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Incêndios em favelas no centro da polêmica

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De um lado, um empreendimento imobiliário. Do outro, o córrego Aricanduva, com cerca de 20km de extensão. Entre eles, a Favela da Penha, na zona leste de São Paulo, atingida por um incêndio em abril deste ano. Mais de três meses se passaram e alguns poucos barracos ainda resistem em meio a objetos carbonizados e terra enegrecida.

O empreendimento Way Penha, da construtora Living, ligada ao Grupo Cyrela, possui seis torres com 21 pavimentos e está localizado num terreno de 19.716 m² da Rua Guaiauna. É para ele que Alessandra Aparecida Gomes da Silva, 28, aponta, dizendo: “Esse prédio é novo, vai vir gente morar nele. Então não vão nos deixar aqui, um prédio e uma favela”.

Fotos: Leandro Fonseca

Alessandra é uma das moradoras que recebeu R$ 2 mil para deixar o local, atingido por incêndio pela segunda vez – a primeira foi em 2012. A construtora ficou incumbida do pagamento do valor após acordo com a Secretaria de Habitação, a Subprefeitura da Penha e empresários. Em nota, a assessoria de imprensa da Living informou que a medida foi tomada com o objetivo de minimizar o risco aos moradores locais.

“Neste cenário, firmamos um Termo de Cooperação com a Prefeitura de São Paulo, que visa colaborar com a ONG MDF (Movimento em Defesa do Favelado – Região Episcopal Belém), fornecendo às famílias (previamente cadastradas) apoio material e assistência social. Este acordo conta com o parecer favorável do Ministério Público”, diz a nota.

A assessoria de imprensa da Secretaria de Coordenação das Subprefeituras informou que foi necessária a remoção das famílias do local, pois as moradias foram construídas à beira do córrego e próximas a torres de energia elétrica. Segundo a assessoria, a Secretaria Municipal de Habitação cadastrou cerca de 450 famílias para inclusão em programas habitacionais da Prefeitura. “Essas famílias estão incluídas na demanda caracterizada como ‘área de risco’ e receberão unidades habitacionais definitivas nos próximos anos”.

A Lei Federal nº 6.766/79, entre outras disposições, proíbe o loteamento para fins urbanos em áreas com risco de inundações ou “onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção”.

Segundo André Delfino da Silva, membro do Movimento em Defesa do Favelado (MDF), o secretário adjunto da Secretaria de Coordenação das Subprefeituras, Miguel Reis, foi quem procurou a ONG. “Neste segundo incêndio não houve por parte da Prefeitura, a possibilidade de oferecer às famílias o auxílio aluguel. A única coisa foi o cadastramento em programa habitacional”, diz. Diante disso, Reis conseguiu com a construtora o apoio financeiro para as famílias desabrigadas.

Moradora da favela há mais de quatro anos, Alessandra diz que tem dificuldades para alugar uma casa e sustentar os filhos. “Era bom que saísse o apartamento o mais rápido possível”, diz. Ela perdeu tudo no incêndio. “A única coisa que tem na minha casa é a televisão e uma cama que nós mesmos fizemos de madeira”.

A mesma situação é vivida por Claudionice Jacinta Raimunda, 40. Moradora da favela há quatro anos, perdeu tudo, exceto os documentos que carregava no dia. Recebeu a notícia do incêndio quando estava no trabalho. “Quando cheguei já tinha queimado a maioria da favela”.

Segundo ela, o incêndio foi provocado por duas crianças que estavam sozinhas no barraco e, com fome, acenderam o fogo para esquentar a comida. A mãe havia saído para uma entrevista de emprego. Já a Secretaria de Segurança Pública diz, em nota, que foi solicitado laudo complementar e o caso segue em investigação.

Ao contrário de Alessandra, Claudionice não recebeu os R$ 2 mil. Com medo de construir sua moradia novamente no local onde o incêndio ocorreu, mudou-se para o outro lado do córrego Aricanduva, local que já está sendo ocupado por outras famílias.

“Não tem esgoto. Não tinha água, nem nada, a força ligada no ‘gato’. Pegou fogo duas vezes nessa favela, perdi dois barracos”, afirma Jairo Vieira dos Santos, 40, morador da favela há cinco anos. Ele diz que alguns moradores recebem ajuda de religiosos, como cestas básicas, por exemplo, mas isso não acontece todo dia. “Três meses e pouco se passaram e o povo passando frio, cheio de rato, barata, as crianças passando fome e frio, a noite inteira, o dia inteiro”, lamenta.

Segundo Jairo, o incêndio começou por volta das 17h e atingiu prédios do Way Penha localizados ao lado da favela. “Aí fizeram uma ‘vaquinha’ pra desocupar a área. Essa área é da Prefeitura, eles não resolvem. Não deram bolsa aluguel, nada”.

Ele afirma que o auxílio dado pela construtora é insuficiente. “Os dois mil já acabaram, todo mundo está na rua de novo, do mesmo jeito. Deram apartamento pra 2016, mas quem é que vai viver com dois mil até 2016?”, questiona.

“Adeus Comunidade do Way Penha”

A Favela da Penha está localizada em um terreno público. De acordo com a assessoria executiva de comunicação e imprensa da Subprefeitura da Penha, ainda está sendo estudado o que será feito nele, por ser uma área de risco.

O empreendimento imobiliário da Living está em fase final, com previsão de ser entregue em novembro de 2014. Enquanto o projeto não é inaugurado, futuros moradores se articulam nas redes sociais. A página no Facebook “Way Penha” compartilhou, no dia 10 de junho, um álbum de fotos intitulado “Adeus Comunidade do Way Penha” comemorando a retirada da favela.

Semanas depois, o álbum foi excluído e a página teve o nome alterado para “Moradores do Way Penha”. Fotos da construção eram compartilhadas na página com o intuito de divulgar o andamento das obras aos moradores. “Fiquei muito indignada quando vi a minha vista de cara com a favela”, comenta uma mulher numa das fotos compartilhadas. Outro futuro morador diz que é necessário continuar “forçando uma ação do governo”, porque a Living havia dito que a favela sairia de lá. A reportagem entrou em contato com essas pessoas, mas, até o fechamento da matéria, ninguém respondeu.

Em outra imagem, foi postado pela própria página “Moradores do Way Penha” um comentário comemorando o avanço das obras. “Triste foi ver que a favela continua crescendo. Vimos até uma escada da favela para o muro do nosso prédio”, complementa o administrador da página, que preferiu não conceder entrevista.

O prédio, o barraco e o fogo

Em 2012 houve um pico no número de ocorrências de incêndios em favelas de São Paulo. É o que indica o gráfico do projeto “Fogo no Barraco”, que divulga em seu site uma planilha alimentada de forma colaborativa, com informações sobre incêndios causados por diversos motivos.

De acordo com o Capitão Marcos das Neves Palumbo, do Corpo de Bombeiros, as principais causas de incêndio nesses locais são: instalações elétricas inadequadas, displicência com velas e cigarros, vazamentos de gás e motivações criminosas. Ele afirma que há uma rápida propagação do fogo por causa da distância entre as moradias e a quantidade de materiais combustíveis, como papel, madeira, papelão e plástico.

“As dificuldades são os acessos e também os botijões de gás. As instalações elétricas inadequadas são precárias, o consumo de equipamentos na comunidade é maior do que a capacidade da fiação das moradias. Dessa forma os fios esquentam, encostam em materiais combustíveis e há um ponto de ignição. Basta o início do fogo, com a rápida propagação, e as chamas ganham um volume muito grande”, explica.

Segundo ele, a prevenção é o melhor caminho para se evitar os incêndios. “Poderiam ser feitas instalações permanentes de energia iguais a algumas moradias da comunidade de Heliópolis. Algumas casas foram escolhidas e os pontos instalados”.

“Quando cancelam um programa de prevenção de incêndios, é uma causa. Quando os bombeiros fazem vista grossa, atrasam, é uma causa. Quando essas comunidades são mantidas na completa ilegalidade, as ligações de luz clandestinas representam imenso risco. Todas essas são causas possíveis de tragédias”, diz Pedro Moraes, integrante do projeto “Fogo no Barraco”.

O documentário “Limpam com Fogo” aborda essa questão e estreita a relação entre os incêndios em favelas e a especulação imobiliária em São Paulo. Produzido pelos jornalistas César Vieira, Conrado Ferrato e Rafael Crespo, o vídeo é fruto de um trabalho universitário e, graças ao auxílio de um financiamento coletivo, está em fase de finalização.

As favelas citadas no documentário são: Moinho, Vila Prudente, Morro do Piolho, Heliópolis e Penha. Segundo Rafael Crespo, são suspeitas as causas do incêndio na favela da Penha e do Moinho, na região central. “Apesar de não oficiais, as versões dos moradores nos deixam com a suspeita de que os incêndios podem ter sido criminosos. Causas como curto circuito e vazamento de gás são muito comuns. Isto não isenta o poder público de responsabilidade, pois deveria haver uma fiscalização e regularização da parte elétrica nas favelas, além de, principalmente, a urbanização dos locais”, diz.

“É muito difícil provar uma relação direta de que o fogo tenha sido causado por algum agente da especulação imobiliária”. De acordo com Crespo, a expulsão de comunidades localizadas em regiões de alto valor imobiliário é lucrativa a esse mercado.

“O incêndio da favela da Penha aconteceu em um local de alto interesse da construtora Cyrela”, comenta Crespo. Segundo ele, a construtora procurou a Prefeitura para saber o que poderia ser feito para retirar a favela daquele terreno. Então, a Prefeitura informou que, legalmente, não havia nada a ser feito, uma vez que a comunidade possuía o direito de residir ali. “Pouco tempo depois aconteceu o incêndio, e a Cyrela ofereceu dois mil reais para cada morador, com a condição de que deixassem a área. No terreno em que a comunidade costumava resistir em busca de uma moradia digna, sobrou apenas os escombros do desastre”.

“Ao decorrer do trabalho, notamos que é muito difícil comprovar que estes incêndios foram provocados de forma criminosa, mas é de se estranhar que aconteçam, em sua imensa maioria, em favelas bem localizadas da cidade”, diz Crespo.

Para Pedro Moraes, do projeto “Fogo no Barraco”, as forças pela gentrificação (enobrecimento urbano) seguem atuando em São Paulo. “Comunidades como a do Moinho ainda lutam pelo direito à permanência e a especulação imobiliária continua fortíssima em São Paulo. É preciso que se entenda que morar é um direito”, diz.

1 Resposta

  1. juliana

    E uma vergonha isso,adeus comunidade sou uma ex moradora ,tivemos que entrar com uma ação na justiça,perdemos tudo
    A prefeitura não deu nada ,para conseguirmos alguma coisa entramos na defensoria publica na liberdade ,recebemos 6 meses
    de aluguel,a prefeitura recorreu na justiça e perdemos uma ação que ate hoje a defensoria publica esta recorrendo para que podemos pelo menos voltar a receber um direito que e nosso ja que a prefeitura não tem moradia pronta para nos entregar.Naquela comunidade tinha pais de familia que não conseguia pagar uma aluguel ,nao somos animal para ser excluindo desta maneira.

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