Cidade de Deus busca adesão à moeda social
A comunidade da Cidade de Deus ganhou uma moeda própria – a CDD – em setembro de 2011, fruto do projeto Rio Eco Sol, da Secretaria Especial de Desenvolvimento Econômico Solidário da Prefeitura do Rio de Janeiro. Três anos depois de sua criação, entretanto, a moeda social ainda é pouco aproveitada pela comunidade. Estratégias de divulgação do projeto são feitas na tentativa de reverter esse quadro.
A CDD (nome que faz referências às iniciais da comunidade) é distribuída pelo Banco Comunitário da Cidade de Deus, cuja gestão é feita por um conselho composto por moradores da favela, integrantes do Instituto Palma (criador da moeda social) e representantes do BNDES (financiador).
O sistema da moeda social funciona da seguinte forma: o morador vai até o Banco Comunitário e faz a troca de Real para CDD. Com a nova moeda em mãos, ele pode fazer compras com descontos nos estabelecimentos credenciados. Há cinco cédulas em circulação: 0,50 CDD; 1 CDD; 2 CDD; 5 CDD e 10 CDD. O banco também faz empréstimos para consumidores e comerciantes, com juros bem inferiores aos dos bancos convencionais.
Os funcionários do Banco Comunitário da Cidade de Deus estudam propostas para tornar o programa mais conhecido. Uma delas é o concurso literário da moeda social, destinado a crianças e adolescentes, cuja premiação é em CDDs. Outras ações buscam a divulgação em eventos, como a Caravana do Viva Favela, que acontece no dia 31, na Cidade de Deus.
Incidente atrapalhou
Em janeiro deste ano, um assalto marcou de forma negativa o programa. Antes do incidente, as pessoas podiam pagar suas contas no banco, em um caixa eletrônico especial, mas o guichê foi retirado por motivo de segurança. O ocorrido desanimou a população, porque o antigo caixa era um facilitador. Chamado de “correspondente comunitário”, ele permitia que as pessoas pagassem a mesma conta utilizando Reais, CDDs e ainda conseguissem um empréstimo para fazer o pagamento.
Outro obstáculo que dificulta o aumento da popularidade da moeda social é a falta de pessoal no Banco Comunitário para fazer a divulgação nas ruas, conversando com moradores e comerciantes. Muitos têm dificuldades para entender os benefícios e alguns até desconhecem a existência da moeda. A empregada doméstica Maria Ignez da Conceição, 72 anos, diz que é difícil separar seu dinheiro e trocar por CDD, porque “muitos comerciantes não aceitam. Ficamos limitados; nunca sabemos se o prestador do serviço que queremos vai aceitar a moeda que trocamos”, justifica.
O dono da Sorveteria Moleka, Sérgio Ribas, 50 anos, é um dos aderiram à moeda social desde o início. “As pessoas e os comerciantes não entenderam o verdadeiro espírito do projeto. Eu continuo acreditando, mesmo que esteja caminhando devagar”, avalia. Ele lembra que o projeto contribuiria para ampliar o comércio local: “Se todos começassem a comercializar, você teria mais clientes, pois as pessoas só poderiam utilizar a moeda aqui na comunidade, o que enriqueceria esse local em um âmbito maior”.
Criadora da ONG Comitê da Terceira Idade, a moradora conhecida como “Dona Benta”, 82 anos, já formou centenas de pessoas em cursos de corte e costura, artesanato e bordados na Cidade de Deus. Ela foi escolhida para integrar o grupo de moradores que estampam as notas de CDD, assim como o Padre Júlio, o pastor evangélico João Batista e a líder comunitária Dona Geralda. Eles foram escolhidos em assembleia para representar a comunidade. Dona Benta Neves, que está na nota de 5 CDDs, acredita que a divulgação da moeda social faria a diferença: “Se todos soubessem, o projeto seria muito bem aceito pela comunidade, já que é para o nosso desenvolvimento”.
Maria Cristina Neves Costa, 59 anos, agente comunitária solidária e membro da diretoria do Banco Comunitário, explica que a moeda social foi criada para atrair os moradores que normalmente se deslocam para fazer compras em bairros próximos: “As pessoas deveriam entender que frequentar as lojas da comunidade é bom para elas e para o comércio, com maior absorção de mão-de-obra local”.
A assessoria de Comunicação da Secretaria de Desenvolvimento Econômico Solidário da Prefeitura do Rio informa, em nota, que ainda “não é possível garantir a sustentabilidade do empreendimento devido à pequena escala inicial do alcance da moeda social no território”. Segundo a nota, “a Secretaria está propondo estratégias, em parceria com a equipe do Banco, de ampla divulgação da moeda social na comunidade, de maneira a disseminá-la junto aos moradores de Cidade de Deus”.
Concurso literário
A primeira estratégia de divulgação foi a criação do Concurso da Moeda Social, voltado para alunos da rede escolar e outras instituições locais. Para participar, basta criar uma história que fale da moeda social ou do Banco Comunitário. O 1º lugar será premiado com 500 CDDs; o 2º, com 300 CDDs; e o 3º colocado receberá 100 CDDs.
A pesquisadora e economista da UFRJ, Carolina Teixeira Jorge, aprova a divulgação do programa em escolas, para que crianças e adolescentes possam levar as informações aprendidas às suas famílias. “Também é fundamental que esta iniciativa seja conjugada com outras políticas públicas de integração da comunidade com os espaços urbanos”, destaca Carolina.
Já o doutorando em Desenvolvimento Econômico pelo IE/UFRJ, Pedro Navarrete, acredita que a iniciativa estimula muitas atividades econômicas, como pequenas lojas e serviços em geral, pois o empresário da comunidade consegue investir no seu negócio em condições razoáveis de pagamento.