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Auge e decadência da pesca no Caju

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Clarisse Werneck

Quem olha para a pequena dezena de barcos atracados na praia do Caju, em meio a um mar de lixo e de lama, dificilmente imagina que ali prosperou, nos anos 60 e 70, a maior colônia de pesca do Rio de Janeiro. A decadência das atuais colônias “Z-12” e “Z-5” tem origem em vários fatores, entre elas a concorrência da pesca industrial, a poluição da Baía de Guanabara, e a industrialização do bairro. Na memória dos veteranos, no entanto, sobrevivem relatos da época em que o peixe era abundante, e o mar, cristalino. Os raros pescadores ainda ativos, que fazem parte da 3ª ou 4ª geração, testemunharam também o rápido empobrecimento da região, à medida que a cidade se dotava de sua área portuária.

Claudio Luiz Marques, 57, é um deles. Conhecido como “Baixinho”, ele trabalhou por mais de 40 anos como pescador no Caju. Nos tempos áureos da colônia, ele retirava do mar de 100 a 200 quilos de peixe por saída. Hoje, Claudio aluga seu barco para a pesca recreativa. “Se a pesca tivesse dado certo, ia ensinar o que eu sei a meu filho. Mas não tem mais futuro na pesca, eu não quero o meu filho nessa profissão”, afirma.

Claudio vê na extinção do mercado de peixes da Praça XV, na década de 90, a razão da falência da pesca artesanal. É que no antigo mercado, o próprio pescador vendia o seu peixe, enquanto que hoje ele escoa sua mercadoria no Ceasa ou no Mercado de peixes São Pedro, em Niterói, na mão dos atravessadores. “Eu tenho que pagar o caminhão, pagar o frigorífico, pagar o pessoal do barco, as dívidas todas. Com um barco grande, dá para pescar muitas toneladas. Mas, com um barco pequeno ou de porte médio, não ganha nada”, explica Cláudio. “A gente tinha vida de rei. Hoje, o quilo da sardinha não chega a R$1! Quem é que vai ficar no mar dois, três dias para ganhar 80 centavos no quilo do peixe?”

O mar não está para peixe

Ricardo CostaA degradação ambiental consta, todavia, como a principal responsável pela decadência da profissão. “Esse lixo que você vê acumulado na colônia vem do canal do Cunha, do canal do Jacaré, que desaguam na baía”, denuncia Gilberto Gouveia Monteiro, mecânico que trabalha na manutenção das embarcações. Gilberto faz parte do grupo de raros moradores do Caju que, apesar das dificuldades, conseguem viver da pesca. Na área conhecida como Varal, na Quinta do Caju, que hoje faz parte da colônia Z-5, ainda atuam na pesca artesanal cerca de três barcos pequenos (com duas pessoas, o pescador e o ajudante) e dois médios (no qual embarcam cerca de 15 trabalhadores).

De acordo com o mecânico, o outro problema que assola a colônia é a lama. Quando a maré baixa, ela impede os barcos de sair ou de chegar. O fenômeno começou com a instalação das indústrias e dos estaleiros no entorno. A dragagem dos canais de acesso à baía, feita para aprofundá-los e permitir a navegação de barcos de grande calado, deixou lama nos cantos, formando verdadeiros barrancos subterrâneos. Com a correnteza, a lama é levada até a colônia.

Gilberto chegou a fazer um levantamento das obras necessárias para os pescadores, sonhando com a revitalização da colônia. “Quem conheceu isso aqui no passado e vê hoje, até chora”, lamenta. Segundo ele, há estruturas condenadas que devem ser restauradas com urgência, como a rampa de concreto que está com os ferros à mostra, prestes a desabar. “Essas estruturas oferecem risco à vida dos pescadores e de quem passa por lá”, alerta.

De bairro pesqueiro a bairro industrial

As origens da colônia de pesca do Caju devem ser buscadas no final do século XIX, com a migração de famílias vindas de Póvoa do Varzim, em Portugal, para fazer fortuna no Brasil. Nas ruas do bairro, algumas casas de madeira de pinho, hoje tombadas, são resquícios desta herança. Ao longo dos anos, a colônia prosperou até se tornar, em meados dos anos 50 e 60, a maior da cidade. Ela também foi um não menos importante entreposto comercial de pescado – atividade que encerrou com a criação, pela Sudepe (Superintendência de Pesca), do mercado de peixes da Praça XV, nos anos 30.

Ricardo CostaNa década de 80, a rápida industrialização da região causou o crescimento desenfreado de sua população. O pacato bairro pesqueiro do Caju tornou-se então a região com a maior concentração de favelas do Rio de Janeiro, contabilizando oito atualmente. Segundo dados do censo de 2010, 79% da população do bairro (cerca de 16 000 pessoas) moram em favelas. Os números também revelam que, em dez anos, de 2000 a 2010, o crescimento da população do Caju foi mais que o dobro que o da média da cidade (16% contra 7%).

A Quinta do Caju, que contava 52 mil metros quadrados de área dedicada à atividade pesqueira, perdeu no intervalo de 30 anos, 80% de sua superfície, quando lá se instalaram o Parque de Material Eletrônico da Aeronáutica (Pame-RJ) e o maior estaleiro do país, o Ishikawajima – ou Ishibrás. “No passado já tivemos mais de 100 barcos pescando aqui. Tínhamos loja de venda de rede, posto médico, varal para estender as redes. O pescador era feliz, hoje mal conseguimos trabalhar” lamenta Gilberto.

Dois desastres ecológicos, no entanto, precipitaram o declínio da profissão: a criação do aterro sanitário de Duque de Caxias, o Lixão, que acabou com a área do manguezal – principal berçário da fauna marinha da baía -, e o vazamento do oleoduto da Petrobrás, em 2000, registrado como um dos maiores acidentes ambientais do país. “Quando eu comecei a pescar, a água da ponte Rio Niterói era limpa e cristalina” recorda um companheiro de Claudio, que não quis se identificar. Ele lembra bem do acidente, que impactou diretamente a profissão. “O fundo ficou todo imprestável, houve uma mortandade tanto de pássaros quanto de peixes”, detalha.

O ex-pescador, que hoje ganha a vida como porteiro, comprova a importância econômica que a atividade teve na região. “O mar foi meu meio de sobrevivência. Eu me casei com o dinheiro que eu ganhei pescando. Eu criei e casei minhas filhas. Elas são formadas. A casa que eu tenho hoje, construí com o dinheiro que ganhei nos barcos. Então, o mar representa muita coisa pra mim!” revela.

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