A favela fala, escreve e compartilha
A produção de notícias e a democratização da informação estão na pauta do dia das favelas brasileiras. Um mapeamento realizado este ano pelo Observatório de Favelas com cerca de 120 veículos de comunicação comunitários, como sites, jornais impressos e perfis em redes sociais, ao mesmo tempo em que aponta para uma pluralidade de identidades e causas, mostra que eles cumprem com o papel a que se propõem, o uso social dos meios, além de darem visibilidade e pautar problemas para que sejam reconhecíveis até por quem não os sofre diretamente.
Os veículos comunitários são responsáveis pela produção, difusão e circulação de conteúdos que não estão relacionados somente com seu próprio território. Surgem pautas diversificadas que ampliam as discussões sobre temas como sexualidade, mobilidade urbana, representação e direito à cidade. Ainda segundo a pesquisa, a questão racial não é o principal ponto de pauta na maioria dos veículos entrevistados. Dos 69 que responderam a esta questão, somente 19 disseram que este é um dos conteúdos mais debatidos.
Contudo, diz a pesquisa, “o assunto mais recorrente na articulação temática com a questão racial é a violência”. Já os assuntos referentes a favelas e espaços populares ganham espaço em 65 das 69 iniciativas. “No Brasil mais de 11 milhões de pessoas vivem em favelas, 68% delas são negras” (IBGE, Censo, 2010). No estado do Rio, dos mais de 16 milhões de habitantes, cerca de 2 milhões vivem em favelas, 65% deles negros”. Sendo assim, é essencial a última conclusão da pesquisa: Todos os veículos demonstraram interesse declarado pelo desenvolvimento de projetos e ações que tenham como objetivo democratizar a comunicação.
Jovens, negros e mulheres
Dos 70 veículos que responderam à pesquisa, 62 deles caracterizaram a participação da juventude em suas equipes envolvidas diretamente na elaboração do conteúdo. Entre os jovens, cerca de 50% são negros, dos quais 67 são mulheres e 53 homens. A pesquisa também mostra o protagonismo do jovem tanto para buscar e difundir informação como para levantar discussões e manifestar opiniões, pautar o que, até bem pouco tempo, era ignorado.
Seja por falta de recursos para bancar uma redação profissional, seja pela intimidade e a proximidade naturais que o jovem tem com as novas tecnologias, sua participação majoritária é inevitável. Ou seja, como escreve o sociólogo e diretor do Observatório de Favelas Eduardo Alves, no artigo A jovem tecnologia da juventude tecnológica, “as pessoas que possuem entre 15 e 29 anos foram diretamente formadas nessa nova realidade que vem se desenhando, aprimorando e solidificando nos últimos anos, por meio de constantes modificações”.
O cunho transformador das redes sociais
Em 2001, a categoria Redes Sociais sequer era considerada um tipo de veículo. Na pesquisa, aparecia apenas como um tópico dedicado a responder quantos veículos mantinham perfis nas redes sociais. “As redes sociais permitem narrativas alternativas e diversificadas no que se refere à comunicação e produção de conteúdo e tem um papel muito importante principalmente no que diz respeito à sustentabilidade, ao alcance e à difusão do que é produzido”, destaca Silvana Bahia, mestranda na pós-graduação em Culturas e Territorialidades da Universidade Federal Fluminense (UFF) e integrante da equipe do Observatório de Favelas.
Pela primeira vez, questões que são abafadas ou não pautadas nos veículos de grande circulação entraram no debate. Pela primeira vez, tornam-se visíveis outras narrativas construídas por sujeitos falantes de si, da sua favela, das suas demandas. “A presença significativa de coletivos de mulheres que, a partir do gênero, discutem raça, representação e identidade também chamaram a atenção” dos jornalistas envolvidos no projeto, como Silvana.
Direito à Comunicação e Justiça Racial é o segundo levantamento feito pela Organização, que, em 2011, realizou a primeira pesquisa com o objetivo de traçar um perfil das mídias alternativas e comunitárias dos espaços populares da Região Metropolitana do Rio. A pesquisadora acrescenta que, nestes três anos, a maioria dos veículos migrou para as redes sociais, especialmente o Facebook, marcando um período de transformações profundas no “fazer o noticiário”, no “produzir notícias” sobre o que acontece nas favelas e o que interessa a seus moradores.