Mangue cresce nas areias de Sepetiba
O resgate da praia de Sepetiba é sonho acalentado por muitos moradores. Os mais idosos recordam com saudades da época em que o balneário foi a principal área de lazer da Zona Oeste, nos idos dos anos 1970, antes que o crescimento urbano desordenado e a indústria portuária transformassem profundamente o ecossistema local. Há quatro anos, o bairro é alvo de um projeto de reabilitação de sua orla, que prevê a remoção da lama e do manguezal que invadiram o litoral, além de saneamento. Apenas a primeira etapa do projeto foi entregue, em 2012, com a restituição da faixa de areia da praia, mas o mar continua impróprio para o banho. Enquanto aguardam o restante das obras, moradores observam a lenta degradação do que já foi conquistado: a lama e o mangue voltaram a ganhar espaço nas areias de Sepetiba.
“O mangue não é invasor, simplesmente está ocupando uma topografia costeira profundamente alterada devido às modificações ocorridas na bacia hidrográfica local”, pondera o biólogo Mário Moscatelli. Especialista em recuperação de ecossistemas, Moscatelli supervisionou a primeira etapa do plano de recuperação da praia de Sepetiba, executada pela Odebrecht em parceria com os governos estadual e municipal. Em 2010, ele acompanhou o remanejamento de 500 mil mudas do mangue, extraídas da praia de Sepetiba para serem replantadas no canal do Fundão, no quadro de sua revitalização ambiental. Durante o processo, 780 mil caranguejos foram resgatados e realocados na região de Santa Cruz.
Segundo Moscatelli, estas obras não tiveram impacto nas causas da formação dos manguezais em Sepetiba. “As intervenções recentemente efetuadas não levaram em conta questões ambientais básicas”, afirma. A baia de Sepetiba já tem a característica de ser rasa, e propícia ao depósito de resíduos. Nos anos 1980, a canalização dos rios da região aumentou a quantidade de sedimentos lançados ao mar, criando condições para a formação de manguezais. As obras de dragagem do Porto de Itaguaí também agravaram o processo de assoreamento, favorecendo a expansão do mangue. Para o biólogo, somente a requalificação ambiental e urbanística da região, com o controle do crescimento urbano, poderia conter o problema, mas mesmo assim com restrições. “O ambiente foi modificado profundamente e muito provavelmente irreversivelmente. Infelizmente, a idéia de uma praia recuperada é simplesmente fora da realidade, apenas um factóide” acrescenta.
Após a remoção do manguezal de Sepetiba, o lodo acumulado no solo foi recoberto com uma manta geotextil que permite o fluxo de água e de gases. Por cima, foi despejada uma camada de 80cm de areia. A obra, finalizada em 2012, foi realizada com recursos do Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam) e orçada em R$ 46 milhões. Etapa mais visível do plano de reconstituição da orla da praia de Sepetiba, a operação permitiu recuperar uma faixa de areia de dois quilômetros de extensão, que já apresenta vários trechos tomados pela vegetação e o lodo.
Obras de maquiagem
“Foi uma obra de maquiagem, não resolveu os problemas da balneabilidade” reclama a professora de Sociologia e Filosofia Bianca Wild, 34 anos, enumerando os problemas que continuam castigando o mar de Sepetiba: o esgoto sem tratamento jogado in natura na baía e os metais pesados concentrados no fundo do mar após o acidente ambiental envolvendo a Companhia Ingá Mercantil, em 1987. “Sem pressão popular, as obras realizadas serão sempre superficiais para satisfazer desejos imediatistas” reforça.
Dona de uma peixaria do bairro, Marta Sinquini Martins também contesta os benefícios desta primeira fase do programa. “Sepetiba só ficou bom porque amenizou o excesso de lama”, avalia. Aos seus olhos, o principal problema do bairro continua sendo o saneamento. “Sepetiba foi esquecida. No passado já tivemos até um cinema, agora não temos mais nada. Não temos nem um correio” lamenta a comerciante.
Saneamento e balneabilidade
O Instituto Estadual do Ambiente (Inea), encarregado das obras de reabilitação da praia, informa que está prevista na segunda fase do projeto o saneamento do bairro, para despoluir as águas da baía e reduzir o fenômeno de assoreamento. Segundo o órgão, o projeto executivo da obra deve ser aprovado ainda em julho deste ano. A partir daí, será realizada em 12 meses a construção de um tronco coletor de 8 km e de um cinturão de águas pluviais para eliminar as línguas contaminadas que escorrem pela praia. O Inea afirma ainda que já começou a cadastrar os moradores do bairro que deverão ter seus imóveis conectados à rede pública de esgoto. Uma estação de tratamento de esgoto, a ETE Sepetiba, foi entregue pela Prefeitura à população em 2011, mas a estrutura ainda aguarda a conexão ao tronco coletor para funcionar em sua plena capacidade.
Com relação ao retorno do mangue, o Inea informa que incluiu a manutenção da faixa de areia no escopo de outro projeto previsto na localidade: a construção de um deque sobre o canal Ari Chagas, que hoje corta a praia, para possibilitar a mobilidade da população pela areia. O projeto ainda está em fase de licenciamento ambiental.
A vendedora Adriana Reis, 36 anos, faz coro com os que esperam que o saneamento do bairro permita enfim usufruir dos encantos naturais da baía de Sepetiba. “Um absurdo, uma praia tão bonita e não pode ser utilizada”, lamenta. Adepta do stand up paddle, Adriana frequenta a praia a cada maré alta. “Encontrei o local perfeito para praticar. Além de trazer benefício para o corpo, traz também para a mente, é uma higiene mental”, afirma. Adriana gostaria de popularizar a modalidade na região, mas a situação ambiental é o maior obstáculo. “A grande preocupação é a poluição da praia, a população tem receio de praticar este tipo de esporte porque tem contato direto com a água”, aponta.
Bianca, que mora no bairro há 18 anos e atua no Ecomuseu de Sepetiba, também frisa a importância do patrimônio natural da baía, além do potencial turístico do bairro. “A Baía de Sepetiba possui uma das maiores populações de boto-cinza da América latina, além de notória variedade de espécies de aves”, completa.