Projeto faz Vidigal refletir sobre alimentação
Uma proposta inovadora quer ser incentivo para os moradores da favela do Vidigal, Zona Sul do Rio, repensarem (e mudarem) seus hábitos alimentares. Batizado de Telhado Verde Medicinal, a nova cobertura do ponto das kombis da Pracinha do Vidigal, inaugurada há cerca de oito meses, chama a atenção de quem chega à entrada da comunidade. Ali foram plantadas mudas de boldo-do-chile e trapoeraba que, além de embelezar o local, já estão disponíveis para consumo da população local.
A ideia de fazer um telhado verde e autossustentável para os moradores foi desenvolvida a partir de um convite feito pela associação dos moradores e pelos motoristas das kombis ao arquiteto Carlos Augusto Graciano, o Guto. Fluminense do município de São Gonçalo e morador do Vidigal, ele convidou a mineira Graça dos Prazeres, 41, para tocar a empreitada, que foi totalmente elaborada e executada com apoio popular, sem investimento público. “A prefeitura apenas concedeu a licença para a realização”, diz Guto, especializado em arquitetura urbanística. Também colaboraram diretamente para a execução do projeto o gestor ambiental J.P. Oliver, o ex-voluntário do projeto Sitiê Edi Heinz; a artista plástica Edvana Carvalho, os garis comunitários do Vidigal, os motoristas das kombis e os estudantes de escolas públicas da comunidade.
O projeto foi caracterizado pelos idealizadores como uma cooperação solidária entre vizinhos e amigos do Vidigal: “É um projeto dos moradores e amigos da comunidade. Só assim foi possível sair do papel e virar realidade. Outro benefício é a recomposição da área verde, que tem sido destruída por causa do desmatamento. “De forma natural alcançamos a compensação ambiental”, conclui.
Guto já sabia que Graça mexia com ervas, sementes, sucos naturais e plantas, e a convidou para a tarefa de pôr a proposta em prática. Ela conta que, no início, o amigo não acreditava muito que o projeto fosse ser bem-sucedido: “Depois ele viu que era possível fazer um telhado vivo, suspenso, autossustentável e que não precisa ser regado”, explica. No canteiro foi utilizada, para o plantio das ervas, uma “manta sintética” feita com material reciclável de garrafas pet, argila, pedras de barro e capim, resistente e permeável, que resiste a temporadas sem chuva. Guto explica que “Graça não está apenas nesse projeto por ser uma ex-voluntária do projeto Sitiê, mas porque ela é uma profissional excelente nessa área de plantio”.
As ervas também foram escolhidas por sua propriedade de reter a água e não precisarem ser regadas. Foram plantadas mudas de trapoeraba, erva usada para molhos e sucos verdes, e boldo-do-chile, mais conhecida para fazer chá, mas que Graça costuma comer até em saladas: “Vou mostrar para as pessoas que elas podem ter isso em suas mesas de alimentação”, garante. Morando no Vidigal há oito anos, ela conta que quando entrou em contato com a culinária viva começou a fazer jardins, estufas, planejar a construção de um fogão e pensar como iria “cruzinhar” (aquecer os alimentos à temperatura máxima de 46 graus Celsius a partir da ideia de que o cozimento normal reduz seu potencial nutritivo).
Graça também é responsável pela divulgação da ideia na comunidade de duas formas. Ela e Guto participam das reuniões do Colegiado Gestor do Vidigal nos postos de saúde com a população. Além disso, Graça coordena atividades relacionadas ao projeto no Atelier Café Bistrot, um espaço na Avenida Presidente João Goulart, a três minutos a pé do ponto das kombis. Lá, Graça recebe moradores para bater papo, dá sugestões e orientações de como a ideia pode ser feita em casa, oferece refeições saudáveis, ensina receitas e serve chás com as ervas retiradas muitas vezes do telhado verde. É através do Atelier, também, que os moradores podem ter acesso ao telhado verde vivo medicinal. O nutricionista Tiago de Oliveira também orienta a população, tirando dúvidas e dando dicas.
Com a implementação das coberturas verdes, Guto e Graça desejam despertar uma reflexão para um passado onde a alimentação era saudável. “A ideia é fazer as pessoas se interessarem por telhados suspensos e fazerem seu próprio telhado nas lajes de suas casas”. Guto acredita ainda que este projeto traz outro benefício para a comunidade, que é o de desenvolver projetos que valorizam a cultura e os costumes nativos. “As comunidades são uma espécie de acervo cultural do país. Se não houver desenvolvimento de projetos nas comunidades, continuaremos a ser um país de segunda linha. Os moradores de comunidade são as pessoas mais próximas da cultura e dos costumes nativos”, afirma. “Meu sonho é que esse projeto ande com as próprias pernas”, sonha Guto.