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Ser contra a copa e assistir aos jogos

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Dia desses a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik se reuniu com jovens no auditório lotado da Fundação Rosa de Luxemburgo em São Paulo para falar e palestrar sobre o livro Resistências no país do futebol, que estava sendo lançado, quando uma das intervenções de um dos jovens presentes tirou risadas da plateia. A pergunta “Eu sou contra essa copa, eu vou para a rua nas manifestações, como posso então justificar assistir os jogos pela TV apesar desse posicionamento?”. Risos na plateia.

A pergunta, entretanto é muito pertinente ao que Raquel respondeu que a questão não é, e talvez nunca tenha sido, impedir a copa e sim mudar o país o que é muito mais importante e complexo. Acordo pleno deste escriba.

A urbanista tem muita bagagem para tocar no assunto sobre a suposta contradição. De 2008 a 2014 ela foi relatora especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU para o Direito à Moradia Adequada, e foi referência internacional no tema da violação de populações afetadas por megaprojetos esportivos. Já havia produzido estudos para os casos da Copa na África do Sul, das Olimpíadas na China e os jogos da comunidade Britânica na Índia.

Coerente com o que estudou e produziu ela é mais uma crítica da apropriação corporativa dos espaços urbanos, aqueles mesmo usados para a instalação das arenas e que para tal graves violações de direitos e leis em nome da Copa do Brasil 2014 foram cometidos. “Quando apresentei o relatório [da ONU], descobri a perversa relação entre as políticas neoliberais urbanas e a organização de megaeventos esportivos, e a ligação entre estes dois elementos e a massiva espoliação dos direitos dos setores mais vulneráveis na cidade. Não por acaso os jogos, ao longo de sua história, foram, a partir de Los Angeles, tomados por operações de marketing, organizadas não pelos Estados, mas por patrocinadores privados. Tem a ver com a globalização dos mercados imobiliários e financeiros, e a financeirização da produção nas cidades e o quanto essas plataformas dos megaeventos são uma vitrine de tudo e da própria cidade, como objeto de venda”, resume a urbanista.

Ainda como consequência é plausível que a organização da copa no Brasil permitiu violações, que em ocasiões normais, não seriam ousadas se cometer. Só foi e é possível em função do nacionalismo estar sendo usado para justificar o que os mais atentos estão chamando de Estado de Exceção. O fato é que o gerenciamento geral dessa copa há muito deixou de estar nas mãos dos Estados e do poder público. São os grandes grupos que definem a macroeconomia que comandam as operações sob a fachada e responsabilidade da Fifa.

Se provas são necessárias podemos exibir o caso da Cidade da Copa no Recife, que foi viabilizada por Parcerias Público-Privadas. A tal cidade foi construída em área do governo do Estado e as tais parcerias decidiram que um consórcio de empreiteiras liderado pela Odebrechet, a mesma que é sócia proprietária da Arena Corinthians, a pegar recursos do BNDES para construir um estádio na tal cidade junto com uma contrapartida generosa de outro enorme terreno para construir imóveis privados tais como moradias de alto padrão, shopping, escritórios. Ou seja, uma série de produtos nada acessíveis ao grosso da população com o beneplácito do estado que ainda ajudou e ajudará financiar o empreendimento. Detalhe: dinheiro público.

Mas para não deixar sem resposta – A urbanista lembrou que as manifestações nas ruas têm alterado muito pouco esse quadro, mas que os efeitos vão transcender a esses aparentes poucos resultados. “Estamos vivendo um novo ciclo que se iniciou com as lutas pela democratização nos anos 80, passou pelos movimentos sindicais e sociais que foram gerando novas institucionalidades, novos partidos e proposições a atual conjuntura”, teria dito. Tem razão, apesar do fato de ainda não se conseguir responder melhor e mais a todas as demandas que apareceram a partir das manifestações de junho de 2013 a situação tende a mudar.

A contrapartida dessa nova situação, que ainda não se acentuou minimamente, por causa mesmo da falta de canais representativos e institucionais no campo democrático são os arroubos de totalitarismo, de militarização e das proposições simplistas e descompromissadas que vira e mexe se ouve das bocas mais dispersas quando, por exemplo, as pessoas dão com as portas na cara quando procuram a saúde pública ou quando tem dificuldades de transporte público. O mais corriqueiro e se queixarem e dizerem que acham “um absurdo esse governo, gastando monte de dinheiro com estádio, devia gastar em hospital. É tudo por causa da corrupção, etc”.

Não dá apenas para dar vazão a esses argumentos falhos e fracos. Eles não ajudam, não esclarecem e não explicam tudo. No mais das vezes repetem as cantilenas simplistas de grande animadores televisivos que se fazem passar por âncoras de notícias. O fato com o qual temos que nos subsidiar para elevar o patamar da crítica é que o que se gastou com a copa não é nada perto dos juros pagos aos banqueiros; do que a gente transfere todo dia pras empreiteiras, pros grandes grupos privados na área de saúde. Isso é muito mais grave. Corrupção de 10% do contrato é grava, mas de menos nessa situação. “Os descontentamentos acabam se misturando”, pondera a urbanista. Muita concordância, de novo. (JMN)

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