Quando o noticiado vira repórter
Todos os veículos de comunicação se voltaram para o conjunto de favelas do Alemão, em novembro de 2010, para noticiar a ocupação do território por forças armadas do Estado. Enquanto isso, Rene Silva, um jovem de 17 anos que hoje todos conhecem, morador do Morro do Adeus, teve a ideia de atuar, via internet, pelas redes sociais, especialmente pelo Twitter, e por mensagens de texto pelo celular. Ele colhia e divulgava informações do que estava acontecendo em tempo real, nos lugares onde ocorria a ocupação, do início até o final. Suas fontes eram amigos e conhecidos que moravam do outro lado do morro.
Os grandes veículos de comunicação se deram conta de que, naquele dia e momento, a população usava a única fonte de informação que, de fato, era eficiente para se saber o que acontecia no interior da favela, já que os repórteres das TVs e rádios só conseguiam ficar do lado de fora do território ou sobrevoando à distância em helicópteros.
Desde então, o crescimento e a frequência de ligações, troca de mensagens e bate-papos nas redes sociais, com o intuito de coletar dados e achar novas 'notícias em primeira mão', passaram a fazer parte do cotidiano de qualquer jornalista, na disputadíssima era das novas tecnologias.
O canal perfeito para realizar um sonho
O jovem repórter comunitário tornou-se, em 2011, o editor chefe do Portal Voz da Comunidade, que ele mesmo tinha criado, em versão impressa, em agosto de 2005, quando participava de um projeto na escola. Com o avanço das tecnologias, as atualizações dos meios de comunicação e a acessibilidade gigantesca que o destaque dos acontecimentos no conjunto de favelas do Alemão gerou, as redes sociais se tornaram o canal perfeito para o avanço do sonho de Rene, hoje um ícone das mídias comunitárias.
Ele e sua equipe trouxeram para o território outros projetos em torno da comunicação, como o Arraial da Paz e o show Por um Natal Melhor, incentivando os jovens no conhecimento, no estudo e na criação de canais que contribuam para a busca de soluções e na discussão de problemas que são de responsabilidade de órgãos do estado e do município.
No Complexo do Alemão, o Portal Voz da Comunidade se destaca entre outros que surgiram ao mesmo tempo ou logo após a ocupação das favelas. Grupos, coletivos e até mesmo indivíduos que usam a internet e as ferramentas das novas tecnologias para se comunicar permitem que a comunidade esteja sempre conectada. Os moradores são informados sobre os últimos acontecimentos e os fatos importantes que ocorrem na vizinhança, além de assuntos sociais e problemas do cotidiano – um misto de busca de soluções e conhecimento.
O trabalho de Rene Silva e da equipe do portal Voz da Comunidade não abrange só o que acontece no conjunto de favelas do Alemão. Diariamente, a página do Facebook do portal contabiliza 12 mil acessos. E o portal tem um alcance de 30 mil visualizações por mês.
Rene diz que o portal e a página do Facebook têm como foco mostrar os problemas sociais que não são tratados pela grande mídia e o cotidiano do morador de favela, além de divulgar eventos culturais e de lazer. Também é seu intuito falar sobre o que o jovem pensa e organizar encontros, como o #FalaJovem, que reúne jovens da comunidade para bate-papos sobre assuntos importantes para eles e o lugar onde moram.
Comunicadores são moradores também
“Atualmente, a maior rede de comunicação de notícias é a rede social”, diz o repórter cinematográfico Betinho Casas Novas, colega de redação de René no Voz da Comunidade. Na visão dele, o fato de “todos andarem conectados e de tudo virar notícia nas redes sociais acaba retirando um pouco do espaço dos tradicionais jornais e das revistas. Muito do que é divulgado pelas redes alimenta e pauta as velhas mídias, principalmente a televisão”, opina.
Além disso, as ferramentas de acesso à internet e a participação das pessoas nas redes sociais modificaram a ordem da apuração dos fatos: “A rede social alarma a primeira notícia. Em seguida, a pessoa que leu vai averiguar e depois acaba voltando pra rede social, mas agora para divulgar o fato já apurado. Ela serve pra te informar de um fato, você averigua e, em seguida, usa para divulgar o que apurou sobre o mesmo fato”, diz ele.
Por fim, Betinho complementa abordando papel dos comunicadores: “Qualquer movimento de comunicação comunitária, que produza notícias para dentro e fora de favela, é super importante. É uma representatividade dos moradores. Tudo varia de princípios pois, no final, os próprios comunicadores são moradores também. Acho que o fator principal de uma boa comunicação, ou de uma boa mídia comunitária, é essa relação comunidade e comunicadores, um vínculo que não pode ser quebrado”, reforça.
Outras vozes do Alemão
Abaixo, outras mídias sociais comunitárias que trabalham para abastecer a população local com notícias do cotidiano do conjunto de favelas do Alemão:
Blog Jornal Alemão Notícia: Fundado em 2010, tem 12 mil visualizações diárias na página e oito mil seguidores. Em 2013, foi criada também uma fanpage no Facebook. Tem oito mil seguidores e 12 mil visualizações diárias na página.
Alemão Morro: É uma página do Facebook, atualizada diariamente pelo casal Cleber de Araújo e Mariluci Mariá. Tem quatro anos, 14 mil seguidores na página, 800 seguidores no perfil e cinco mil amigos.
Site Ocupa Alemão: Site criado em 2012, por seis moradores com formações e experiências profissionais variadas. Tem 6.150 pessoas inscritas na página. Aborda os mais variados assuntos, com recortes temáticos dentro da questão da favela: raça, gênero, sexualidade, tudo dentro do grande gênero "favela".
Coletivo Papo Reto: É uma página do Facebook colaborativa em que qualquer participante pode fazer postagens diretas. Antes, porém, o grupo dialoga internamente pelo wattsapp. Criado há menos de um ano, o coletivo é composto por ativistas com anos de luta.