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A luta para recuperar uma rádio no Santa Marta

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Foto: Deborah AthilaO direito à comunicação e a defesa da liberdade de expressão estão explícitos na Constituição Brasileira. Apesar disso, comunicadores de dentro das favelas sofrem com uma legislação restritiva para as rádios comunitárias, que coíbe e pune os veículos, deixando-os em um cenário de ilegalidade e criminalização.
 
Em 2011, depois de um ano de funcionamento, a Rádio Santa Marta FM foi fechada. Ela foi mais uma das vítimas das dificuldades existentes no atual cenário da radiodifusão em vigor no país. A Anatel e a Polícia Federal executaram a ação justo no Dia Internacional da Liberdade de Imprensa, 3 de maio, daquele ano. O Repper Fiell, como prefere ser chamado, à época responsável pelas transmissões, ficou impedido de colocar os programas no ar e passou a responder processo criminal. "Fui tratado como um marginal. É melhor fazer outra delinquência do que tentar se comunicar", desabafa.

Hoje ele e outros parceiros do Santa Marta, Zona Sul do Rio, lutam para formalizar toda documentação necessária e pedir uma outorga no Ministério das Comunicações. “Isso pode demorar anos, os interesses políticos ainda são determinantes para definir quem é prioridade nas outorgas. Como a rádio tinha o viés social, onde muitos problemas como a falta de saneamento, falta de energia e o policiamento aqui no morro eram debatidos, não agradava ao poder público", complementa Fiell.

Ele comenta que questões cotidianas também eram debatidas na rádio. “Hoje não tenho como saber o que está acontecendo no morro. A Rádio informava e era bem popular aqui, o telefone chegava a ficar congestionado de perguntas e comunicados dos moradores", garante.

A legislação brasileira
 
Foto: ReproduçãoA lei 9.612/98 estabelece a radiodifusão de baixa potência (25 Watts) e permite uma cobertura restrita em um raio de 1 km a partir da antena transmissora, mas proíbe a formação de rede entre as emissoras, salvo em caso de calamidade pública. Ela também não garante às emissoras comunitárias proteção contra interferências de rádios comerciais e serviços de telecomunicação, além de vetar a veiculação de qualquer forma de publicidade nos veículos.
 
O representante do Brasil da AMARC (Associação Mundial das Rádios Comunitárias), Pedro Martins, diz que esta última barreira dificulta ainda mais a sobrevivência de qualquer rádio. “Apesar de serem rádios sem fins lucrativos, elas deveriam ter o direito de arrecadar verbas para se manter, para reinvestir o que ganhassem e, assim, ir melhorando sua comunicação cada vez mais. Mas com a impossibilidade de fazer publicidade, até mesmo a estatal, fica muito difícil".
 
Martins afirma ainda que a Associação luta por regulações e leis que garantam voz  e empoderem os mais diversos segmentos sociais, distribuindo o espectro eletromagnético e garantindo espaço igual para as rádios comerciais, públicas e comunitárias. "Hoje a gente não pode contar com uma garantia por parte do estado e do governo brasileiro pelo direito à comunicação. Quem realiza comunicação de baixa potência ainda é criminalizado no país, um dos únicos do mundo a ter esse tipo de atitude", lamenta.
 
A busca por Outorga
 
Nils Brock, cooperante internacional da AMARC Brasil, informa que mesmo com todos os documentos exigidos e pré-requisitos cumpridos, não é possível solicitar uma outorga a qualquer momento. Ele explica que o processo só é aberto mediante um aviso de habilitação feito pelo Ministério das Comunicações: “Segundo o Ministério das Comunicações, o tempo de espera hoje em dia é muito mais curto que anteriormente, mais ainda demora no mínimo dois anos para receber uma outorga, muito tempo para se manter vivo o sonho para transmitir”.
 
Em contrapartida, o Ministério das Comunicações defende que a legislação de radiodifusão comunitária não é nem restritiva e nem punitiva. “Ao contrário, o procedimento de outorga de rádio comunitária é simplificado em relação às demais outorgas. Com a divulgação do Plano Nacional de Outorgas e a publicação de 69 avisos de habilitação o serviço de radiodifusão comunitária se expandiu e se consolidou nos últimos quatro anos. Somente entre 2011 e 2014 foram concedidas 444 novas outorgas", informa nota do ministério.
 
Já a Anatel não possui dados consolidados referentes ao número de fechamento das rádios comunitárias, especificamente, mas no caso do serviço de radiodifusão como um todo, somando os números de 2013 e 2014, 783 entidades não outorgadas foram interrompidas. O motivo mais frequente para o fechamento dessas rádios, segundo a Anatel, é a utilização do espectro de radiofrequências na faixa de FM sem outorga.
 
O Brasil, segundo Nils Brock, tenta se apresentar como um país internacionalmente democrático, mas não cumpre os tratados. "O Brasil assina qualquer contrato de direitos humanos, para logo descumpri-lo, como o caso do Pacto de São José da Costa Rica, que prevê a garantia de acesso por meio de leis iguais a todos que desejarem acessar os meios de comunicação. Isso não acontece aqui", reclama.
 
Ele acredita ainda que o uso desproporcional do espectro por rádios comerciais vem mostrando que a lei brasileira é frágil. Os comunicadores comunitários lutam para uma nova legislação para as rádios comunitárias, mas o que é visto no Brasil é pouca discussão sobre o tema, além do fracasso de todos os projetos de lei em prol de uma comunicação mais justa e inclusiva no Congresso.

 

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