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Eletrônicos se transformam no ateliê de arte

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Em vez de um cavalo, Ogum vai à guerra de moto. Oxumaré usa um skate para ligar o céu a terra. As divindades do candomblé ganham novas feições e roupagens contemporâneas após passarem pelas mãos do artista plástico Valter Nu. Há quatro anos, o paulista vem alimentando com sucata eletrônica suas instalações Tecno-orixás, que fazem parte do projeto Tecnodescartável. Ele não descarta nada, de cabos a monitores passando por teclados. Todo o material é recolhido em caçambas de lixo.
 
 

Fotos: Leandro Fonseca
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“A cidade me abastece”, diz o artista, que percorre as ruas de São Paulo de bicicleta catando entulho eletrônico. Valter descarta latas e plásticos em geral. Ele quer fazer arte e não disputar esses materiais com catadores de lixo. “Esse é o ganha-pão deles”. O artista prefere lixo tecnológico, por acreditar que ainda não há destino certo para ele. “O plástico que os catadores vendem será reaproveitado e voltará à indústria para ser reciclado”.
 
Além de Ogum e Oxumaré, a primeira parte da instalação reúne esculturas de outras cinco divindades. Iemanjá foi esculpida com alto-falantes e gabinetes de televisão; Exu, com impressoras, lanternas e bombas de ar; Oxum, com leitores ópticos de CD e teclados; Iansã, com cabos elétricos e hélices de ventilador; e Oxóssi, com armações de óculos. O artista ainda está criando um Xangô, o orixá que rege 2014, com bocas de fogão e isqueiros. No total, serão 14 esculturas.

Foi em uma viagem à França que Valter começou a pensar no seu novo trabalho. Só que o conceito da instalação Tecno-orixás surgiu mesmo foi no Brasil em uma Feijoada de Ogum, no bairro do Bixiga, no Centro de São Paulo. “Um pai-de-santo me pediu para fazer um Ogum para ele”. O artista tinha acabo de ganhar de presente de um amigo um monitor de PC. “Levei aquilo para casa e vi que parecia um tanque de moto”.

Orixá pop e urbano

Apesar da temática, Valter não quis fazer uma leitura religiosa das divindades do Candomblé. Ele quis apenas tirá-las dos terreiros.  “Essas imagens ainda são demonizadas”. Com seu trabalho, o artista quis “jogá-las na cultura pop”.  Sua inspiração veio do som da maranhense Rita Ribeito. Ela associou a batida eletrônica ao som dos terreiros de umbanda e do candomblé para compor seu projeto Tecno Macumba. “Quando imaginei Iemanjá, pensei que aqui não tinha onda. Mas temos mar sim, mar de comunicação. A onda está no ar. É a onda do som, por isso que Iemanjá está vestida com conchas de alto-falantes. Oxossi eu fiz com as lentes de óculos porque o caçador na cidade tem que ter olho para tudo quanto é lugar. A cidade precisa de proteção, mas um Ogum no cavalo não protege ninguém”.

Cada escultura foi inspirada em uma música. “A Lenda das sereias”, na versão de Marisa Monte, inspirou a escultura de Iemanjá. “Festa de Umbanda”, de Martinho da Vila, guiou Exu, e “Jorge da Capadócia”, na versão do grupo de rap Racionais MCs, influenciou a composição de Ogum. Além das músicas, Valter admite que a astrologia e o candomblé também o inspiram: “Sou de Ogum com Iansã de Balé, que é a barqueira da morte”. No horóscopo, Valter é Escorpião, que, diz ele, é o signo do oculto, da morte. “Meu trabalho como artista está totalmente ligado as  coisas que estão mortas e, depois, ressignificadas”.

Procura por lixões

Foi depois de conhecer um lixão, que Valter incorporou a sucata no seu trabalho. A visita ao extinto Lixão do Alvarenga, na divisa de São Bernardo do Campo com Diadema, na região Metropolitana de São Paulo, ocorreu em 1993.  “Fiquei muito chocado com o volume. Foi a primeira vez que vi um lixão. Aquilo começou a me encantar e passei a ir muitas vezes. Procurei outros lixões para achar minha matéria-prima e comecei a produzir”. O artista começou a se interessar pela preservação ambiental nos anos 1980.

Foto: Leandro Fonseca

Além dos danos ambientais gerados pela produção de lixo, o artista passou a refletir sobre o impacto desses resíduos na vida e na saúde das pessoas. O acidente com o Césio-137, que vitimou centenas de pessoas em um acidente em Goiânia em 1987, nunca mais saiu da sua cabeça. Valter passou a imaginar uma bateria jogada fora, por exemplo, em uma caçamba de lixo pode acabar na mão de uma criança. “Se tivessemos aprendido com o episódio do Césio-137, estaríamos exigindo das empresas que elas se preocupassem com o descarte dos seus produtos”.

Valter diz encontrar todo o tipo de material no lixo: cápsulas de micro-ondas e de celulares, ambas radioativas. “Tenho um pouco de medo de ter contato com isso, mas dou uma olhada. Sempre trabalho de luvas. Sei que não resolve. Por isso é que tem materiais que olho e não pego”.

 

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