaram estacionamentos para bicicletas nos últimos anos, mas mesmo assim, a demanda por vagas continua maior. A Supervia oferece 4 mil vagas divididas em seis estações, e o Metrô Rio, 203 em onze estações.

No caso do Morro dos Cabritos, em Copacabana, a falta de vagas não é o único obstáculo para uso de bicicletas. O militar Ricardo Leonardo, de 57 anos, diz que gosta de bicicleta, mas tem preguiça de enfrentar a inclinação do morro. “Aqui tem muita gente morando, as ruas são apertadas, nada foi planejado. Agora que já está tudo mal feito, não tem como consertar”, opina o morador. Zé Lobo, no entanto, lembra que existem alternativas para o transporte de bicicletas em planos inclinados, como a instalação de racks em ônibus e bondes. Segundo a Secretaria Municipal de Habitação, esta alternativa não está prevista no Morar Carioca.

A demanda por melhores condições para o uso deste transporte não parece ser uma forte luta dos moradores das favelas. Zé Lobo diz nunca ter observado alguma mobilização neste sentido. No caso do Morro dos Cabritos, o presidente da associação de moradores do bairro, Danilo Ferreira de Sousa, diz que as prioridades são outras. “Nós apoiamos a bicicleta, mas os moradores vêm procurar a gente por outras questões, como a falta de acesso à saúde ou à educação”, afirma.

Apesar dessas limitações urbanísticas e sócio-econômicas, Zé Lobo acredita que o estímulo ao uso da bicicleta deveria sim, ser visto como prioridade. “Problemas emblemáticos das favelas, como a falta de saneamento e de assistência à saúde, podem ter uma melhora com a presença da bicicleta. Não significa que estas áreas não terão políticas para elas, mas a bicicleta pode ser integrada nisso. Se a implantação de uma ciclovia for integrada a outra obra, os custos abaixam muito”, explica o ativista.


Um meio de integração com o território

No Maré sem Fronteiras, projeto da ONG Redes da Maré, a bicicleta já está integrada nas atividades. A ONG organiza a cada mês duas bicicletadas entre pólos de cultura e outros pontos da comunidade. De acordo com Maíra Spilak, coordenadora da ação, as crianças ficam eufóricas em conhecer lugares próximos de suas casas, porém nunca visitados. “Pretendemos valorizar a memória e a cultura local por meio da mobilidade. A bicicleta é um transporte lúdico, barato, não poluente, sustentável e saudável”, afirma Maíra, enfatizando que a ausência de ciclovias, faixas e bicicletários torna a convivência com veículos motorizados mais desigual.

A favela também é cenário do Circuito MTB de Favelas, organizado pela oficina de bicicleta Pedal 2. A primeira competição aconteceu neste ano, no Pavão-Pavãozinho. As provas são realizadas em favelas pacificadas. Segundo a organização do evento, o terreno acidentado e o contato com os moradores fazem das comunidades um ótimo lugar para a prática do mountain bike.

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