A longa espera das mulheres de Bangu I
O movimento na entrada do Complexo Penitenciário de Gericinó, mais conhecido como Bangu I, começa ainda de madrugada. Por volta das quatro da manhã, os visitantes – mulheres, em sua grande maioria – chegam de todo o estado e fazem fila em frente à cancela do conjunto de presídios para retirar suas senhas de entrada. Do lado de dentro, se encontram aproximadamente 17 mil detentos, distribuídos por 26 unidades prisionais, no que é considerado o maior e mais seguro complexo penitenciário da América Latina. Em dias de visita, cerca de duas mil pessoas cruzam o portão de segurança para encontrar seus familiares.
Serviços e solidariedade entre mulheres
Ali em frente, em uma sobreloja semi-acabada de dois andares, vive a família de Célia. A empresária oferece hospedagem às mulheres que preferem o conforto de seus dormitórios rudimentares, equipados de beliches, a passar a noite em claro nas calçadas da estrada Guandu do Sena, único acesso ao complexo penitenciário. “Resolvi transformar minha casa em dormitório porque vi que as mulheres que visitam os presos dormiam ao relento, passando frio, para serem as primeiras a entrar no presídio.” Célia ainda disponibiliza banheiro e cozinha a quem deseja apenas tomar banho ou esquentar comida. Valéria, que visita seu esposo duas vezes na semana, confirma. “Prefiro tomar banho e me maquiar aqui, pois venho de Duque de Caxias. É muito chão que cansa minha beleza”, brinca. Os serviços variam entre R$ 6 e R$ 12.
Célia conta os detalhes da complexa organização que as próprias visitantes criaram, nos arredores do presídio, para atender a grande afluência de parentes. Senhas provisórias são distribuídas desde madrugada, por ordem de chegada, pelas mulheres “responsáveis de presídio” – cada presídio tem a sua. Às 8 horas da manhã, agentes penitenciários distribuem as senhas oficiais, dando prioridade às gestantes, deficientes, idosos, mulheres com crianças de colo e, posteriormente, aos visitantes que já possuem a senha provisória. Quem não conseguiu a sua, aguarda em uma segunda fila a entrada de todos os demais. “Quanto mais cedo o visitante chegar para pegar a senha, mais cedo ele entra no presídio e mais tempo ele ficará com o detento”, explica Célia.
Na fila, ambulantes propõem serviços de guarda volumes o tempo da visita. No presídio, é proibida a entrada de qualquer tipo de bolsa ou sandálias fechadas. “As mulheres deixam todas as suas coisas aqui. Nós nos conhecemos há muito tempo. Sabem que não sumirá quando voltarem”, explica Dona Maria, que exerce a função de guardadora há doze anos. É ela também quem empacota as comidas que são destinadas aos presos. Dona Maria já sabe de cor o que pode entrar e o que é barrado na entrada: “não pode entrar bolo recheado, cigarros e biscoitos devem ser postos em embalagens transparentes, os sabonetes só entram se também forem transparentes. Caso contrário, vai tudo pro lixo.”
Revistas são as principais reclamações das mulheres dos detentos
Além das restrições para entrar nos presídios, existem ainda duas etapas de revistas. A primeira acontece na cancela, quando uma seleção aleatória direciona alguns visitantes para um scanner corporal capaz de detectar qualquer objeto estranho no interior do corpo. Segundo dados da Secretaria de Segurança do Rio, com a implantação da revista eletrônica, em 2008, o número de visitantes flagrados com objetos proibidos triplicou. Se o objetivo é ampliar a revista eletrônica, o procedimento ainda não foi sistematizado e a segunda etapa, a chamada “revista íntima”, continua sendo obrigatória. A regra é tirar a roupa, fazer agachamento e, quando há suspeita de objetos carregados nas partes genitais, o visitante leva toques na barriga. “É constrangedor”, diz Lurdes, que tem irmã e marido presos no Gericinó e conta casos de grosserias ou humilhações, quando agentes reclamam do mau cheiro das mulheres na revista.
Célia costuma observar toda movimentação da janela da sua casa. Com o passar dos anos, a empresária coleciona histórias cômicas, trágicas e tristes das mulheres que usam seus beliches por sossegadas horas de sono, antes do alvoroçado dia da visita.