Para o velho lixão, uma nova solução
Uma revolução silenciosa está ocorrendo em Perus, no extremo da Zona Norte de São Paulo. A região vem sendo urbanizada com o dinheiro arrecadado nos leilões de crédito de carbono feitos pela Prefeitura de São Paulo. O principal beneficiário é a extinta favela do Bamburral, situada às margens de um córrego e vítima recorrente de desabamentos.
Os moradores da região conviveram durante anos com um incômodo vizinho: o Aterro Sanitário Bandeirantes, o maior da América Latina. Diariamente, ele recebia sete mil toneladas de resíduos sólidos, equivalente à metade do volume de lixo produzido na cidade. Ele foi desativado em 2007. “Ninguém aguentava o cheiro do lixão”, lembra Ivonete Pereira, 47 anos, uma das moradoras da extinta favela. Ela vive em Perus há 18 anos.
A Prefeitura de São Paulo já arrecadou cerca de R$ 71 milhões com a venda de créditos de carbono dos aterros Bandeirantes, em Perus, e São João, em São Mateus, na Zona Leste da cidade. Os leilões foram realizados na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Os créditos vendidos nos leilões foram gerados a partir queima do metano emitido pelos dois aterros.
Em 2010, após a realização de dois leilões de crédito de carbono, foi iniciada a construção de unidades habitacionais e, paralelamente, a implantação de infraestrutura e de redes de água e esgoto no local.

Biogás ambiental
O mercado de crédito de carbono nasceu junto com o Protocolo de Kyoto – acordo internacional firmado em 1997 e que definiu metas de redução dos gases de efeito estufa. Aos países que não conseguem reduzir suas próprias emissões têm a possibilidade de comprar créditos daqueles que não têm metas a cumprir, como é o caso do Brasil. Cada tonelada de CO2 equivalente deixada de ser emitida ou retirada da atmosfera se transforma em uma unidade de crédito de carbono, também chamada de Redução Certificada de Emissão (RCE).
Em Perus, os gases provenientes da decomposição dos resíduos dos lixões são captados e queimados. “Cerca de 80% dessa queima é destinada à geração de energia elétrica. Dessa forma, todo o gás que deixou de ser emitido na atmosfera, gera créditos de carbono”, explica Antonio Carlos Porto de Araújo, advogado ambientalista e consultor em sustentabilidade e em energia renovável.
A venda de créditos de carbono, diz Araújo, traz ganhos nas suas mais amplas dimensões e o investimento social é requisito fundamental para aprovação desses projetos: “Nos casos de aterros sanitários, por exemplo, trocam-se os serviços degradantes dos catadores por formação e requalificação profissional e os benefícios sociais são visíveis”.
Casa nova à vista
Embora a placa afixada na obra informe que a entrega das unidades habitacionais está prevista para janeiro de 2015, a Secretaria Municipal de Habitação anunciou, em nota, que a previsão é para o segundo semestre do ano que vem:
“A comunidade do Bamburral está com obras em andamento pelo Programa de Urbanização de Favelas em uma área de 31 mil m². No total serão 529 famílias beneficiadas das áreas Bamburral, Carina Ari, Córrego da Mina, Gabi e Lidiane. Já estão concluídas 50% das intervenções. A conclusão das obras está prevista para o segundo semestre de 2015. Serão construídas 234 unidades habitacionais e outras obras de urbanização – pavimentação, viário, redes de água e esgoto, drenagem, terraplanagem”.
Ivonete lamenta o atraso das obras e reclama do valor de bolsa aluguel que passou a receber após a extinção da favela Bamburral. “O aluguel hoje em dia é de R$ 800 para cima, muitas pessoas estão colocando dinheiro do bolso”, diz ela, comentando que o valor da bolsa aluguel é de R$ 450.
Áreas verdes em Perus
Além da urbanização da extinta Favela do Bamburral, a venda de créditos de carbono também possibilitou a construção das praças Cuitegi e Mogeiro em Perus, bairro que possui mais de 80 mil habitantes, segundo o Censo de 2010, do IBGE. Ambos os espaços foram inaugurados em 2009.
Cícero José Torres, 79 anos, alagoano da cidade de Murici, mora em Perus há 44 anos. Ele reside ao lado do espaço que, na época, ainda não era praça, mas um terreno coberto de mato. Ele passou a cultivar milho, feijão, batata-doce, mandioca e outros alimentos, além de plantar árvores frutíferas como bananeira e abacateiro. Torres cuidava ainda do terreno mantendo tudo limpo, além de ter construído uma passagem de terra batida para que os moradores pudessem transitar de um lado para o outro.
A praça tem 2,3 mil m2 e conta com bancos, áreas de descanso, iluminação e um pequeno playground. Após a urbanização, as plantações de Torres foram mantidas, assim como uma das entradas de sua casa, que desemboca diretamente na praça. “Fizeram aí essa pracinha, botaram cerâmica, botaram corrimões. Fizeram essa entrada da minha casa, eu queria fechar e disseram que não precisava”, conta ele.
Com mais de 6,8 mil m2, a Praça Mogeiro, próximo a Estrada São Paulo-Jundiaí, tem pista de caminhada e área de convivência.
É nela que dona Laura, como é conhecida Laurentina Nogueira Lopes, 78, passeia com Nina, sua cadela. Ela mora na região 40 anos e conta que o lugar era um barranco abandonado, mas tem boas lembranças daquele tempo: “só tinha mato e aquela ladeira de barro vermelho. Meus meninos vinham brincar aqui. Eles rolavam e iam parar lá na rua debaixo. Voltavam para casa, todos os dias, cheios de terra, a casa não parava limpa”.
A estação de ginástica que havia na Praça Mogeiro foi destruída. “Os aposentados ficavam jogando. As pessoas faziam exercício, mas os bandidos quebraram tudo. Não tem mais nada”. Laura conta que, nos finais de semana, a praça enche. “É muito gostoso aqui. É tão fresquinho. No calor a gente vem aqui, tem um ventinho gostoso”, diz ela.