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Igreja da Penha é tesouro pouco reconhecido

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Fotos: Cláudia SanchesO Santuário de Nossa Senhora da Penha de França completa 380 anos em 2015, quando a cidade fará 450. O Rio tinha apenas 70 anos quando a igreja, na época uma pequena capela, foi fundada. É a primeira imagem que se destaca no subúrbio carioca, para quem chega pelo aeroporto Tom Jobim. Além de ser uma construção imponente e bela, faz parte da história do Rio de Janeiro. Mas segundo o pároco, o Reitor Serafim Fernandes, a igreja não é reconhecida como deveria:

“Como outros monumentos, o santuário caminha com a trajetória da cidade. Ela é tão importante que deu nome a três bairros do entorno, Penha, Vila da Penha e Penha Circular. Mas não é valorizada à altura. Acredito que seja o fato de não estar localizada na Zona Sul. Se estivesse na Pedra da Gávea seria uma das maravilhas do mundo. A Igreja da Penha é um monumento singular no mundo. Uma igreja, construída sobre um penhasco, com 382 degraus esculpidos na própria pedra”, diz.

Para o Reitor, os governantes deveriam investir em políticas públicas que incentivassem o turismo na região e a inclusão do santuário nos roteiros das visitações. “Seria uma forma de pulverizar o turismo pela cidade, hoje muito concentrado no Corcovado, Pão de Açúcar e na Candelária. As agências de turismo não têm interesse porque os acessos são difíceis e não há investimento em transporte público de qualidade. Já vi muitos relatos de pessoas que estiveram aqui e ficaram encantados, pois nunca imaginavam que este seria um local tão aprazível e silencioso, arborizado, com essa vista privilegiada”, afirma ele, que tem entrado em contato com o poder público para articular estratégias para atrair os visitantes.

O pároco acredita que a mídia também veicula informações que intimidam as pessoas por causa da violência urbana, espalhada por toda cidade. É um de seus desafios desmistificar a ideia de que o lugar é perigoso. “Moro aqui há 17 anos nunca fui assaltado, morei dois anos no Leblon e fui assaltado três vezes”, completa ele, que já conseguiu com a Prefeitura a construção do plano inclinado para facilitar o acesso de visitantes e moradores das comunidades.

Quem visita a Igreja da Penha também se encanta com suas singularidades. O empresário Fábio Mercie, morador da Zona Oeste da cidade, levou a noiva, a administradora Sheila Ferreira, para conhecer o santuário. Ela nunca tinha ido à igreja e ficou surpresa com a beleza da vista e do monumento. Na opinião de Fábio, as pessoas criam mitos de que é perigoso ir à Zona Norte e perdem a oportunidade de conhecer um lugar como uma “paisagem é maravilhosa”.

O sagrado e o profano

Nos templos de glória, em que a Festa da Penha era um acontecimento na cidade, as pessoas participavam de quatro dias da Procissão Luminosa e da Caminhada Jovem, em outubro. Segundo o pároco, passavam pelas escadarias, a cada domingo, cerca de 120 mil pessoas. Apesar de quase ter acabado por causa da violência urbana e de ser bem mais simples atualmente, a Festa da Penha ainda é considerada a segunda maior do gênero no país.

O professor de Educação Artística Ricardo do Carmo produziu o vídeo “Penha, uma festa carioca” para contar a evolução dos festejos, criados pelos portugueses. Com o passar do tempo, a festa se transformou em um forte reduto musical, com rodas de choro e samba. No vídeo, Heitor dos Prazeres, um dos pioneiros do samba carioca, recorda como eram as festividades: “As pessoas reuniam a família e iam às romarias. Minha mãe preparava os piqueniques, havia a integração dos músicos que vinham de fora. Essa é a lembrança maravilhosa que tenho da Festa da Penha”.

Muita coisa mudou desde que a Irmandade foi criada, no século XVII, e a festa oficializada por Dom João VI, em 1816. A construção da Estrada de Ferro Rio do Ouro levou um grande número de pessoas para a região, dando origem aos concertos musicais e torneios de marchinhas. Compositores famosos passaram a se apresentar e a festa se tornou um prelúdio do carnaval em meio a romarias e procissões. O sagrado e o profano começaram a caminhar juntos, unindo samba e religião. Dessa mistura nasceu o grande legado da Penha para a MPB.
“A festa passou a ser frequentada por músicos como Noel Rosa, Dunga e Pixinguinha. Eles vinham no intuito de lançar suas músicas e se elas fizessem sucesso aqui, com certeza iriam estourar. A Penha se tornou o berço do samba partido alto e do chorinho. Através de pesquisas vimos muitas propagandas das festas no Jornal do Commercio”, conta a museóloga Jussara Cestari, do Museu da Venerável Irmandade de Nossa Senhora da Penha.

Tesouro escondido

Segundo a museóloga, que gerencia o museu e a Sala dos Milagres, um membro da irmandade teve a ideia de guardar os objetos do santuário e as oferendas que os fiéis traziam, com intuito de preservar um pouco da história e tradição. A igreja foi criada em 1635 pelo capitão Baltazar de Abreu Cardoso, que lutou na expulsão dos franceses da cidade e ganhou as terras que hoje formam o bairro da Penha. “Todos os dias o capitão, parente do navegador português Fernão de Magalhães, subia a pedra de granito para olhar suas fazendas, gados e escravos. Um dia, foi surpreendido por uma cobra que iria atacá-lo e fez uma promessa a Nossa Senhora do Rosário: se conseguisse se livrar da morte, levantaria uma capela. Na hora apareceu um lagarto e matou a cobra. A população começou a espalhar o ‘milagre do penhasco’ pelo local e deu origem a devoção à Nossa Senhora da Penha de França”, afirma Jussara. 

Visitar o Museu da Irmandade é fazer uma viagem pela história do país e conhecer a relação que Dom Pedro II, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck e o papa João Paulo II tinham com a irmandade. Ali também são encontrados objetos simbólicos da Festa da Penha, como o cordão de balas, as petecas da época e as tradicionais rosquinhas portuguesas. Um brasão homenageia o padre Ricardo as Silva, ao lado de objetos de tortura dos escravos que impressionam. Abolicionista, o sacerdote ajudava os escravos a fugir e criar o Quilombo da Penha, no local onde hoje está a comunidade da Vila Cruzeiro.

Na Sala dos Milagres se destaca o acervo de objetos que os fiéis doam à Igreja. São fardas e quepes de oficiais da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros, com dedicatórias, além de protótipos de pés, mãos e cabeças, de cera e esculpidos em madeira e metal. Também estão no acervo da sala camisas de times de futebol, doadas por Léo Moura, no campeonato de 2009, e pelo jogador Nunes, em 1981, além de muitas fotos, lembranças e tranças, da época em que as mães levavam os cabelos dos filhos para pagar as promessas. “Não havia a preocupação do registro, então bastante coisa se perdeu. Os próprios moradores do subúrbio acham que a periferia não tem história e não valorizam esse tesouro escondido aqui no outeiro”, lamenta a museóloga.

Pagadores de promessa

A tradição de subir as escadarias também não se perdeu com o tempo. O advogado Paulo Alexandre Loureiro, em plena segunda-feira, subia com dificuldade sob um sol forte os últimos degraus das escadarias. A razão da promessa foi a internação de seu pai no CTI. Diabético, ele estava ameaçado de perder uma perna. “Já fez seis meses, meu pai se recupera bem e estou de férias. Vim de Portugal para pagar minha promessa”, diz Paulo.

Giovana Franco, moradora da Zona Sul, também subiu as escadarias de joelhos e aproveitou para assistir à missa e conhecer o santuário. Apesar das mãos machucadas e dos joelhos doloridos, ela e o marido, Eduardo Renales, não deixaram de contemplar o monumento, a paisagem e se surpreender com a paz do local. Giovana fez a promessa em favor de seu filho Matheus, de apenas dois anos. “Ele estava com uma alergia incurável e vivia internado. Quando cheguei embaixo das escadarias senti a força de Nossa Senhora. Senti que ela me daria energia para cumprir minha promessa. Hoje meu filho está curado e saudável”, comemora.

O museu abre aos domingos, de 7h às 12h, e a programação da Festa da Penha desse ano já está no site do Santuário. O endereço é o www.igrejadapenha.org.

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