Persistência para preservar a floresta
A Serra da Misericórdia, última e maior área verde da Zona Norte do Rio, é a região mais populosa e a que possui o menor índice de área verde per capita do município. Dados do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos revelam que vivem nos bairros em torno do maciço da Misericórdia mais de 2,3 milhões de habitantes, o que corresponde a um terço do total do município. Entretanto, a região tem apenas 3,2 m² de área verde por pessoa, enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda um índice ideal de 12,2 m² por habitante.
O quarto maior maciço do município, com 43,9 km², se estende por mais de 25 bairros cariocas – do Complexo do Alemão, em Bonsucesso, até Madureira. Grande parte das comunidades carentes da Zona Norte está localizada na serra, que foi declarada Área de Proteção Ambiental e Recuperação Urbana (APARU) por decreto municipal, em novembro de 2000, e considerada Parque Municipal Urbano, em dezembro de 2010.
Várias organizações não governamentais vêm desenvolvendo projetos socioambientais na Serra da Misericórdia nos últimos anos, na tentativa de recuperação e preservação do patrimônio ambiental. Atualmente, três instituições atuam na região: a Sustentarte, a Verdejar e a CEM – Centro de Educação Multicultural, segundo a engenheira florestal da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Claudia França.
Ela informa que a secretaria atua na região desde 1987, em programas de reflorestamento com parceria da comunidade. O município fornece orientação técnica, insumos e uma bolsa-auxílio e os moradores entram com a mão de obra, negociam com as associações do local e resolvem problemas como invasão de animais, ocupação indevida e queimadas. Até hoje já recuperaram 2.300 hectares de floresta de um total de 3.695 hectares da área de proteção ambiental, diz a engenheira florestal.
Insistência, por 17 anos
Mas é no trabalho incansável das organizações não governamentais que os moradores vão se engajando na recuperação socioambiental da região. A ONG Verdejar, por exemplo, atua na Serra da Misericórdia há 17 anos, no reflorestamento e no combate aos frequentes incêndios, provocados por descuido dos moradores, por embates entre facções rivais ou pelo uso de velas durante cultos religiosos.
De acordo com o gestor da ONG, Edson Gomes, os cidadãos e o poder público precisam conhecer a importância daquele ecossistema, que pode melhorar muito a qualidade de vida de quem mora na Zona Norte: “Não existe uma política pública para garantir a despoluição dos rios, embora haja concessão para instalação de pedreiras e ocupações irregulares. Temos toda essa área verde, que pode ser um aliado no combate à poluição”, ressalta.
Segundo ele, o reflorestamento permite regular o fluxo de água que cai na cidade, evitando os deslizamentos e as enchentes. As árvores filtram o ar e os poluentes – não somente o gás carbônico, mas os gases emitidos pelas indústrias e pelos carros.
O tesoureiro da ONG, Zolmir Figueiredo, acrescenta que faltam políticas voltadas para integrar a população à gestão ambiental: “A poluição doméstica acaba sendo maior que a industrial, pois as empresas seguem legislações que as obrigam a tratar o lixo produzido, o que não acontece nas habitações”, explica.
Agricultores urbanos engajados
Um dos objetivos da Verdejar é mobilizar os moradores da comunidade em favor da preservação. Dona Leny é um exemplo de engajamento: ela mora ao lado da horta; planta e colhe suas verduras e legumes; toma conta para que os animais não destruam a plantação; e cobra dos vizinhos a colaboração necessária para a limpeza do local. Alguns moradores já são parceiros no combate às queimadas e fazem parte da ABIO – Associação de Produtores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro, o que lhes permite vender seus produtos nas feiras orgânicas cariocas.
Zolmir Figueiredo conheceu a Verdejar há 10 anos e se apaixonou pelo projeto de reflorestamento. Hoje participa como voluntário de todas as atividades da ONG e elogia o engajamento dos moradores: “Dona Leny é uma parceira nossa. Os filhos e netos são alunos das oficinas de capoeira do projeto”, informa. As atividades incluem ainda oficinas de fotografia, grafite e artesanato em pontos de cultura no Complexo do Alemão.
Ao resumir a atuação da ONG, o gestor Edson Gomes explica que o projeto de reflorestamento utiliza na região as espécies legítimas da Mata Atlântica: “Recuperamos a Mata Atlântica, produzimos alimentos orgânicos agro-ecológicos e ainda integramos os moradores. A serra, em pleno processo de recuperação, tem um grande potencial de trabalho e renda focando na linha da justiça ambiental. O desenvolvimento sustentável faz com que a região volte a ser um refúgio de espécies e pássaros, diversificando muito a flora e a fauna”.
Voluntário da Verdejar, Eric Vidal desenvolve pela UFRRJ a tese ‘Relação entre os moradores da favela e a Serra da Misericórdia’. Ele acredita que o enfrentamento da desigualdade social deve estar articulado à natureza e informa que o objetivo do seu estudo é combater a ideia de que favela é sinônimo de degradação: “Existe uma negligência por falta de informação. A Serra segue invisível aos olhos públicos. Os políticos desconhecem completamente essa área. Muitas espécies são plantadas por moradores, e os trabalhos paralelos da ONG mostram a essa população a necessidade de se cuidar do meio em que vive”, destaca.
Tecnologia sustentável
Para melhorar a qualidade de vida nas comunidades, a Verdejar também desenvolve experiências piloto, de baixo custo, em parceria com outras instituições. Assim foi construída no Morro do Alemão, durante a realização da Rio+20, em 2012, a fossa Bacia de Evapotranspiração e o plantio de Agrofloresta, em parceria com o Jardim Botânico de Brasília. O sistema permite o tratamento de esgoto de forma ecológica e simples e culmina com o plantio de espécies com folhas grandes, como a bananeira e o pé de taioba, para facilitrar a evaporação da água poluída.
Outra experiiência da parcereia foi feita no Engenho da Rainha, com a construção da cisterna sertaneja, um sistema de captação de água da chuva que pode armazenar até 15 mil metros cúbicos de água. Isso permite abastecer uma família de até quatro pessoas por aproximadamente um mês. A cisterna também pode armazenar água de nascentes.