Morro da Mineira busca a sua história
Na sala da Associação de Moradores do Morro da Mineira, o fluxo de pessoas é enorme. São crianças que entram ali para passar o tempo, moradores que buscam suas cartas e pessoas que batem um papo com o presidente da entidade, Pedro Paulo Ferreira, ou seu vice, Júlio César Teixeira. Mas, desde o mês passado, algo mudou naquele ambiente. Nas paredes, os moradores descobriram cartazes, documentos antigos, relatos e fotos que retratam a história de sua comunidade.
A exposição “O Morro da Mineira e a cidade: a cidade e o Morro da Mineira” é resultado de um projeto coordenado pela historiadora Carla Lopes, que envolve o mapeamento da localidade e pesquisa sobre suas características e história. Este trabalho foi realizado pelos próprios moradores da comunidade que redigiram, no final, um relatório apontando os problemas a serem solucionados.
Resgatando histórias
Pedro Paulo e Júlio César ajudaram na realização das exposições, primeiro no SESC Santa Luzia, em 2012, e agora na associação, onde será permanente. A moradora Ingrid Duarte, 28, entrou no projeto desde o início. Durante a pesquisa, ela descobriu a história da imponente figueira que está há décadas na Mineira, tomou conhecimento da existência de uma antiga chácara que abrigava escravos, e até se surpreendeu com a vista panorâmica que se descortina sobre a cidade. “Eu nunca tinha ido no alto da comunidade e fiquei muito surpresa com a beleza daquilo. Neste processo, eu descobri coisas boas da Mineira que agora eu posso mostrar para a sociedade. E descobri coisas sobre mim mesma também”, conta, animada.
Júlio César, por sua vez, gostou de descobrir quem foi o Doutor Roberto, médico rico que ajudava os habitantes da localidade e hoje dá nome a uma praça na comunidade. De acordo com o vice-presidente da associação de moradores, foi surpreendente a curiosidade de todos pela história da Mineira. “Normalmente a comunidade está mais interessada em questões práticas, como a limpeza ou a falta de luz. A cultura não costuma ser uma prioridade, mas as pessoas gostam de se ver e de olhar as fotos das matriarcas”, opina.
Durante sua visita à exposição, a moradora Beatriz de Souza, 40, gostou sobretudo das fotos das moradoras mais antigas da comunidade. Ela também apreciou ver uma imagem da rua onde mora, na época em que ainda era de barro. Sandra Tenente, 64, nasceu no Morro da Mineira e acompanhou esta e outras mudanças. Ela recorda do vai e vem de pessoas carregando baldes de água em suas cabeças. A água era coletada na Mina do Padre que, por culpa da poluição, passou a se chamar Ilha do Rato.
Pedro Paulo, presidente da associação, diz que ainda se encanta com o astral dos moradores da comunidade, sempre pra cima apesar de problemas sérios, como a falta de saneamento básico. “Somos uma comunidade festeira. Tudo é motivo para brincadeiras e festas que envolvem todo mundo. Assim como em muitas comunidades, é característico aqui encontrar as pessoas tomando uma cervejinha e uma garotada ouvindo música”, diz o agente de saúde.
Nas noites do fim de semana, as festas incluem forró, funk e, principalmente, samba. “Nós temos uma vocação artística muito grande. Desta região saiu a primeira escola de samba da cidade e vários músicos conhecidos”, conta Júlio César, referindo-se ao Deixa Falar e aos músicos Luís Melodia e Gonzaguinha. Todos surgiram em comunidades vizinhas que, incluindo a Mineira, formam o Complexo de São Carlos: Zinco, Querosene e São Carlos.
Carla Lopes, idealizadora do projeto, afirma que o trabalho contribui para que os moradores valorizem o lugar em que vivem e que o conhecimento local é uma etapa importante para o desenvolvimento sustentável das comunidades. A historiadora pretende agora utilizar seu método, o “Relatório de avaliação do direito ao meio ambiente”, em outras favelas da cidade.