Marcelo: de vendedor de pães a líder comunitário
Foi com uma buzina que Marcelo Silva, de 45 anos, se tornou conhecido na favela do Vidigal, no Rio de Janeiro. Por 19 anos, ele vendeu pães e o barulho matinal que anunciava sua chegada era odiado por uns, enquanto outros o adotaram até como despertador. Durante essetempo, Marcelo aprendeu a conhecer os moradores, os lugares e os problemas da comunidade. Uma experiência que o levou a se candidatar ao posto que ocupa hoje:o de presidente da Associação de Moradores da Vila do Vidigal (AMVV).
Seu contato com a comunidade começou ainda na infância, quando visitava sua mãe. Ele vivia com parentes em Realengo, pois seu pai, divorciado e alcoólatra, ameaçava sequestrá-lo. Somente aos 7 anos, depois da morte do pai, Marcelo foi morar no Vidigal. Ele passou sua infância estudando, trabalhando e ajudando sua mãe em casa.
Já adulto, depois de ser demitido do emprego no Hotel Sheraton, ele se viu desamparado financeiramente. Foi quando recebeu um convite de seu amigo “Bolinho” para vender goiabas no ponto de ônibus na entrada do Vidigal. Assim começou sua carreira como vendedor. Um tempo depois, um primo, proprietário de uma padaria, pediu a Marcelo que vendesse pães para ele, de casa em casa.
Um trabalho que servia apenas para ganhar alguns trocados e ajudar a pagar as contas acabou durando quase duas décadas. “Foi um trabalho cansativo, mas muito gratificante”, diz Marcelo, acrescentando que essa experiência o fez crescer muito, pois passou a conhecer mais pessoas e suas vidas. “Eu tinha clientes que eram meus fregueses há 15 anos. Eu era parte da família de muitos”, conta Marcelo.
Em 2011, após ver de perto as carências da comunidade, Marcelo resolveu se candidatar a presidente da associação de moradores dali. Sua gestão vai até 2016. "Eu não acredito que Deus nos colocou aqui por acaso ou como punição, e sim por que Ele acredita na boa índole da nossa administração. Penso que nesses quatro anos de mandato, quem mais vai sair ganhando sou eu, pois será uma lição de vida", afirma Marcelo. Ele lembra, porém, que o trabalho como presidente da associação é mais difícil que imaginava. “É difícil lidar com as pessoas, dizer não para elas. As pessoas também confundem amizade com o meu cargo”, diz.
Sobre a carreira política, Marcelo diz que está aberto a novas possibilidades – mas, de acordo com ele, o mais importante é estar realizando um bom trabalho “aqui e agora”. O próprio início na atuação comunitária nunca foi imaginado. “Nunca gostei e me envolvi com política. Às vezes eu paro e penso: o que eu tô fazendo aqui? Ao mesmo tempo, é viciante este tipo de trabalho e o contato com as pessoas. Quando você tem alguma conquista você pensa: caramba, vai ficar um legado!”, comenta.
Marcelo aponta o asfaltamento de algumas das ruas da comunidade como sua grande conquista até agora. “Durante anos entregando pão vi pessoas se acidentando por conta do mau estado do paralelepípedo. O asfaltamento era algo que os moradores queriam há muito tempo”, afirma.
No começo de 2012, o Vidigal passou por outra mudança: foi instalada ali uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Para Marcelo, o projeto é benéfico, mas precisa ser aprimorado. “Não podemos botar uma venda nos olhos para tudo o que a nossa comunidade viveu. Melhorou sim, só que o Estado, principalmente aqui, só entrou com a segurança, que às vezes é falha. Faltam projetos sociais para que os jovens tenham alguma motivação para uma nova vida, por exemplo”, opina.
Marcelo, que tem dois filhos e uma neta, diz que seu amor pelo Vidigal é tão grande que às vezes atrapalha sua vida pessoal. As amizades, o samba e o Mirante do Arvrão, onde faz orações ainda cedo, são, para ele, partes do Vidigal que fortalecem cotidianamente seu vínculo com o lugar. Para o futuro, ele espera uma comunidade mais unida. “Vemos muita desunião entre vizinhos e familiares. Precisamos da união de todos para enfrentar problemas como a gentrificação e a especulação imobiliária, às vezes promovida pelos próprios moradores”, aponta o antigo “Marcelo Padeiro”.